Todos os dias há temas que pululam na nossa atualidade, mas não posso deixar de prestar a minha homenagem a uma heroína, de nome Gisele Pelicot que merecia ser a Personalidade do Ano. A história dela, infelizmente, teve pouco impacto em Portugal.

Esta mulher não é política, não é empreendedora, não é cientista, não descobriu a cura para o cancro, mas expôs-se de uma forma avassaladora e para lá do imaginável para mostrar à sociedade que sexo não consentido é violação. Fazer sexo com uma mulher inanimada é violação.

Gisele é uma mulher que tem 71 anos e foi vítima de várias violações levadas a cabo por cerca de 80 homens (50 foram identificados e foram julgados). Durante cerca de dez anos de abuso, ela foi drogada pelo próprio marido (hoje ex-marido) que a promovia como se fosse um objeto, na internet, para que fosse violada.

Enquanto a mulher, totalmente inconsciente, era violentada por estranhos, o próprio ex-marido, excitado, filmava e fotograva tudo. Esses registos apreendidos pela polícia ascendem a 20.000 imagens e vídeos de puro nojo em que ela está completamente imóvel, enquanto os agressores se servem dela.

O ex-marido, de nome Dominique, que confessa os crimes, disse em tribunal que cerca de um terço dos homens contactados online recusaram a proposta por saberem da submissão química, mas nunca apresentaram nenhuma queixa na polícia.

Dominique não apresenta nenhuma patologia ou deficiência mental; os outros agressores com idades compreendidas entre 26 e 74 anos são homens comuns de diferentes meios sociais: jornalistas, militares, artesãos, informáticos, enfermeiros, guardas prisionais, motoristas e a grande maioria sem qualquer antecedente criminal. Muitos pais de família, amados e bem integrados, não têm o perfil que se esperaria de alguém sem humanidade nenhuma. Não têm sequer aspeto de vilões.

O juiz deu a possibilidade a cada um dos agressores de se pronunciarem uma última vez antes da leitura da sentença e houve um deles que disse isto: “Nunca quis violar ninguém, juro”. Este homem foi seis vezes, em momentos diferentes, à casa de Gisele para a violar, sabendo que ela estava inanimada e sob efeitos de drogas.

No decurso do julgamento, os advogados de defesa tentaram descreditá-la, imputar-lhe responsabilidades e envergonhá-la, mas aquela senhora de 71 anos não só não se intimidou como exigiu que o julgamento fosse público.

Fez afirmações que ficarão certamente gravadas na memória de todos, como: “A vergonha tem que mudar de lado”.

Esta afirmação, tão crua, passou a ser um lema para muitas vítimas, para quem a culpa e a vergonha são os sentimentos que mais dificultam a denúncia às autoridades.

Gisele deu a cara para mostrar que a vergonha só pode estar do lado dos agressores e foi recebida em apoteose por vários anónimos que a quiseram homenagear, no fim do julgamento.

No meio daquela multidão estavam mulheres e homens, juntos. Este é o momento de esperança: homens e mulheres juntos contra a malvadez e a cumplicidade silenciosa. E só juntos é que, enquanto sociedade, podemos deixar gravado que sexo sem consentimento é violação. Sexo com uma pessoa que está inanimada é violação.

Vice-presidente da Iniciativa Liberal, deputada municipal em Lisboa