O livro Políticas de Habitação Acessível no Norte de Portugal e na Europa mostra que há soluções viáveis e que Portugal pode aprender com experiências bem-sucedidas no estrangeiro. Mas, para isso, é preciso vontade política e uma mudança de paradigma. O mercado imobiliário, tal como está estruturado hoje, beneficia apenas uma minoria e exclui uma grande parte da população do direito à habitação digna.
Se queremos um futuro onde a habitação não seja um privilégio, mas sim um direito efetivo, precisamos de ação. Precisamos de políticas públicas robustas, de um maior envolvimento dos municípios e de um compromisso real para reverter esta crise. Como sociedade, temos de decidir: queremos continuar a tratar a habitação como um bem de luxo, acessível apenas a quem pode pagar preços exorbitantes, ou queremos garantir que todos tenham um teto digno para viver? Há um futuro que depende disso.
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A crise da habitação tornou-se um dos desafios sociais e económicos mais prementes da atualidade, tanto em Portugal como no restante da Europa. A incapacidade de a oferta acompanhar a crescente procura, o aumento exponencial dos preços e a escassez de políticas eficazes agravaram um problema que já vinha sendo sentido há décadas. O livro Políticas de Habitação Acessível no Norte de Portugal e na Europa[1], que tive o gosto de lançar recentemente, surge como uma reflexão aprofundada e fundamentada sobre esta realidade, analisando tanto o contexto nacional como as soluções adotadas por diversas cidades europeias.
O que fica claro neste estudo é que a habitação deixou de ser um bem acessível a todos para se tornar um privilégio. A questão que se impõe é: estamos dispostos a aceitar esta realidade ou vamos adotar políticas que garantam que o direito à habitação seja efetivamente cumprido?
Um problema global, uma realidade nacional
A crise habitacional não é exclusiva de Portugal, mas a situação do país tem características muito particulares. Uma das causas prende-se com o forte abrandamento do ritmo de construção de novos fogos que, nos últimos anos, reduziu drasticamente. Se no início dos anos 2000 se construíam cerca de 68 mil habitações por ano, hoje esse número está muito abaixo das necessidades reais. Além disso, o setor da construção sofre com a indisponibilidade de mão-de-obra, agravando ainda mais a capacidade de resposta.
Outro fator preocupante é o elevado número de imóveis desocupados. Portugal ocupa o segundo lugar na Europa neste indicador, logo atrás da Grécia. Num cenário em que milhares de famílias lutam para encontrar habitação acessível, a existência de tantos imóveis vazios demonstra a falha estrutural do mercado.
O custo da habitação tem aumentado de forma generalizada, especialmente nas grandes cidades. Nos 50 maiores concelhos do país, viver sozinho num apartamento arrendado tornou-se praticamente impossível para a maioria dos jovens. Portugal é o segundo país da União Europeia onde os jovens mais tardam a sair da casa dos pais. Este fenómeno não se deve apenas a fatores culturais, mas sim à falta de condições económicas que lhes permitam viver de forma independente.
O que podemos aprender com a Europa?
O estudo analisa diferentes abordagens adotadas em seis cidades europeias – Amesterdão, Barcelona, Berlim, Helsínquia, Paris e Viena – que desenvolveram modelos inovadores para lidar com a crise habitacional. Cada uma dessas cidades implementou soluções que podem servir de inspiração para Portugal:
- Amesterdão aposta em parcerias público-privadas e num forte setor de habitação social, garantindo que uma grande parte da população tem acesso a rendas acessíveis.
- Barcelona criou um observatório metropolitano para monitorizar o parque habitacional e combater a especulação imobiliária, além de desenvolver programas para a recuperação de imóveis devolutos.
- Berlim tem investido fortemente em cooperativas de habitação, garantindo que comunidades inteiras possam ter acesso a alojamento sem depender das flutuações do mercado.
- Helsínquia desenvolveu um modelo inovador de "direito à ocupação", que permite às famílias viverem com segurança sem precisarem de comprar um imóvel.
- Paris aposta na transformação de escritórios desativados em habitação e na promoção de modelos de co-habitação, reduzindo a pressão sobre o mercado.
- Viena talvez seja o caso mais bem-sucedido: mais de metade dos fogos da cidade fazem parte de programas de habitação acessível, mostrando que o investimento público pode ser sustentável a longo prazo.
O que todas essas cidades têm em comum é a visão estratégica de que a habitação não pode ser deixada unicamente ao mercado, nem ser assumida exclusivamente pelos poderes públicos. O Estado, os municípios e a sociedade civil devem desempenhar um papel ativo para garantir que todos tenham um teto digno para viver.
E Portugal? Há soluções?
No contexto português, o estudo analisa cinco cidades do Norte do país – Porto, Braga, Bragança, Viana do Castelo e Vila Real – e demonstram que há iniciativas interessantes, mas ainda falta uma estratégia integrada a nível nacional.
Uma das principais falhas identificadas é a excessiva burocracia e centralização das decisões. Os processos de licenciamento são lentos, desincentivando investimentos e travando projetos de habitação acessível. Além disso, os municípios muitas vezes não têm os recursos necessários para implementar programas habitacionais eficazes.
Os autores defendem uma aposta mais forte no cooperativismo habitacional, um modelo que já foi bem-sucedido em Portugal no passado, mas que perdeu força nas últimas décadas. Em vez de subsídios diretos à aquisição de casa própria, que acabam por inflacionar o mercado, deveria haver um maior investimento em programas de arrendamento acessível, como acontece em Viena e Berlim.
A reabilitação de edifícios devolutos é outra solução evidente. Ao invés de apostar exclusivamente em nova construção, muitas cidades europeias têm investido na recuperação de imóveis antigos e na sua conversão em habitação acessível. O Porto e Lisboa já têm programas nesse sentido, mas ainda de forma insuficiente face à dimensão do problema.
[1] “Políticas de Habitação Acessível no Norte de Portugal e na Europa”, da autoria de Álvaro Santos e Miguel Branco-Teixeira, editado pela Vida Económica (2025)