A política portuguesa está mesmo prenhe de necrófagos, aqueles animais que se alimentam de cadáveres, como os abutres, as hienas ou as larvas de mosca. Afinal, ainda estava morno o corpo do Papa e já começavam a rondar.

Primeiro veio o urubu principal. Marcelo Rebelo de Sousa decidiu fazer uma comunicação aos portugueses em horário nobre. Seria mais que expectável que o chefe do Estado Português apresentasse  uma mensagem de condolências  pela morte de outro chefe de Estado, ainda mais sendo o líder religioso da igreja católica, seguida por milhões de portugueses. Só que, ao falar às 20h00 no horário nobre, perseguindo os holofotes das televisões como uma traça atrás da luz, exibiu aproveitamento político de uma morte. Podia e devia ter falado sem ser em discurso directo para o prime-time, honrando o lugar que ocupa. Só que não.

Da mesma forma, vários outros dirigentes políticos quiseram dar também a sua dentada. Comecemos por aqueles que rejeitam liminarmente a igreja católica apostólica romana. Nunca se viu tanto agnóstico e tanto ateu a carpir um Papa! Mariana Mortágua recordou as palavras de Jorge Mario Bergoglio sobre Gaza e acerca das migrações, Rui Tavares sublinhou o seu trabalho humanitário, considerando que o mundo perdeu um líder que deixa um legado relevante pela defesa da paz e dos direitos humanos. Nem o partido comunista escapou a esta exploração da imagem de Francisco, dizendo Paulo Raimundo  que o Papa  foi "homem de coragem" que "pôs o dedo na ferida". De repente, pintaram o argentino tipo híbrido de princesa Diana cruzado com Nelson Mandela.

Montenegro considerou-o "uma fonte de inspiração espiritual e humana" e Pedro Nuno Santos recordou o  "defensor da paz" e a “sua preocupação os mais frágeis". Rui Rocha falou dos muitos que inspirou. Mais cliché junto nem numa novela da tarde. Mal por mal, se é para explorar a morte do sumo pontífice, mais valia disparar logo à jugular e fazer como André Ventura que não perde uma oportunidade para exibir quão católico é ou para aparecer em genuflexão. Ou entrar na onda do branding-marketing-business de Moedas que quer mudar o nome do parque Tejo para parque  papa Francisco. Beautiful.

De fora das ditas luzinhas encandeantes ficaram todos aqueles que, católicos ou não, mas com elevada consciência e pensamento independente , têm observações pertinentes sobre este pontificado. Claro que, no consenso unanimista que hoje impera na comunicação social, pouco ou nada passa desses livres pensadores. Os que conseguem  problematizar a doutrina deste chefe do Vaticano e ir além da hagiografia escrita com os restos mortais, os que destoam da mesmice e da modorra em que se transformou o panorama público, não têm espaço. E o tanto que haveria a considerar, entre a corrupção financeira do Vaticano até à Pedofilia, passando pela doutrina heterodoxa.

Ah, mas não seria agora o momento, logo após a sua morte, diriam alguns. Pois, talvez. Pena é que, logo após a sua morte, haja  este  cortejo de demagogia e fancaria sem qualquer reclusão ou reflexão. Apesar de tudo, talvez Francisco não merecesse tão pouco.

Ativista Política 

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