África é o continente mais dilacerado e pobre do planeta. Os problemas que o afetam são de tal monta e as perspetivas tão negras que bem se pode dizer que melhor se assemelha a uma mole imensa moribunda.
Praticamente desconhecido na Antiguidade, onde só a sua orla mediterrânica e parte da costa oriental eram conhecidas, esta situação não se alterou com o Império Romano, nem com a expansão árabe já que o deserto e a incipiente navegação marítima o não permitiam.
A maioria das terras africanas ficou, assim impedida de entrar na História mantendo os seus habitantes a Sul do Saara, num estádio de desenvolvimento pós paleolítico. Foi nestas circunstâncias que os portugueses de quatrocentos o foram encontrar e descobrir para o mundo. Na nossa peugada vieram outros europeus na mira de usufruírem das riquezas que as Descobertas e comércio portugueses tinham colocado no mercado.
A nossa atenção, que de início se concentrou nas praças do Norte de África, na descoberta do “Reino do Preste João das Índias” e na exploração do Golfo da Guiné, sobretudo após o estabelecimento da Fortaleza da Mina, em 1482, voltou-se para a fixação no Oriente, logo que o problema do Cabo da Boa Esperança ficou resolvido. A costa africana passou a ser usada sobretudo no apoio às Armadas e o esforço de colonização quase se resumia à evangelização cujo expoente se deu no reino do Congo, ao tempo do preclaro Rei D. João II. Perdido quase todo o Oriente voltámo-nos para o Brasil, passando as possessões em África, já reduzidas pelo saque inglês, francês e holandês, a ser também interpostos importantes no tráfico de escravos. As praças do Norte de África foram sucessivamente abandonadas, pela dificuldade em as manter, tendo a última, Mazagão, sido evacuada ao tempo do Marquês de Pombal (em 1769).
O esforço de colonização e evangelização continuava, mas era dificultado pela falta de meios humanos e pelo clima e doenças, que causavam muitas mortes entre os europeus. Portugal, verdadeiramente só acordou para África após a independência do Brasil e com o impulso saído da diretiva do Marquês de Sá de Bandeira, sobre a escravatura, datada de 1836. O século XIX foi, aliás, o século da grande expansão dos europeus em África, numa tentativa de ocupação do maior número de terras possível tendo em vista aumentar os seus domínios e poder real, não poucas vezes com o intuito de resolver conflitos regionais e europeus.
Toda esta ação de expansão a fim de se constituírem verdadeiros impérios coloniais tinha a cobri-la um aparente princípio filantrópico que era o de levar a civilização aos “negros selvagens”. Este desiderato ficou conhecido pelo “fardo do homem branco”, que ficou consagrado na Conferência de Berlim de 1884/5. O século XIX conheceu também um desenvolvimento e curiosidade científica, que a exploração da África só veio aguçar.
A expansão portuguesa em África não procurou, durante muito tempo, estabelecer fronteiras artificiais adaptando-se a sua penetração às zonas de influência das diferentes etnias. Porém a concorrência das diferentes potências europeias e a guerra que não raras vezes instigaram os autóctones a fazerem contra nós e o desrespeito pelos direitos portugueses obrigou, naturalmente, a que determinados limites fossem traçados. E para que os mesmos fossem respeitados não bastavam só os tratados; era necessário estabelecer uma administração e dispor de forças militares. Toda esta corrida a África culminou na célebre Conferência de Berlim, de 1884/5, onde se recortou todo o continente a régua e esquadro. A competição, todavia, estender-se-ia até ao fim da Segunda Guerra Mundial tendo-se passado ainda pelo regime dos “mandatos” e “duplos mandatos” que vigoraram sob os auspícios da desacreditada e infeliz “Sociedade das Nações”.
A matriz da colonização das potências europeias era bastante diversa, da portuguesa. Assentava, sobretudo, numa visão mercantilista, baseada na exploração das terras e das gentes em favor do homem branco; a ação missionária era muito mais imposta do que a portuguesa, que se insinuava, era tolerante e se adaptava às realidades locais; a própria organização social integrava, no caso português, e era segregacionista nos restantes. O exemplo desta última, terminou apenas em meados dos anos 90, na República da África do Sul, mas vai deixar marcas para muito tempo.
O atraso civilizacional em que os povos indígenas se encontravam e o grau de evolução social que pairava ao nível da tribo, não lhes permitiria resistir ao poderio europeu nem permitia nenhuma hipótese de terem qualquer influência no seu destino.
Quando a escravatura acabou, permaneceram cidadãos de terceira quando lha davam. Os povos do Norte de África, islamizados, possuíam um grau civilizacional de nível semelhante aos europeus se excluirmos a Revolução Industrial, mas foram esmagados pela força das armas.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a que muito apropriadamente também já se chamou de Segunda Guerra Civil Europeia, as principais nações do continente, nomeadamente as que possuíam colónias, saíram debilitadas. As derrotas dos europeus, face aos japoneses no Oriente, quebraram o mito da invencibilidade do homem branco. Alguns autóctones formados em universidades do Ocidente e algumas correntes ideológicas, de que se destaca a não-violência, propalada por Ghandi, vieram a constituir forte impulso para uma cada vez maior autonomia dos povos indígenas face aos poderes coloniais. Finalmente, as duas potências emergentes da Segunda Guerra Mundial e que rapidamente se promoveram a superpotências passaram de imediato a favorecer as independências. Os EUA, por razões capitalistas, por preconceitos de serem ex-colónia e por ingenuamente pensarem que assim subtrairiam mais facilmente os diferentes povos à ideologia marxista; os soviéticos, por via do ideal comunista, que virou imperialista. A ambos, porém convinha o enfraquecimento das potências europeias. Como pano de fundo estabeleceu-se a lógica da confrontação Leste-Oeste e a consequente atualização das doutrinas geopolíticas e geoestratégicas.
Em 1955, deu-se a Conferência de Bandung onde pontificaram Nehru, Nasser e Tito. Nasce o movimento dos não alinhados, institucionaliza-se os “ventos da história”, estabelece-se o termo “Terceiro Mundo” para designar os países miseráveis que procuravam o desenvolvimento e a libertação das “grilhetas colonialistas” e pega-se fogo a África. O Oriente, esse, já tinha quase todo caído.
Os resultados foram catastróficos, terrorismo e guerrilha afastaram um a um os países europeus do seu domínio político de África. De um modo geral, a violência e o racismo negro puseram em fuga a maior parte dos colonos brancos provocando o caos na administração e na economia. O continente negro mergulhou na guerra civil, na ditadura e na pobreza. E no neocolonialismo também. As potências europeias, a América, a URSS e a China caíram em cima dos novos países recém-independentes e trataram de os despojar das riquezas e de os manipular o melhor que puderam. Portugal, que nada contribuiu para este vendaval e que apenas pretendia permanecer nas quatro partes do mundo como era seu direito (e dever), desenvolvendo pacificamente os seus territórios e praticando a boa vizinhança, viu-se envolvido no meio da tormenta. E como resistiu tenazmente e sem qualquer paralelo noutra potência contemporânea viu encarniçar-se contra si um conjunto de ódios, como talvez nunca em toda a sua já longa História se tinha assistido.
A vontade da retaguarda claudicou, por erro de alguns, traição de outros e anemia da maioria e assim tudo o que era território luso de além-mar passou a entrar no rol do terceiro mundo. Isto é, da miséria e da iniquidade. O mundo, hipocritamente, aplaudia e a nação portuguesa comprometeu o seu futuro. Infelizmente, ainda não deu conta completa disso.
Com estes tristes desenvolvimentos pôs-se fim a uma experiência de convivência harmoniosa única no mundo e que bem poderia constituir exemplo para a Humanidade.
Sobem desde há muito e constantemente de tom, as vozes piedosas e pseudo piedosas, condoendo-se com o que se passa em África, com a guerra, com a fome, com as doenças, etc. Promovem-se constantemente ajudas humanitárias, intervenções militares; ações de paz da ONU, etc. Nada feito, as coisas pioram. Os massacres ocorridos no Ruanda, ou a guerra civil no Sudão, são um bom exemplo para nosso horror.
Perante todo este desastre assiste-se a algum mea culpa de Estados ou Organizações que tantas responsabilidades têm no desenrolar dos eventos? Não! Culpam-se os colonizadores e os colonialistas; dão-se conselhos económicos e políticos. Perante as lutas fratricidas, estabelecem-se meios efetivos de as controlar? Evidentemente que não, vendem-se armas. Perante as fomes e as doenças, educa-se o povo, permite-se o levantamento de um aparelho produtivo adequado? Não, permitem-se quando não se incentivam, oligarquias corruptas e tenta-se o monopólio. Procuram-se ideias sérias e adequadas à realidade apontam-se as causas dos problemas ou cuida-se de salvar o meio ambiente ou as culturas milenárias? Não, abusa-se da demagogia; iludem-se as questões e explora-se desenfreadamente. Desde alguns anos promove-se a emigração desenfreada…
Perante este quadro, que se preconiza nas altas instâncias do poder e nos “fora” internacionais e nas academias de cultura? Pois, aponta-se a Democracia como modelo de salvação absoluta e fala-se muito de ecologia. De quando em vez lá vão mandando umas sacas de farinha. Parece que faz bem à consciência.
Efetivamente em África não há nenhum local que se possa dizer estável. Antes pelo contrário, a tendência é para que tudo se desmorone e regrida. Senão vejamos: em termos físicos, a África esgota-se. O deserto avança: a floresta diminui de ano para ano; o mesmo se aplica à flora e à fauna; a plataforma continental é depredada dos recursos piscícolas; os recursos minerais, cuja riqueza é imensa, são explorados desenfreadamente até porque constituem por vezes a única fonte de recursos; as fomes são cíclicas e a agricultura é, na maior parte dos países, neolítica. A demografia é catastrófica; os cuidados de saúde são inimagináveis para um europeu; as doenças aumentam, mesmo aquelas que tinham sido erradicadas ou estavam sob controlo, diz-se que foi em África que nasceu a sida e outras…; a aplicação da justiça é impossível de definir e as deficiências do ensino tendem a manter o statu quo. Enfim, em termos sociais temos estados mais fracos e desacreditados (muitos falhados), mas não temos nações e a constante instabilidade, que tantas vezes assume a forma de conflito violento, desagrega a família e os laços tribais, referências quase únicas que orientavam a vida em sociedade.
África, pelo caminho que as coisas estão a levar, pode transformar-se num desastre ecológico sem precedentes, agravado pelo facto de se vir a tornar num verdadeiro cemitério de lixo tóxico, exportado pelos países desenvolvidos. Numa palavra, a civilização regride em toda a linha.
A situação descrita não apresenta traços tão gravosos nos países islamizados no Norte de África que, no entanto, possuem problemas específicos diferentes e igualmente graves, como sejam a demografia galopante, o ressurgimento do fundamentalismo islâmico e a crise económica o que está a criar tensões sociais gravíssimas. Isto para já não falar nas ligações ao terrorismo internacional.
O Sul de África, onde pontificavam os territórios portugueses de Angola e Moçambique e ainda a Rodésia e a República da África do Sul (RAS) fugiram a esta desgraça pelo desenvolvimento social e económico que gozavam, sem paralelo, em qualquer outro país africano. A evolução dita, politicamente correta, que entretanto se deu, destruiu tudo isto e é bastante problemático que a situação algo desafogada que ainda se encontra a RAS não degenere rapidamente.
Em termos políticos mundiais, a África vale quase zero. A organização da Unidade Africana (OUA), hoje “União Africana” (UA) uma espécie de mini-ONU, para o Continente, é um “fórum” perfeitamente desacreditado e inoperante. Apenas os países islâmicos têm alguma influência no chamado mundo árabe, caracterizado pelas suas divisões e falta de unidade.
Toda a situação descrita tem, no entanto, uma enorme importância para os europeus, nomeadamente para os países da sua parte ocidental e mediterrânica. É que a África é o continente, geopoliticamente falando, complementar da Europa. Os europeus têm enormes interesses em África em termos históricos, em termos económicos e estratégicos. Os recursos naturais de África são vitais para os países europeus, bem como a liberdade das linhas de comunicação marítimas e aéreas que a circundam ou cruzam.
O problema de emigração em massa de africanos para a Europa agravou-se exponencialmente com prejuízo para todas as partes. Uma África em paz e no caminho do desenvolvimento (o que jamais acontecerá enquanto se verificarem os atuais níveis de corrupção) seria também um ótimo palco para as trocas comerciais e o investimento europeu.
Existe pois, imperiosa necessidade de se travar esta verdadeira hecatombe porque passa a África e que impõe sacrifícios inenarráveis a dezenas de milhões de seres humanos. Ora propor para a cura de tantas maleitas a implantação da democracia é estar completamente fora da realidade. E seria risível se não fosse trágico.
Vamos tentar equacionar alguns aspetos que nos parecem avisados para se tentar sair desta “débacle”. Não se deve ter pressa em querer resolver os problemas. É preferível ter um plano consolidado que tenha pernas para andar, do que andar constantemente a lançar ações inconsequentes. É preciso ensinar a pescar e não lançar peixe sobre a multidão. Nenhum país pode, por si próprio, resolver nenhum problema. Haveria, então, que conjugar esforços, por exemplo, a nível da União Europeia para se atuar em conjunto. Os países europeus com experiência e conhecimento em determinados países estariam mais ligados, naturalmente, a esses países. Como a realidade africana é diferente e os graus de proximidade, para intervenção idem, teria que se dividir o continente em regiões o mais homogéneas possível de modo a facilitar e viabilizar qualquer ajuda. Esta deve ser retribuída e fiscalizada.
Um problema crítico e originador de muitas tensões é a gestão das fronteiras traçadas nos tempos áureos dos impérios coloniais. Ora acontece que estas fronteiras regularam interesses dos países europeus, mas não tiveram em conta as áreas de habitat natural das diferentes tribos. Esta situação herdada, não é famosa mas a eventual alteração dessas fronteiras nos dias de hoje, iria provocar reacções incontroláveis. Qualquer ajustamento a fazer-se teria que ser através de negociações entre as partes interessadas sob a égide de uma organização internacional credível.
Outro aspeto que à partida parece ser imprescindível é o de não se tentar impor um modelo importado de regime político ou organização social. Estas coisas não se impõem. Os europeus levaram séculos de evolução social para chegarem ao que são hoje. Não se pode pretender que gente que vive, na maioria dos casos, na “Idade Média” passe a viver de repente no fim do século XX. Em História não se podem dar saltos destes.
A organização social deve pois ser adaptada ao estádio de desenvolvimento e à cultura das pessoas em que se vai aplicar. O ensino elementar e técnico deverá ter a prioridade e deve ser ministrado em moldes que se adaptem e sirvam as comunidades onde se desenvolvem. O ensino das elites, que mais tarde virão a governar os respetivos países, devem ser formadas na matriz que lhes serviu de berço e não em moldes importados ou estranhos que os tornem estrangeiros e os desliguem do resto da população e esta deles.
Os governos terão necessariamente de ser fortes para poderem exercer a autoridade (o negro só obedece a quem tem força e o árabe também tem um comportamento semelhante). O problema é não se tornarem corruptos. Aliás, um dos problemas que mais se colocam à ajuda humanitária ou financeira é garantir a sua justa distribuição (coloca-se também o problema da segurança de quem vai distribuir ou prestar essa ajuda). Nenhuma ação deste tipo deverá ser iniciada sem o mínimo de garantia de seriedade. Aliás, se assim não for, as populações dos países que fornecem essa ajuda serão as primeiras a pô-la em causa.
África não precisa só de pão, precisa também de espírito. Donde se torna necessário relançar a missionação e evangelização do Continente. Tal desiderato fez parte, certamente, do apoio do então Papa João Paulo II, à Missão! O estabelecimento da autoridade e da segurança (que não sejam de ditaduras odiosas) aparecem assim como os primeiros desideratos a conseguirem-se. É que sem eles não há justiça e bem-estar que resistam.
O desenvolvimento de cada país deverá começar pelo sector primário e pela construção de infraestruturas básicas que permitam o pequeno comércio e a circulação de pessoas e mercadorias. Quaisquer projetos de grande dimensão devem ser evitados, pois não se adequam ao estado de desenvolvimento dos povos em causa. Qualquer projeto deste tipo só tem hipóteses de ser mantido por pessoal e capital estrangeiro, o que poderá à partida subtrair qualquer controlo ao país onde está instalado.
De há anos a esta parte a maioria do Continente Africano encontra-se debaixo da ação colonialista (não colonizadora) da Rússia e, sobretudo, da China, o que até já levou recentemente o patético Presidente Biden (dos EUA), a visitar Luanda.[1]
Para tudo isto poder resultar ter-se-ia ainda que pôr em execução um qualquer acordo de controlo ou redução de armamentos.
Portugal tem o máximo interesse em voltar-se para África, pelo seu passado, pela sua cultura, pela ajuda que pode fornecer ao continente, nomeadamente aos países de expressão portuguesa, por ser importante para a sua economia, por poder ser um ideal motivador para os portugueses e… para ganhar espaço de manobra na União Europeia.
É por isso que devemos ter uma estratégia clara para África (que não existe desde os idos de 80), sustentada pelos necessários meios financeiros e humanos. É por isso que é urgente que a CPLP – que melhor se chamaria “Comunidade Lusíada” – deixe de ser uma espécie de nascituro que não sai da incubadora. Esta ação deveria constituir um objetivo nacional, que a luta político-partidária deveria salvaguardar (como, se mantém o país numa “guerra civil” permanente?).
Portugal ainda tem uma missão em África, e no mundo, para continuar. Mas não parece nada que o vá fazer.
Oficial Piloto Aviador (Ref.)
[1] Foram os EUA, durante a Administração Kennedy, a ajudarem no desencadear do terrorismo na então Província Portuguesa de Angola…