O 47.º presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, começou este seu segundo mandato cheio de ambição, energia e pressa para revolucionar o seu país, como disse no seu discurso de tomada de posse em que proclamou: “começa a era de ouro americana” em que a América se “tornará grande de novo”.
Analiso aqui o que me pareceu de mais lógico para os Estados Unidos, e também para o mundo, dos primeiros discursos do 47.º presidente americano, e das ordens executivas que assinou logo nos primeiros dias de mandato. Mas também o ilógico.
Comecemos pelo lógico, dada a concentração exagerada de atenções no pior das políticas de Trump. Algumas coisas, quando olhadas com atenção, têm a sua lógica, como a ambição científica e tecnológica, seja com a Inteligência Artificial seja com a conquista do planeta vermelho, uma ambição inspirada e apoiada por líderes das grandes empresas tecnológicas, de Sam Altman da OpenAI a Elon Musk.
O LÓGICO
Controlar a imigração ilegal
Declarar uma emergência nacional por causa da entrada de imigrantes ilegais na fronteira sul pode parecer um exagero, mas é a única forma de garantir fundos militares para acelerar a construção do muro, apoiar as operações para impedir travessias ilegais e garantir tropas para fortalecer a fronteira sul. Mesmo num país de imigrantes como os Estados Unidos, em que eles são essenciais para a economia, ter mais de 11 milhões e meio de imigrantes ilegais, ameaça a segurança, a coesão interna, a capacidade das infraestruturas e serviços públicos, e os salários dos americanos e dos imigrantes legais, que se deram ao trabalho de fazer tudo corretamente. A estes últimos Trump reconhece a sua importância, embora queira dificultar a obtenção de cidadania dos seus filhos que já nascem nos EUA. Em relação aos ilegais, Trump quer começar a deportá-los em massa, começando por aqueles que fizeram crimes violentos, uma medida que reúne o apoio da maioria dos americanos. Nos primeiros dias da administração Trump já foram detidos centenas de imigrantes ilegais.
Prometer por o Homem em Marte e usar a IA para acelerar a ciência
Esta primeira promessa extremamente ambiciosa de Donald Trump é símbolo da grande ambição científica e tecnológica deste Partido Republicano e movimento MAGA, que tem na sua nostalgia de um passado glorioso americano a nostalgia da máquina científica americana que foi capaz de em 1969 colocar os primeiros seres humanos na Lua e ganhar a corrida espacial contra a União Soviética. Após o fim do programa lunar Apollo em 1972, mais ninguém voltou a pisar ou orbitar a Lua. Numa nova fase de competição geoestratégica, desta vez com a China, faz sentido garantir a superioridade no espaço. Aqui Trump é bastante influenciado pelo sonho de Elon Musk, dono da empresa de astronáutica Space X, de voltar à Lua, chegar a Marte, e um dia expandir a humanidade pelas estrelas. Trump vai precisar de gastar bastante dinheiro para cumprir a promessa de chegar a Marte, talvez a mais ambiciosa que fez. Mesmo no seu ponto mais perto, Marte está 145 vezes mais longe da Terra do que a Lua. Se Trump “reconquistar” a Lua, e de seguida conquistar Marte, porá não só a América numa nova fase grandiosa do seu Destino Manifesto, como estará a levar a ciência, tecnologia e a Humanidade para novas alturas e novas grandezas. E ao trazer grandes investimentos em Inteligência Artificial para os EUA, está também a acelerar o desenvolvimento científico.
Acabar com o Wokismo no governo federal e promover a meritocracia “daltónica”
Repetir só existirem dois géneros, masculino e feminino, voltando a equivaler a palavra género a sexo biológico, nem devia ser preciso fazer num discurso presidencial, mas a tendência para uma maior construção social do termo género, cada vez mais proeminente e flexível na sua definição, estava a ir longe de mais. No seu primeiro dia a administração Trump clarificou logo o que entende pelas palavras género e sexo, passando a obrigar nos documentos oficiais o uso da segunda, mais clara, e facilmente definível cientificamente. Claro que isto não impende qualquer um de se identificar como quiser em privado e em público, mas ajuda pelo menos a travar os excessos woke, como permitir homens biológicos nos desportos femininos, e a falta de clareza e de ordem na nossa sociedade contemporânea. O wokismo, ou excesso de progressismo cultural, o que quer que o queiramos chamar, também está a ser combatidos através do fim dos programas de Diversidade, Equidade e Inclusão no governo federal, e o desincentivo ao continuar destas políticas em empresas privadas. Por o foco no essencial, e garantir que homens, cisgéneros, brancos, heterossexuais, não vão ser discriminados para compensar os pecados dos seus antepassados é importante para tornar realidade o sonho de Martin Luther King Jr. duma sociedade em que as pessoas são julgadas pelo seu caráter e não pela sua cor, que Trump mencionou no discurso inaugural, que calhou no próprio dia que comemora o legado do ativista dos direitos humanos. E ao acabar com estes programas, também poupa dinheiro ao Estado, o que vai de encontro a próxima medida lógica
Rever a despesa federal e promover a eficiência dos gastos
Ao estabelecer o Departamento da Eficiência Governamental, liderado por Elon Musk, Trump mostra o valor que dá a modernização administrativa, e ao cortar e otimizar de gastos num aparelho de estado que custa mais de 6.5 biliões de dólares. Claro que a esmagadora maioria destes são gastos impossíveis de cortar sem sacrifícios significativos nas pensões, sistema de saúde, educação e defesa. Mas se Trump promete cortar impostos, lançar os EUA em grandes projetos espaciais, e controlar a crescente dívida já nos 123% do PIB, é bom que tente ver onde pode cortar e otimizar gastos.
Regressar à arquitetura tradicional
Pode parecer pouco importante, e até ir contra os objetivos de eficiência governamental, mas a estética e a arquitetura dos edifícios federais são algo profundamente importantes para a produtividade, o prestígio e o bem-estar… e para Trump. Em particular a defesa da arquitetura clássica, baseada na arquitetura da Grécia e Roma Antigas, e que é a inspiração para o neoclassicismo belíssimo da Casa Branca e do Capitólio, entre outros edifícios federais. Infelizmente, ironicamente muitas vezes por questões orçamentais, demasiados edifícios do governo americano têm sido feitos nos estilos brutalistas ou modernistas, com pouco caráter, e sobretudo, pouca beleza e magnificência. O brutalismo foi destacado em particular para que seja evitado. Uma arquitetura bonita torna um local mais agradável para trabalhar, torna as cidades mais bonitas, agrada às pessoas em geral e inspira-as a serem melhores.
O ILÓGICO
Retirar-se do Acordo de Paris e do combate às alterações climáticas
Ao declarar uma emergência nacional da energia, promover a exploração de combustíveis fósseis sem grandes limites, e impedir a expansão de plataformas eólicas offshore, a nova administração Trump está, pelo menos, a desacelerar fortemente a velocidade de redução de emissões de gases com efeito de estufa nos Estados Unidos e a dar um péssimo exemplo ao mundo. Mundo este que já está a sofrer os efeitos dum aumento da temperatura média global em relação aos níveis pré-industriais de mais de 1,5º C. 1,5º C era o limite máximo desejado pelo Acordo Climático de Paris, assinado em 2015, mas já está a ser ultrapassado. Agora, com um menor esforço, e ainda pior, sem liderança norte-americana, deverá ficar ainda mais difícil de cumprir. Talvez a China e outros países poluidores aumentem os seus esforços para compensar, mas isso também quer dizer que os Estados Unidos arriscam ficar para trás no desenvolvimento das novas tecnologias verdes. As indústrias do petróleo e do gás natural americanas não estavam mal, não havia necessidade disto para além de satisfazer um populismo que ambiciona reduzir o preço da energia no curto-prazo e prejudicar alguns países ricos em combustíveis fósseis, como a Rússia.
Abandonar a OMS e desvalorizar os aliados e o multilateralismo
O abandono de compromissos internacionais estende-se ao abandono de organismos internacionais tão importantes como a Organização Mundial da Saúde, que é, sem dúvida, dispendiosas para os americanos e bastante influenciada pela República Popular da China, mas que tem um papel importante na luta contra epidemias, pandemias, e problemas de saúde pública mundiais. Ao retirarem-se da organização, os EUA também limitam a sua capacidade de influenciar a organização e a sua política, que tenderá, tal como da última retirada americana sob Trump em 2020, a ser cada vez mais financiada e dominada pela China.
Não são apenas as organizações internacionais que são desvalorizadas por Trump, as alianças tradicionais dos americanos, como a NATO parecem ter pouco valor para o novo presidente americano, que nem sequer as mencionou no seu discurso de tomada de posse. Pelo menos, tem ameaçado a Rússia com sanções caso esta recuse um acordo de paz com a Ucrânia, o que mostra que Trump não vai facilitar a vida ao líder russo Vladimir Putin.
Perdoar mais de 1500 insurreccionistas da invasão ao Capitólio
Talvez a medida simbolicamente mais ofensiva de todos, representante do que é talvez o maior pecado de Trump, o seu desprezo pela vontade do povo quando este não está com ele, como não esteve em 2020, quando Joe Biden ganhou tanto o voto popular como o colégio eleitoral. Quaisquer críticas legítimas que Trump tenha contra as mudanças nos sistemas de votação devido à pandemia, aos média mainstream americanos, às redes sociais e os serviços de informação por quererem abafar certas notícias como as reveladas pelo portátil de Hunter Biden não justificam o incitamento e a fraca condenação que fez aos invasores do Capitólio. Muitos foram presos por este atentado à democracia americana, e perdoar aqueles que não fizeram atos violentos dá uma péssima lição aos extremistas da América, e mina o exemplo forte da democracia americana no palco mundial.
Exagerar nas medidas, tornando algumas delas inconstitucionais
Até as medidas que parecem fazer sentido de Trump arriscam-se a ir longe demais. Ao querer acabar com o jus soli, o direito de cidadania a quem nasça em solo americano, Trump está a ir contra a constituição americana. Ao querer acabar a tudo custo com o wokismo e a diversidade forçada, arrisca-se a causar sérios problemas aos americanos transgénero e a intrometer-se excessivamente nos assuntos de entidades privadas.
No que toca à aposta na Inteligência Artificial, incluindo o revogar de várias regulações da administração Biden, também faz correr a América e ao mundo o risco dum desenvolvimento das capacidades desta tecnologia mais rápido do que a nossa capacidade nos adaptarmos e de a controlarmos, aumentando os riscos de desordem e catástrofes, que no limite, como muitos especialistas da área já receiam, podem-se tornar existenciais nos anos 2030. A espécie humana terminar ou sofrer grandemente por causa duma falta de vigilância estatal sobre as grandes empresas de IA seria sem dúvida o mais ilógico e pior dos feitos desta segunda presidência Trump. E por último, para vigiar bem estas grandes empresas, o Estado precisa de meios, sobretudo para os cenários remotos, mas potencialmente catastróficos como pandemias, ou robôs assassinos, o que recomenda cautela nos esforços de maximizar a eficiência do aparelho de estado.
CONCLUSÃO
Concluo assim a minha análise deste arrancar da segunda administração Trump, que começou a todo o vapor, e com toda uma determinação e competências que prometem mudar muito mais a América – e o mundo – do que a primeira. Estejamos muito atentos a ela, para ver como nos devemos adaptar, e sobretudo, o que devemos imitar ou não.
Mestre em Estudos Internacionais no ISCTE e licenciado em História pela Nova FCSH