Depois da exceção de 1986, em que as eleições presidenciais tiveram de ser resolvidas numa segunda volta entre Mário Soares e Freitas do Amaral, o tom de normalidade foi sempre dado pelo predomínio de um dos partidos principais, PS ou PSD. Ou o PS tinha candidatos presidenciais irresistíveis, vencedores logo à primeira volta (Mário Soares na segunda eleição, Jorge Sampaio nas suas duas vitórias), ou o PSD encarregava-se de apoiar um dos seus grandes protagonistas, Cavaco Silva, para obter dois mandatos entre 2006 e 2016. Entretanto, nos últimos dois anos, o país sofreu o que outros países europeus já sofreram há mais tempo: a fragmentação do sistema partidário. Começou primeiro pela esquerda, com o aparecimento do BE a devorar eleitorado ao PS e mais tarde o Livre e o PAN. Depois chegou a vez da direita.

Os líderes do PSD e do CDS tinham sido sempre capazes, de um modo mais ou menos consciente, de travar ou absorver ou tornar insignificantes todos os movimentos que apareciam na esfera da direita portuguesa. Mas a saída de Passos Coelho da liderança do PSD e a chegada de Rui Rio com uma evidentemente absurda estratégia política não só abriu a porta, como pediu para que entrassem todo o tipo de novos movimentos partidários com a veleidade de substituírem o PSD (e o CDS) na representação política de amplos setores da sociedade portuguesa. A liderança de Rui Rio foi, de facto, um desastre inqualificável e perfeitamente evitável. Mas não há como aceitar que um descrédito generalizado fosse assombrando os partidos do amaldiçoado Bloco Central. Esse descrédito generalizou-se com as contradições fatais que a Geringonça impôs ao PCP e BE, cuja fatura pesadíssima já lhes chegou. Merecida, diga-se, já que o seu ódio à direita venceu os valores dos dois partidos. Enterro mais merecido, de facto, não há. Depois, a maioria absoluta de António Costa avisou o país pela última vez que os governantes podiam arrastar a sua incompetência e venalidade no mais absoluto desprezo pela população contando com manobras de comunicação e adormecimento dos media para se salvar. Não se salvaram, apesar de Costa ter ido tratar da sua vida para Bruxelas.

As presidenciais chegarão no momento em que o ceticismo da população portuguesa face aos dois grandes partidos tradicionais provavelmente vai atingir o seu ponto máximo. E as sondagens que temos até agora, colocando invariavelmente Gouveia e Melo à frente, embora muito longe dos 50% mais um voto necessários para vencer à primeira, dão a indicação de que a condenação dos dois grandes partidos ficará finalmente expressa nestas eleições também.

Os prováveis candidatos da área socialista — primeiro, Centeno, depois Vitorino, acompanhado por Seguro — são figuras sem qualquer reconhecimento apropriado à chefia do Estado junto da generalidade dos portugueses. Centeno desistiu porque os patrocinadores da sua candidatura lhe impuseram tal decisão assim que Vitorino mostrou que desejava ser candidato. Seguro é mal-amado junto da família socialista porque os ex-socráticos e atuais costistas se encarregaram de destruí-lo. O inefável Santos Silva compareceu imediatamente à operação de busca e destruição assim que Seguro saiu da toca. E Seguro também não pode contar com apoios fora dessa área. Já a candidatura de Vitorino ameaça ser causa de uma mini guerra civil com a acusação terrível de Ana Gomes ao ex-comissário europeu e coordenador do programa político de José Sócrates. Segundo ela, Vitorino é sobretudo um lobista, um homem que dedicou a vida a traficar influências e a usar contactos políticos para aumentar o seu património. Injusta ou não, a acusação serve perfeitamente de guião aos restantes candidatos e encontram uma atmosfera geral no país ajustada a uma condenação imediata. Mesmo antes do dedo acusatório de Ana Gomes se ter levantado nos ecrãs de televisão, já as sondagens acusavam registos muito baixos de popularidade a António Vitorino.

Do outro lado, a vida do PSD pode ser mais pacífica, mas nem por isso mais bem-sucedida eleitoralmente. É possível que nos cálculos pessoais de Montenegro não seja coisa que o incomode por aí além não ter Marques Mendes eleito em Belém. Mas as sondagens são desprestigiantes não só para o candidato como também para o partido que o apoiará. A imagem de fraqueza universalmente apontada a Marques Mendes ficará como subtexto de uma acusação que poderá ser feita mais tarde a Montenegro. Sobretudo à luz da sondagem do Expresso que dava conta da probabilidade mais elevada de termos uma segunda volta explosiva para os partidos tradicionais: Gouveia e Melo vs. Ventura.

Este cenário é suficiente para lançar uma tempestade política sobre o país. Porém, longe dos holofotes, a amargura dever-se-á menos à repugnância que qualquer um dos candidatos possa inspirar às boas consciências e mais à sentença terrível que uma tal segunda volta produziria sobre os partidos tradicionais. Afinal de contas, as razões para o voto em Gouveia e Melo e em Ventura são as mesmas: lidar com os partidos tradicionais com o martelo.