À medida que a inteligência artificial (IA) se instala no nosso dia-a-dia, é cada vez mais difícil ignorar o papel paradoxal que esta desempenha na crise climática. Por um lado, promete soluções para otimizar o uso de energia nas cidades; por outro, a infraestrutura energética de suporte à IA, pode vir, em termos de emissões, a rivalizar com algumas das maiores indústrias do mundo.
Então, como conciliar o enorme potencial da IA para combater as mudanças climáticas com a sua considerável e crescente pegada ambiental?
Os números ajudam-nos sempre a interpretar e a compreender a realidade, por isso, olhemos para eles. Em 2022, os data centers, a IA e a mineração de criptomoedas consumiram, aproximadamente, 2% da eletricidade global, de acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE). Este valor é comparável ao consumo de toda a indústria da aviação. Com os inúmeros investimentos em curso, as projeções apontam para que esse número possa duplicar até 2026, atingindo um nível de consumo equivalente ao de um país como o Japão. E isto é apenas o começo.
Tomemos como exemplo o desenvolvimento de grandes modelos de IA, como o famoso Chat GPT, da OpenAI. Estima-se que o treino da versão GPT-3 tenha emitido 500 toneladas de CO₂, o equivalente às emissões de cerca de 200 carros a combustão durante um ano inteiro. Para a versão GPT-4, as emissões foram cerca de 20 vezes superiores (atente-se ao exponencial aumento de uma versão para a outra), impacto comparável ao de 4.000 carros. E o treino é apenas a ponta do icebergue, porque cada interação por parte de um universo de utilizadores que cresce diariamente e que recorre a estes modelos para a criação de textos e de imagens aumenta o custo energético.
Ao mesmo tempo, parece-me precipitado descartar a IA por ser uma vilã ambiental, até porque ela tem permitido aumentar a eficiência em vários setores de atividade. Na agricultura, por exemplo, modelos de IA conseguem otimizar o uso de água e de fertilizantes, reduzindo o consumo de recursos. No setor das energias, a IA já permite que os operadores de rede prevejam a procura de energia, maximizando o uso de fontes solares e eólicas e minimizando o desperdício. No setor dos transportes, a capacidade de otimizar rotas e de gerir a logística está a ajudar as empresas a reduzir o consumo de combustível. É inegável que estes avanços podem ser transformadores, não só no combate às alterações climáticas, ajudando-nos a prevenir danos, a reforçar a resiliência e a adaptação, mas também transformando a nossa abordagem à medicina, prevenindo doenças e promovendo tratamentos mais eficazes e personalizados.
Mas há questões éticas que se colocam no uso da IA. Devemos mobilizar vastos recursos computacionais para tarefas simples (como escrever um email ou uma mensagem de parabéns), quando cada uma destas atividades tem uma pegada de emissões significativa? Uma única consulta ao chat GPT-4 consome dez vezes mais energia do que uma pesquisa no Google - e esta diferença só tende a aumentar com os modelos mais recentes. Gerar uma imagem por IA pode ter o mesmo impacto que conduzir um carro por dezenas de quilómetros. Num mundo com biliões de utilizadores esta conta não é irrelevante.
Existe também um crescente fosso entre aqueles que criam e beneficiam da IA e aqueles que sofrem as consequências das mudanças climáticas. A maioria das pesquisas e infraestruturas de IA estão concentradas nos países mais ricos, principalmente no hemisfério Norte. No entanto, os impactos climáticos são sentidos de forma mais acentuada nas comunidades do hemisfério Sul que, muitas vezes, não possuem infraestrutura tecnológica para beneficiar da IA. Questão pertinente: como garantir que os seus benefícios sejam distribuídos de forma justa?
Indústria tecnológica e legisladores têm aqui uma oportunidade de alinhar o desenvolvimento da IA com a sustentabilidade ambiental. Empresas como a Microsoft já estão a investir na criação de centros de dados mais verdes, mas, por outro lado, vemos o Elon Musk a ser elogiado por ter construído um data center em 19 dias, obviamente só possível com desprezo pela sustentabilidade – o que nos deve preocupar ainda mais, face aos últimos resultados eleitorais nos EUA. Isto significa que o esforço coletivo tem de ser maior. A indústria necessita de mais transparência na divulgação das emissões provenientes do treino e da utilização da IA e os consumidores merecem saber o custo ambiental do uso dessas tecnologias.
O impacto ambiental é inegável, tal como o potencial da IA para promover mudanças positivas na sociedade e no bem-estar das populações. Devemos, por isso, vê-la como ferramenta que exige uma utilização responsável. E assumir essa responsabilidade implica atender às consequências das nossas escolhas e tomar decisões informadas na hora de usar a inteligência artificial.
As empresas que lideram o desenvolvimento da IA têm uma responsabilidade acrescida na transição para um futuro mais sustentável. À medida que expandem as suas tecnologias devem procurar soluções energéticas mais eficientes para alimentar os seus centros de dados, aumentar a transparência na divulgação de emissões e reduzir o consumo de recursos.
Num mundo que enfrenta desafios climáticos urgentes devemos perguntar-nos se cada aplicação da IA justifica a pegada ambiental. E só quando encontrarmos um equilíbrio entre inovação e responsabilidade poderemos vencer o paradoxo da IA e assegurar que esta é uma força positiva na luta contra as mudanças climáticas.
Nota: Este texto foi escrito por um humano e não por IA.
Consultor da Inside Building e Sócio da plataforma de serviços domésticos YourHero