Por vezes ainda se vê, nas portas de prédios mais antigos, um postigo como este. Aqui não há vidros nem lentes que ampliam as imagens, tudo está na forma mais simples: uma pequena abertura retangular, coberta do lado de dentro por uma portinhola que, quando se abre, permite ver o exterior através de umas ranhuras grossas, arremedo de barreira para proteger quem olha.
Os postigos são o paraíso dos voyeurs, nem sei como é que Alfred Hitchcock não os usou em nenhum filme, eles são as janelas indiscretas sobre a vida dos outros.
Imagino, nos prédios antigos, ainda sem elevador, alguns inquilinos mais curiosos espreitando quem subia e descia pela escada, percebendo as rotinas, os encontros casuais, os amores e os arrufos, em suma, coscuvilhando. Nada passava despercebido aos espreitadores, desde as entregas da mercearia aos cobradores de contas diversas, passando pelas visitas ou os namoros de vão de escada. Com estes postigos não havia segredos que resistissem: a escadaria era o cenário aberto de um filme onde tudo se podia descobrir.
Hoje não precisamos de postigos destes para fazer descobertas — que o digam os políticos amigos de malas alheias, os nomeados que criam expedientes para tornear obrigações de exclusividade, os governantes que criam empresas mesmo estando em funções, autarcas que traficam influências e se envolvem em corrupção ou os chefes de gabinete com cofres cheios de imprevistos. Como nas últimas semanas se tem visto, não faltam postigos por onde espreitar e fazer descobertas extraordinárias.
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