A transformação do Natal numa celebração consumista, como é hoje, começou no século XIX. Especialmente em Inglaterra e nos Estados Unidos, o Natal começou a tornar-se uma celebração mais focada na família e menos na religião.

Charles Dickens, entre outros escritores, enfatizou em A Christmas Carol temas de generosidade, família e caridade. Foi nessa época que os comerciantes perceberam o potencial económico da data e surgiram com a ideia dos presentes sazonais.

Com a ascensão de uma nova era da publicidade no início do século XX, as empresas começaram a trabalhar produtos específicos só para o Natal. O trabalho de marketing em torno do Natal como o conhecemos hoje surgiu em 1930, com o icónico Pai Natal da Coca-Cola. Na verdade, a Coca-Cola recorre ao Pai Natal para a publicidade desde 1920, embora o que foi eternizado até aos dias de hoje tenha sido criado em 1930, quando se dá a grande viragem para o Natal do consumismo. No Pós 2ª Guerra Mundial, com aumento do poder de compra dos europeus e a massificação da televisão, o apelo a um Natal consumista intensificou-se ainda mais nos países ocidentais.

No final do século XX, a globalização trouxe novos contornos à realidade pós-moderna e o Natal, através do espírito consumista, passou a ser celebrado nos países não cristãos. Na Coreia do Sul, por exemplo, todas as famílias celebram o Natal mesmo sem serem cristãs. Por outro lado, na China, a atmosfera do Natal é sentida nas exuberantes decorações em grandes shoppings. Já na Turquia, um país maioritariamente muçulmano, respira-se o Natal em zonas turísticas, com enfeites e pinheiros de Natal. Muitos turcos acham que é uma forma de comemorar o Ano Novo e não associam toda a decoração ao significado do Natal ocidental. Nos Emirados Árabes Unidos, na Tailândia e em tantos outros países onde a presença dos expatriados é grande, o Natal também foi adotado pelo comércio como uma época festiva.

Chegados aqui, é pertinente perguntar se hoje continua a haver Natal, ou se ao longo do tempo foram criadas novas formas de o celebrar sem haver qualquer associação à tradição religiosa? Quantas crianças, nos dias de hoje, terão a consciência de que o Natal é a celebração do nascimento do Menino Jesus?

O setor corporativo em Portugal, assim como nos países ocidentais cristãos, teve de se adaptar à existência de vários natais. As empresas começaram a ter colaboradores, clientes e parceiros de várias origens que festejam o Natal, porque o comércio e a economia viram nesta festividade uma grande oportunidade para os negócios e o marketing e a publicidade criaram “o pacote Natal” como um sonho que serve várias geografias e culturas, mas longe das raízes católicas originais.

Curioso olhar para esta evolução através das mensagens que as empresas escrevem nos seus chamados cartões de Natal. Há cerca de 50 anos, na maioria dos cartões de Natal – senão mesmo em todos eles – podia ler-se “Um Santo Natal e um Feliz Ano Novo”. Hoje, os cartões passaram a ter uma simples mensagem de “Festas Felizes” ou “Boas-Festas”. A adaptação à globalização tem sempre esta tendência de retirar a identidade à cultura.

A minha geração é aquela que passou do Pirolito para a Coca-Cola, do analógico para o digital, da expressão “vou ao estrangeiro” para “vou à cidade X”, do orgulho de ir à Missa do Galo, para a correria em shoppings por presentes de última hora. Acredito que muitas pessoas desta geração, apesar de estarem habituadas à mudança – e de saberem aproveitar o bom que ela tem –, quando chegam a esta época já não sabem, em consciência, qual é realmente o Natal que celebram todos os anos.

A ideia de Natal continuará a evoluir para ir ao encontro das necessidades, valores e expectativas das sociedades contemporâneas. Acredito que estamos a entrar numa nova mudança de paradigma com a valorização da sustentabilidade ambiental.

O consumismo ainda domina completamente, mas nos últimos anos a ideia de que “menos é mais” começou a ganhar força e as pessoas tornaram-se mais sensíveis à necessidade da conservar os recursos naturais através da diminuição do consumo. Com isto, aos poucos, acredito, vamos voltar a pensar sobre o significado de muita coisa e o retorno ao significado original do Natal, seja religioso ou o Natal de Charles Dickens, vai acontecer.

Até lá, sempre que quisermos falar do verdadeiro significado do Natal, teremos de juntar à famosa frase “O Natal é quando o Homem quiser” a frase “O Natal é o que qualquer Homem quiser”.

Fundadora e CEO da Shift