
Há cinco anos, vivíamos tempos de angústia e perda, numa Páscoa de recolhimento forçado pela pandemia covid-19 e marcada, simbolicamente, pela presença do Papa Francisco numa praça de São Pedro vazia de pessoas, mas cheia de esperança.
As terríveis notícias de tanta morte e tamanho sofrimento, nesses primeiros meses de pandemia, parecem hoje longínquas perante a “fúria de viver” registada nos anos seguintes, seja pela “necessidade” humana de bem-estar (por exemplo, viajar mais) seja pela “vingança do consumo”. Seguir em frente significa deixar de ter memória sobre o passado recente para construirmos um futuro melhor?
Hoje, ninguém quer recordar esses dias negros, mas houve uma mensagem positiva da Época Pascal de 2020: a importância da “esperança e reinvenção”, das sociedades em geral e de cada um de nós. Esse foi, aliás, o título de uma obra de reflexão sobre lições aprendidas e cenários do país, da Europa e do mundo pós-covid — um livro que tive o gosto de coordenar, com os contributos de outros 18 autores (Guerra e Paz, 2020). Éramos 19 contra a covid-19 e contra a falta de esperança que por esses dias vivíamos. Mas, através do pensamento e da escrita (produzida durante a noite, após horas de trabalho interminável), partilhávamos dúvidas e sonhos de milhões de portugueses.
Tal como vários académicos, empresários, gestores ou dirigentes de organizações escreviam e pensavam mundo fora, todos acreditávamos que os povos (e suas lideranças) ficariam diferentes para melhor, com o cenário de maior equilíbrio trabalho/família, com a “moda forçada” do trabalho remoto (ou híbrido); alteração na estrutura urbana com menor necessidade de espaços de escritórios e menos trânsito nos centros das cidades; ou uma maior aposta na saúde pública, solidariedade social, educação e segurança.
Acreditámos quase todos que haveria menos conflitos militares, mas a invasão russa na Ucrânia (há três anos) ou os brutais ataques do Hamas (e longa retaliação israelita) em Gaza demonstraram que o desejo de paz e concórdia, perante a foice da pandemia, rapidamente se esfumou perante a cruel realidade no Médio Oriente ou na fronteira leste da Europa.
Na Europa, há cinco anos, quase todos apelaram a uma reindustrialização urgente, para reforço da soberania da UE sobre outros blocos económicos, mas tudo demorou ou ficou pelas boas intenções.
Foi preciso esperar pela tempestade atlântica de Donald Trump e pelo crescimento da ameaça russa, em 2025, para a UE perceber a necessidade de se rearmar e de garantir maior autonomia estratégica.
Ou seja, parece que os dirigentes dos países rapidamente esqueceram as mortes de 2,283 milhões na UE devido à pandemia e acreditaram que o pior já teria passado, alimentando um período de paz podre e segurança ilusória nestes últimos cinco anos. Mais recentemente, o relatório Draghi expôs as feridas e as receitas já conhecidas para a resposta de Bruxelas e a (improvável?) dupla Trump/Putin despertou a Europa (onde se inclui o Reino Unido) para ameaças que põem em causa o bem-estar e a segurança do sonho europeu.
Este é o tempo de maior esperança e de reinvenção do projeto europeu, com maior realismo — até porque, com recessão à vista, toca no bolso de todos. Mas após a pandemia ficámos mesmo mais solidários e estruturalmente fortes ou a confiança nascida no período pós-covid estará a esfumar-se perante o cenário de uma longa e imprevisível guerra comercial, sobretudo entre EUA e China, com a Europa a apanhar por tabela?
E, em Portugal, continuamos a acreditar que “está tudo bem” perante a permanente asfixia fiscal sobre quem trabalha e gera riqueza? Continuamos iludidos com promessas políticas nos próximos períodos eleitorais (legislativas e autárquicas), para o curto prazo e para “gosto do freguês”, ou aceitamos que é urgente criar condições para deixar de estigmatizar o sucesso em português e avançar com corajosas reformas estruturais — que terão impacto nas nossas vidas a 20 anos?
Como procurei defender no projeto editorial Portugal Amanhã (em 2023/24, no regresso ao jornalismo após missão cívica em Belém), continuamos adormecidos na ilusão do Estado providencial e de um crescimento não-sustentado ou queremos mesmo assumir e encarnar reinvenção como país — a pensar a duas décadas —, sabendo que, em 2043, estaremos a celebrar os 900 anos do Estado-nação (com fronteiras definidas) mais antigo da Europa?
Jornalista