No coração de uma sociedade verdadeiramente justa e solidária reside o compromisso inquebrantável de proteger, incluir e valorizar todas as crianças. Este dever vai muito além das leis e regulações: é uma exigência ética, social e cultural, que apela à sensibilidade, à empatia e a uma visão que reconheça cada criança na sua irrepetível singularidade. A infância, com toda a sua diversidade — incluindo a neurodiversidade —, desafia-nos a abandonar ideias simplistas e a encará-la como um presente pulsante de potencial transformador.

Reduzir a infância a uma mera preparação para o futuro é negligenciar a sua riqueza. As crianças não são apenas “o futuro”; são o agora. No entanto, demasiadas vezes, especialmente aquelas que enfrentam desafios específicos, são invisíveis aos sistemas que perpetuam desigualdades. Barreiras de comunicação, ambientes insensíveis às suas necessidades e atitudes preconceituosas limitam o seu desenvolvimento e integração plena. Reconhecer esta realidade não é apenas uma questão de justiça social — é uma exigência ética inadiável. Valorizar cada criança significa reformular sistemas, promover uma inclusão genuína e celebrar a diversidade como uma força vital que enriquece as nossas comunidades.

Como psicóloga, investigadora e mãe, vejo na proteção das crianças um ato de justiça profunda, uma responsabilidade que deve ser coletiva. Não podemos reduzir as crianças a números, diagnósticos ou estatísticas. Devemos escutar as suas vozes, reconhecer os seus talentos e assegurar os seus direitos, tal como fazemos com qualquer outro membro da sociedade. Cada criança é um universo, carregado de histórias e possibilidades, que merece ambientes não apenas acolhedores, mas que celebram o seu potencial.

Para muitas crianças em contextos desfavorecidos, o mundo torna-se um espaço de silêncio, onde as suas necessidades são ignoradas e as suas experiências desvalorizadas. Estas crianças não precisam de compaixão superficial, mas de justiça autêntica. Proporcionar-lhes segurança e oportunidades não pode ser uma exceção, tem de ser uma prioridade universal, presente em cada escola, cada comunidade, cada decisão política. Como mãe, conheço bem o delicado equilíbrio entre proteger os meus filhos e prepará-los para enfrentar os desafios do mundo. Este mesmo cuidado transborda para o meu trabalho, onde cada projeto é impulsionado por um profundo sentido de responsabilidade partilhada.

Trabalhar com crianças neurodiversas, especialmente no espetro do autismo, moldou profundamente a minha visão do mundo. Estas crianças ensinaram-me que a neurodiversidade não é uma limitação a ser superada, mas uma riqueza que amplia a nossa compreensão da humanidade. No entanto, também testemunhei como sistemas insensíveis abafam o seu potencial, falhando em adaptar-se às suas singularidades. Não podemos continuar a remendar estruturas inadequadas; é imperativo construir sistemas que celebrem a diversidade, garantindo que cada criança seja vista, ouvida e valorizada.

Este princípio revela-se especialmente no sistema de justiça, um dos contextos mais desafiantes para crianças vulneráveis. Relatar experiências traumáticas num ambiente hostil e insensível pode ser devastador. A ausência de preparação adequada, profissionais sem formação especializada e espaços inadequados agravam o desconforto e comprometem a justiça. No entanto, pequenas alterações — como criar ambientes tranquilos, ajustar técnicas de comunicação e investir na formação dos profissionais — podem transformar a experiência e garantir que estas crianças sejam tratadas com dignidade.

Foi com esta visão que desenvolvi um projeto pioneiro em Portugal, destinado a identificar e superar as barreiras enfrentadas pelas populações neurodiversas no sistema de justiça. Este trabalho procura, mais do que corrigir falhas pontuais, promover mudanças estruturais que assegurem um tratamento justo e respeitoso. Porque proteger uma criança é dar um passo em direção a uma sociedade mais equitativa e inclusiva.

A inclusão, no entanto, começa na educação. Professores bem formados são agentes de mudança, mas precisam de apoio contínuo para compreender e responder às necessidades de crianças neurodiversas e vulneráveis. Uma escola verdadeiramente inclusiva não se limita a acolher a diversidade; ensina valores como empatia, respeito e solidariedade, formando cidadãos conscientes. Mas as crianças não crescem isoladas — prosperam em redes de apoio que envolvem famílias, comunidades e políticas públicas eficazes. É imperativo que os Governos se comprometam com investimentos significativos e criem programas que respondam às realidades das crianças e das suas famílias.

A forma como protegemos as crianças reflete o tipo de sociedade que desejamos construir. Este compromisso não pode ser apenas simbólico; exige ações concretas, sustentadas pelo conhecimento científico e pela empatia. Ao longo da minha carreira, aprendi que as mudanças mais significativas começam com pequenos passos, mas requerem colaboração e visão partilhada. Cada criança lembra-nos que o verdadeiro poder de uma sociedade está na forma como cuida dos seus mais vulneráveis.

As crianças são as sementes de um futuro mais inclusivo e humano, mas dependem das escolhas que fazemos hoje. Proteger todas as crianças não é fácil; exige enfrentar preconceitos, resistências e a apatia institucional. Porém, vale cada esforço. É um ato de coragem e de humanidade, que afirma o valor inestimável de cada vida. Este é o propósito que guia o meu trabalho: transformar conhecimento em ações, garantindo que todas as crianças, sem exceção, tenham a oportunidade de prosperar. Proteger as crianças é, afinal, proteger o melhor de nós mesmos.

Professora do ISPA – Instituto Universitário