"Quem não pode fazer grande coisa, faça ao menos o que estiver na medida de suas forças.
Certamente não ficará sem recompensa."
Santo António

Portugal é um país sui generis a vários títulos e, neste caso, no bom sentido. Desta feita, porque o Santo mais popular no nosso país (que apesar de ter uma das populações mais católicas do mundo e de, ao longo dos séculos, ser “exportador” de Cristandade, tem menos de 20 santos...), incluindo todos os outros gerados pelo mundo em 2.000 anos de História, assentou praça nas fileiras do Exercito Português.

Não estamos a falar de a sua figura ter sido adotada como Padroeiro de uma Unidade, Arma, Serviço ou Ramo, exemplo de que existem inúmeros casos em Portugal e no estrangeiro, mas de ter sido alistado para prestar serviço militar, começando como praça e indo sendo promovido ao longo dos séculos – sim, porque isto tem séculos – e não só alistado e promovido, vencia também pré ou vencimento, o qual revertia a favor da unidade ou para o seu culto.

Sem haver certezas de tudo o que se passou, temos de remontar ao tempo da Restauração (melhor dizendo, “Aclamação”) – época em que se teve de deitar mão de tudo para criar um espírito de coesão, de mística e de luta, que permitisse sobreviver e resistir ao “complexo” político, diplomático, económico, social e militar de uma Espanha ferida, mas ainda muito poderosa – para registarmos o primeiro alistamento. Tal operou-se no reinado de D. Afonso VI (15/11/1656-12/09/1683) no “Terço” da Câmara de Lisboa, nas vésperas da memorável Batalha de Montes Claros (1665).[1]

Santo António, nascido Fernando de Bulhões, em Lisboa, c. 1195, falecido em Pádua, em 13 de junho de 1231 (daí o feriado em Lisboa, ser neste dia), e canonizado logo a 30 de maio do ano seguinte (um curto espaço de tempo), pelo Papa Gregório IX (pontificado, 19/3/1127 – 22/8/1241) já era presença em muitas batalhas por devoção de muitas terras e até se ouvia nos campos de luta o brado encorajador “Por Santo António”.[2]

E a devoção militar ao Santo e, até, como “protetor” do Reino, começa a evidenciar-se no período Filipino, o que é assaz justificável. Daí ser natural que a sua incorporação como combatente numa unidade militar não seja de todo incompreensível e despicienda.

O nosso Santo – hoje também casamenteiro – foi sendo sucessivamente incorporado e promovido em várias unidades militares (a lista não é nem pretende ser exaustiva). Logo em 24 de maio de 1668, o Rei D. Pedro II ordenou o recrutamento de Santo António como soldado voluntário no Regimento de Infantaria de Lagos, foi promovido a capitão (em 1683) e chegou a Tenente-coronel ao tempo da Rainha D. Maria I. Este regimento foi incorporado no Regimento de Infantaria de Cascais, em 1810, vila para onde transitaram as tradições vindas de Lagos.

Em 1679, o nosso requisitado Santo foi nomeado Capitão de Artilharia, em Goa. Por todo o século XVIII, Santo António ascende a diferentes postos, em várias localidades da Metrópole. Em 1749, é promovido a Alferes, em Santo António de Muxima, Angola, após vários anos como soldado. Durante as invasões napoleónicas, Santo António foi erigido a Padroeiro do Exército e a sua imagem acompanhava as tropas portuguesas tendo-se atribuído maior relevo à sua “ação” na Batalha do Buçaco, em 1810.

Como já ficou percetível, a figura de Santo António, como militar, não se reservou à parte europeia de Portugal. A Corte Portuguesa, retirada estrategicamente no Brasil, ao saber dos “feitos” de S. António, levou D. João VI a promovê-lo a Sargento-Mor de Infantaria da Baía, em 13 de setembro de 1810, e promoveu-o a Tenente-coronel do Exército Português, por Carta Patente de 22 de outubro de 1816.

A imagem de Santo António passou a acompanhar as tropas lusas que perseguiram as “águias francesas”, expulsas de Portugal, até Toulouse, em 1814, data da sua rendição.

Em São Paulo (Brasil), Santo António já tinha recebido a patente de Coronel, em 1799 e recebeu salário de Capitão no município de Ouro Negro, o que apenas terminou em 1904. Só em 1924, por despacho do Presidente do Brasil, Artur Bernardes, ao Ministro da Guerra, é que o Santo da devoção de tantos passou à reserva do Exército brasileiro.[3]

Em Timor chegou a Coronel, havendo na povoação de Manatuto, de que o Santo é padroeiro, uma imagem dedicada ao “Coronel Santo António”. Em 1999, data em que se pode dar por extinto o que se chegou a designar por “Império Português”, o Leal Senado de Macau, pagou o soldo a Santo António, pela última vez.[4]

Santo António era sábio (proclamado doutor da Igreja, pelo Papa Pio XII, em 1946, com o titulo de “Doutor Evangélico) ao afirmar: “É viva a palavra quando são obras que falam...”

É destas coisas onde se mistura a razão e a Fé que se geram as tradições, se forja a coesão nacional e se dá substância à espiritualidade da Pátria. Algo que a sociedade e a vida dita moderna, positivista, ateia, de moral relativa, parca de ética, egoísta e cheia de “ismos”, não entende, desvirtua e escarnece.

Em Honra de Santo António, “Apresentar Armas!”[5]

Oficial Piloto Aviador (Ref.)

[1] É possível que o seu alistamento seja logo no ano de 1623, em Portugal e Macau.

[2] Fernando Martim de Bulhões e Taveira Azevedo. Note-se que o Santo Padroeiro de Lisboa é S. Vicente (mártir que viveu em terras que viriam a ser de Espanha, entre os séculos III e IV; é festejado em Lisboa desde 22 de Janeiro de 1173), não é Santo António.

[3] Rezava assim o despacho: “O Coronel António de Pádua vai quase em três séculos de serviço. Nomeie-o General e ponha-o na reserva”.

[4] Ano da entrega (o que nada justificava ou exigia), de Macau à soberania da República Popular da China.

[5] O notável livro “Santo António e o Exército - Tradições, História e Arquitectura Militares”, da autoria de Augusto Moutinho Borges e Pedro Teotónio Pereira, editado pela “By the Book, Edições Especiais” e pelo Exército, constitui possivelmente, o melhor acervo documental sobre este tema.