Poder escolher onde viver, que carreira seguir, que hobbies explorar e se para todos nós essa é uma liberdade garantida, porque é que quando se trata da pessoa com deficiência motora esta liberdade se vive como um presente que se oferece? Como um valor que a sociedade concede? É urgente desmistificar a forma como se espelha a palavra autonomia, é imperativo ser lar e acolher, mas, mais ainda, é dar ferramentas para voar e para crescer.

Falar da pessoa com deficiência motora, precisa de ser cada vez mais sinónimo de falar não “daquela pessoa que precisa de ajuda”, mas “daquela pessoa que tem algo com que contribuir”. Compreender que dentro das suas especificidades, cada indivíduo é único e capaz de desempenhar um papel altamente diferenciador, é abrir portas à independência num mundo que insiste em empurrar constantemente a diferença para o lado, ao invés de a acolher e integrar. Quando uma pessoa com deficiência se sente autónoma, participa na sociedade de forma ativa, completa e sem se sentir diferente ou especial.

A diversidade de perspetivas e abordagens que nascem desta experiência só nos torna a todos mais ricos e permite-nos desmistificar ideias que ao longo dos tempos se enraizaram e que hoje nos moldam enquanto sociedade: a pessoa com deficiência motora pode  desempenhar uma tarefa no seio de uma empresa; a pessoa com deficiência motora pode  viver o amor na sua plenitude e construir relações saudáveis; a pessoa com deficiência motora pode. E é desse poder que se constrói a sua autonomia.

Na Boa Vontade Residência Adaptada trabalhamos há 60 anos em prol de uma vida mais acessível, mais inclusiva e mais independente para a pessoa com deficiência motora. Porque acreditamos que mais do que ser lar, instituições devem ser trampolins para o futuro, onde com a ajuda das  terapias certas e  de uma agenda de atividades e programas de capacitação, dentro das suas particularidades, todos possam explorar o mundo lá fora. Mais do que lugares que condensam a diferença, devemos ser lugares que exploram as suas potencialidades, que estimulam os sentidos e capacidades de quem é diferente e lhes dá ferramentas para uma vida que se pressupõe autónoma.

Seja através da música, da dança, da pintura, das artes plásticas, do exercício, das experiências no exterior, é preciso criar estruturas que ajudem estas pessoas a expressar-se, a construir laços, a fortalecer a sua integração social e emocional.

A música como um meio de expressão poderoso, capaz de estimular emoções e transmitir sentimentos tantas vezes difíceis de expressar verbalmente; a dança, que ao focar-se no uso do corpo de acordo com as capacidades individuais promove o movimento, a coordenação motora e o bem-estar; a pintura, que oferece um meio tangível de autoexpressão e de desenvolvimento da criatividade; as modalidades desportivas  que podem ser totalmente adaptadas e melhorar as competências motoras como resistência e força muscular que desempenham um papel fundamental na capacidade de realizar tarefas com mais independência ou as experiências no exterior  cujos benefícios vão desde o alívio do stress, da tensão ou até a uma nova perspetiva de liberdade e conexão com a natureza; tudo isto tem um poder transformador, promotor da saúde mental, que abre portas à autonomia emocional, social e física, permitindo que estas pessoas se conectem com os outros e com o mundo que as rodeia de uma forma integrada e sã.

Mais do que ser um lar, todos devemos ser espaços de oportunidades de superação, permitindo que cada pessoa desenvolva a sua autonomia, criatividade e autoestima, rompendo barreiras impostas pelas limitações físicas e criando verdadeiras estruturas onde a vida independente é possível.

Nestas que serão as primeiras Jornadas da Boa Vontade, a realizar-se entre 15 e 17 de outubro, é precisamente isso que estará em debate. A forma como especialistas, terapeutas, psicólogos, cuidadores, promotores de atividades específicas e muitos outros podem ser uma verdadeira teia essencial para a promoção de uma vida mais independente, acessível e inclusiva. Ao debater temas como o burnout do cuidador, o amor sem barreiras, a gestão da perda, a empregabilidade inclusiva, estamos a abrir portas à conversa sobre a inclusão e liberdade da pessoa com deficiência motora.

Na expectativa de que não apenas hoje, mas daqui para a frente, sejamos cada vez mais um lar, que mais do que acolher, tem a capacidade de reunir ferramentas, unir esforços e criar contextos de oportunidade. Contextos que ao final do dia, permitam não só ser lar mas também assegurar que todos podem voar.