Ena, ena! Tanta e tanta gente a chorar o anunciado fim da Globalização, a reboque das tarifas de Trump. Até parece que esse modelo de desenvolvimento foi assim tão generoso e benéfico. As elites europeias e os comentadores de cartilha estão apopléticos e preveem uma grande recessão nos EUA e/ou um processo inflacionário destrutivo. Outros declaram apenas que Trump é louco, como se com essa adjetivação fácil produzissem a mais fina análise geopolítica. Só que essa globalização que defendem com unhas e dentes foi ótima para a hegemonia americana após o colapso da URSS, magnífica para a China e para os tubarões brancos da finança internacional, mas arrasadora das finanças públicas, das médias/pequenas empresas e das famílias que vivem agora bem pior do que no final do século passado. Aliás, a Globalização é, ao contrário do Universalismo, misantropa. Deseja e constrói hordas de gente sem memória, sem história, sem raízes, sem ligações, chusmas amorfas e homogéneas, facilmente amestráveis.

Nunca na história da humanidade como nestas décadas de Globalização existiu tanta instabilidade, tantas crises económicas, cambiais, bancárias. A Globalização foi, sobretudo, um processo financeiro causando grande perturbação nas economias nacionais. Houve uma privatização sem precedentes de empresas e serviços públicos, a brutal desregulamentação laboral e ambiental. A deslocalização de setores produtivos e até intelectuais para o exterior foi hemorrágica. Os efeitos desta globalização estão à vista de todos: estagnação salarial e empobrecimento, pouca indústria e demasiada financeirização, endividamento prego a fundo, impossibilitando o cumprimento das  funções sociais básicas pelos governos.

Note-se que a desglobalização no atual mundo multipolar era apenas inevitável. Não foi uma escolha do presidente dos EUA mas sim uma consequência da reorganização do poder mundial. Há um Resto do Mundo que assume cada vez mais a defesa dos seus interesses, não tem medo dos EUA e não se submete ao ocidente, até porque atingiu altos níveis de desenvolvimento tecnológico, digitalização, automação e Inteligência Artificial. Se muitos países com economias débeis foram duramente castigados pelas instituições supranacionais, como o FMI e o Banco Mundial, houve países com capacidade política e tecnológica que aproveitaram, como a China, que tirou 800 milhões da pobreza. Claro que os EUA não podiam prosseguir com uma economia que se desindustrializa para que as suas empresas façam lucros noutros países.

O presidente dos EUA pretenderá a reindustrialização (muito assente na inovação tecnológica), diminuir a dependência americana das cadeias globais de valor, o ressuscitar da fronteira económica, o protecionismo e a economia política. Talvez até os mercados voltem a depender do Estado e o capital financeiro regresse aos centros de poder nacional, deixando de estar nas mãos de uma super-casta. Talvez.

A questão central não são os pinguins nem o QI de Trump. A questão é a incerteza, é se estamos a sair de um pesadelo para entrar num terror noturno ou num paraíso. Abandonamos esta Globalização predatória para quê? Que repostas tem a Europa? Mais federalismo e mais centralismo? Mais corrida para o abismo? Que bom que seria ter uma voz que abrisse caminho…

Portugal foi o primeiro a começar uma globalização de expansão da sua civilização. Agora, Portugal poderia o primeiro a sonhar uma alternativa de resgate da soberania.

Ativista Política 

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