O maestro da retórica populista utiliza técnicas capazes de transformar as questões mais quotidianas em espetáculos políticos épicos – e agora questionam-se: refiro-me a Trump ou a Ventura?

O dito maestro assinou recentemente uma ordem executiva destinada a pôr fim à "guerra de pressão da água" que, segundo ele, começou sob Obama e Biden. Ao fazê-lo, trouxe à tona uma narrativa que nos faz questionar se estamos a viver numa comédia de erros ou se somos parte do elenco do The Office.

"Fazer a América gostar de chuveiros novamente" é uma frase que inicialmente parece saída de um episódio de humor, mas revela uma habilidade notável de apelar à frustração coletiva em algo que, na verdade, não afeta a vida de ninguém de forma dramática.

Segundo Trump, as pessoas estavam a afogar-se nas suas banheiras com chuveiros que se assemelhavam mais a uma operação de gotejamento do que a um verdadeiro banho. Quem seria contra ter uma pressão de água superior, certo? E, para ser justa, quem poderia imaginar que o showergate se tornaria um tema quente nas conversas de jantar, ao lado da deturpação do clima e das dívidas nacionais?

O argumento é que a administração anterior "redefiniu" o significado de "chuveiro", o que se assemelha a chamar a definição de "água" de "líquido essencial para a vida". Durante doze anos, os antigos presidentes criaram um labirinto burocrático, culminando numa definição de chuveiro que tinha mais palavras do que muitos romances: 13 mil palavras, para ser exata. Em comparação, o Oxford English Dictionary descreve "chuveiro" numa simples e direta frase. É quase como se Trump estivesse a dizer "Keep it simple, stupid".

Ao assinar a ordem executiva, Trump não só promove um retorno ao "sentido comum dos chuveiros", mas também se posiciona como defensor dos interesses do cidadão contra uma suposta opressão governamental. Nas suas palavras, está a lutar contra uma "agenda radical verde" que afastou o país dos seus "direitos naturais".

Entretanto, não é difícil perceber que as tarifas comerciais adotadas por Trump inserem-se profundamente na sua retórica populista, funcionando como uma estratégia que visa mobilizar a sua base de apoio.

Esta abordagem vai além do mero narcisismo e reflete um pensamento fundamentado, assente em teorias como as de Hirschman que defendia que as guerras comerciais não são apenas instrumentos económicos, mas também formas de exercer poder político, permitindo que uma nação influencie outras através da manipulação das relações comerciais.

Stephen Miran, o atual presidente do Comité de Conselheiros Económicos da Casa Branca e, sem dúvida, residente no hemisfério esquerdo do cérebro de Trump, reinterpreta a questão das tarifas comerciais com um toque de engenho, sugerindo que a aplicação de tarifas pode ser uma forma eficaz de moldar a política internacional. Miran defende que as tarifas não devem ser vistas como prejudiciais para os Estados Unidos, já que a desvalorização das moedas de outros países reequilibra o poder de compra, criando uma vantagem competitiva.

O facto é que, enquanto uns riem e outros choram com piadas sobre chuveiros e debates sobre as tarifas comerciais, as políticas disruptivas de Trump e a retórica populista têm um propósito claro: moldar uma narrativa em torno da superioridade americana e da luta contra a opressão governamental; construir um "povo contra o sistema", utilizando os seus próprios inimigos para reforçar a imagem de que ele é a única solução viável.

A verdadeira arte de comunicar de Trump vai além da superfície das questões que parecem simples; evita a profundidade das discussões enredadas na política moderna para se concentrar em promessas emocionais que facilmente atraem a atenção das massas. A figura do chuveiro, trivial na sua essência, permite que Trump aborde questões maiores sem nunca aprofundar a conversa, abrindo espaço para que, em vez de discutir políticas reais, os cidadãos debatam "o chuveiro ideal".

Esta capacidade de encontrar o ponto de influência das emoções humanas é o verdadeiro núcleo da maioria das estratégias de comunicação e propaganda. Ao manter o foco na luta contra uma elite opressora e ao prometer soluções simples para problemas complexos, Trump consegue galvanizar o apoio popular.

Autores como Edward Bernays, conhecido como o pai da propaganda, sublinham a importância de entender as emoções humanas: "A manipulação consciente e inteligente dos hábitos e opiniões organizados do público é um elemento importante da sociedade democrática." Este pensamento é crucial para entender como a comunicação pode ser utilizada de forma a moldar percepções e influenciar comportamentos de forma eficaz.

É triste, mas a verdade é que a comunicação de Trump, que em nada difere da retórica utilizada pelo nosso Chega, serve como um espelho da nossa época: um alerta sobre os riscos de um discurso que, embora cativante e mobilizador, pode desviar a atenção das questões realmente críticas que exigem um exame mais profundo.

Em vez de nos perdermos nas "guerras de chuveiros" ou em batalhas de tarifas, é fundamental que procuremos uma compreensão mais abrangente das dinâmicas políticas e económicas que nos afetam. A política não deve ser apenas uma batalha de pomposas afirmações e promessas simplistas, mas sim um espaço para o diálogo e a reflexão crítica.

Porque, se não prestarmos atenção, podemos acabar aprisionados numa narrativa que, embora envolvente, nos deixa sem as respostas reais que precisamos para navegar num mundo cada vez mais complexo. Assim, à medida que avançamos, resta a esperança de que uma nova geração de líderes e cidadãos valorize mais a substância do que o espetáculo, enquanto continua a lutar contra a corrupção, a opressão e a banalidade da política moderna.

E se quisermos que as nossas vozes sejam ouvidas, devemos exigir que as conversas se aprofundem, que as promessas sejam cumpridas e que os debates sejam verdadeiramente construtivos. Porque, no fundo, o que precisamos não é apenas de chuveiros que funcionem, mas também de uma democracia que preste contas e que, acima de tudo, funcione para todos nós.