Portugal pode estar prestes a assumir um novo papel no ecossistema financeiro europeu – o de “país beta” para a experimentação financeira.

Um terreno de testes controlado, mas com potencial de impacto real, onde startups e instituições tradicionais podem experimentar, ajustar e escalar soluções disruptivas antes de as levar ao palco internacional. Esta visão não é apenas uma ambição futurista, começa a ganhar contornos concretos, com exemplos e estruturas que colocam Portugal no radar de empreendedores, reguladores e investidores.

Historicamente visto como um mercado pequeno e conservador, Portugal tem, nos últimos anos, vindo a revelar-se como um destino surpreendentemente atrativo para fintechs e iniciativas de inovação financeira. Esta mudança é fruto de uma combinação rara de fatores, estabilidade política e regulatória alinhada com os padrões europeus, custo de vida competitivo, e um ecossistema emergente de talento que encontra no país uma qualidade de vida incomparável. Para além disso, programas como o FinLab, o CMVM Inov, o Visa Innovation Program, o FinAI Lab e a Portugal Fintech têm contribuído para criar um ambiente de colaboração entre os incumbentes do setor financeiro, as startups e os reguladores.

Não é por acaso que projetos-piloto começam a florescer. Iniciativas como o TestBed da SIBS, por exemplo, têm permitido a validação de soluções inovadoras em contextos reais, mas controlados, aproximando o conceito de “laboratório vivo” da realidade portuguesa. Estas experiências demonstram que, quando existe alinhamento entre vontade política, abertura regulatória e capacidade técnica, é possível criar um ecossistema que não apenas testa, mas também acelera a entrada de inovações no mercado.

Contudo, transformar Portugal num verdadeiro testbed requer mais do que bons exemplos. É necessário garantir que os pilotos têm continuidade e que não se esgotam em protótipos sem futuro. Muitas startups relatam dificuldades em escalar as suas soluções após a fase de teste, apontando para barreiras como a duração dos ciclos de venda, a ausência de financiamento à prova de conceito, ou a falta de uma cultura de risco e experimentação sustentada. Neste contexto, o papel dos reguladores torna-se ainda mais crítico. É preciso criar “corredores de inovação” que liguem o teste ao mercado, incentivando a adoção real de soluções que provem o seu valor.

Se olharmos para exemplos como Singapura ou o Reino Unido, é evidente que a regulação pode ser uma aliada da inovação. Nestas geografias, existem estruturas bem definidas de sandboxes regulatórias que permitem a startups testar soluções em ambientes supervisionados, com regras claras e objetivos mensuráveis. Singapura, por exemplo, criou o FinTech Regulatory Sandbox da Monetary Authority of Singapore (MAS), que oferece apoio técnico, mentorias, isenções temporárias de certas licenças, e um processo estruturado para facilitar a transição para o mercado. A sua abordagem inclui até programas de aceleração paralelos, financiados por fundos públicos e privados, que ajudam as startups a atrair investimento e ganhar escala após a fase de teste.

Já o Reino Unido, através da Financial Conduct Authority (FCA), foi pioneiro ao transformar a sandbox não apenas num espaço de validação tecnológica, mas num verdadeiro trampolim de mercado. A FCA desenvolveu um ecossistema de acompanhamento contínuo com acesso facilitado a capital, investidores institucionais e até programas de procurement público para adoção de soluções testadas. Além disso, a FCA publica regularmente relatórios de impacto que promovem as soluções mais bem-sucedidas, criando visibilidade internacional.

Em Portugal, embora iniciativas como o FinLab e o CMVM Inov demonstrem vontade institucional e tenham permitido avanços, o país ainda enfrenta desafios ao nível da previsibilidade regulatória, da articulação entre entidades públicas, e da existência de estruturas que acompanhem os projetos até à sua adoção comercial. Falta uma ponte clara entre os pilotos e a adoção em larga escala, assim como incentivos ao investimento em soluções que passem pelo crivo dos testbeds.

Portugal pode e deve aprender com estas experiências, adaptando modelos de “innovation track” que combinem regulação flexível com rigor técnico e acompanhamento próximo. O desafio está em tornar o processo menos opaco, mais acessível a diferentes perfis de inovadores, e com incentivos reais para que os testes evoluam para adoção em larga escala.

É fundamental reconhecer que nem todos os setores da inovação financeira beneficiam igualmente de testbeds. Alguns segmentos, como a tokenização de ativos, o open finance, ou as aplicações de inteligência artificial na banca, requerem infraestruturas específicas e integrações complexas com sistemas legados. Nestes casos, os desafios vão para além da tecnologia. Estes exigem colaboração entre stakeholders, interoperabilidade de dados e confiança institucional. Aqui, Portugal pode distinguir-se ao especializar-se em verticais estratégicos onde já demonstra competências e interesse institucional, criando hubs especializados em ESG Finance, Web3 para seguros, ou embedded finance para pequenas e médias empresas.

Ao assumir-se como um país onde é possível testar com qualidade e escalar com agilidade, Portugal posiciona-se não apenas como um observador atento da inovação financeira, mas como um protagonista ativo na sua evolução. Para isso, será essencial manter o equilíbrio entre ambição e pragmatismo, entre experimentação e regulação, e entre talento local e colaboração internacional.

O futuro financeiro da Europa pode muito bem passar por Lisboa ou Porto, desde que saibamos transformar o potencial em impacto real, do testbed ao mercado.