I O pilar da economia ao longo da História da Humanidade

As empresas familiares desempenham um papel crucial na economia global. E sempre desempenharam, como refere o Professor William O'Hara: "Antes da multinacional, havia negócios familiares. Antes da Revolução Industrial, havia negócios familiares. Antes do Iluminismo, da Grécia e do império de Roma, havia negócios familiares."  E quando estas empresas sobrevivem séculos criando verdadeiras dinastias são um testemunho da força do espírito empreendedor e de alicerces familiares assentes em tradições e valores sólidos, capazes de serem passados de forma notável de geração em geração.

Existem hoje dezenas de empresas familiares com mais de 500 anos espalhadas pelo mundo e nos mais diversos setores. São em geral pequenas e médias empresas que montaram uma imagem e uma reputação muito acima da sua dimensão ou do seu valor económico. A figura abaixo levanta o pano sobre algumas delas...

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Proponho apresentar neste artigo as dez empresas familiares mais antigas do mundo através dos atributos que levaram ao seu sucesso, dos segredos por trás da sua longevidade e dos principais fatores que estão hoje a sustentar a sua prosperidade. E no final, procurar entender as práticas comuns que conduziram à sua longevidade.

II As dez empresas familiares mais antigas do mundo

1. Kongo Gumi

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A empresa nasce quando o príncipe Shotoku traz para o Japão membros da família coreana Kongo para construir o Templo budista Shitennoji, que ainda está de pé. Ao longo dos séculos, Kongo Gumi participou da construção de muitos edifícios famosos, incluindo o castelo de Osaka do século XVI. Hoje, a família continua a construir e reparar templos religiosos e a gerir contratos para edifícios mais modernos a partir da sua sede em Osaka. O atual presidente é Toshitaka Kongo e o seu filho de 51 anos, Masakazu Kongo, irá em breve assumir-se como seu sucessor.

2. Hoshi Ryokan

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Segundo a lenda, o deus do Monte Hakusan visitou um sacerdote budista, dizendo-lhe para descobrir uma fonte termal subterrânea numa aldeia próxima. A fonte termal foi encontrada e o padre pediu que o seu discípulo, o filho de um lenhador chamado Garyo Saskiri, construísse e administrasse um spa no local, próximo de Komatsu. Desde então a família Hoshi gere o spa e uma estalagem. Ao longo dos séculos, 46 gerações da família mantiveram uma forte reputação de qualidade e serviço ao cliente A atual geração prepara-se para passar à seguinte, apenas uma filha procurando-se a adoção de um marido para a continuidade da dinastia.

3. Château de Goulaine

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Propriedade da família Goulaine, o castelo tem a vitivinicultura como principal negócio, mas abriga uma coleção de borboletas raras e um museu. Foi estabelecido por Jean de Goulaine, capitão da cidade de Nantes e mais tarde Marquês de Goulaine. Pela sua localização no Vale do Loire, o castelo é uma atração turística, acolhe cerimónias e  comercializa o seu vinho.

4. Fundição Fonderia Pontificia Marinelli

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Fundada na pequena cidade central italiana de Agnone, no alto das colinas dos Apeninos, a Pontificia Marinelli é uma das fundições mais antigas do mundo. Ainda utiliza as técnicas originais de cera dos seus fundadores (um "sino falso" de cera é sobreposto ao real) e os seus sinos tocam em Nova Iorque, Pequim, Jerusalém, América do Sul e Coreia, entre outros locais. Pasquale Marinelli é o atual diretor-geral e gere 20 funcionários dos quais cinco da família. A família concentra-se no artesanato de qualidade, mas investe em novas tecnologias, preservando as suas tradições e valores familiares.

5. Barone Ricasoli

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Os barões Ricasoli receberam as suas terras pelo Principado de Florença e hoje a sua propriedade Brolio cobre cerca de 3.600 hectares. Ricasoli é o produtor de vinho mais representativo da região de Chianti Classico. A propriedade inclui quase 240 hectares de vinha e 26 de olival.

6. Barovier & Toso

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A família Barovier produz vidro manual de alto nível na Ilha de Murano, a cerca de dez minutos do centro de Veneza. Em 1936, os Baroviers fundem-se com a família Toso, seus concorrentes. Expostos no Palazzo Barovier & Toso, os seus produtos são ainda considerados no topo da oferta de Vidro Murano.

7. Hotel Pilgrim Haus

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O Hotel e Restaurante Pilgrim Haus é operado pela família Andernach na cidade de Soest, a cerca de 110 milhas ao norte de Frankfurt. Foi estabelecido para servir os peregrinos no Caminho de Santiago e manteve desde então a sua estrutura e serviço.  A sua longevidade assenta na simplicidade, no preço e na localização do Hotel.

8. Richard de Bas

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O moinho de papel não leva um nome de família: Richard e Bas é a distinção geográfica entre os seis edifícios que ocupa. De 1400 a 1850, as peles dos animais foram curtidas e desde então têm sido usadas para fazer pasta de papel. O vale do Dore é conhecido pelos mais 400 moinhos que produziam papel a partir de pele curtida. Fiel a esta tradição, o Moulin Richard de Bas produz papel de alta qualidade que é usado para a restauração de escritos, aquarelas, litografias, etc. A empresa chegou a fornecer  papel para obras de edição limitada de Braque e Picasso.

9. Torrini Firenze

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Jacques Torrini mudou-se para Florença da sua aldeia natal de Scarperia, para forjar armaduras para cavaleiros florentinos no século XIV. Mais tarde, o seu atelier evoluiu para artesanato de ourivesaria, criando joias e outros objetos preciosos. Talvez a posse mais valorizada da família seja o seu secreto e exclusivo processo de fabricação "Oro Nativo" que preserva a sua cor mais natural do ouro. A tradição da família Torrini de produzir joias e obras de arte foi passada de pai para filho, ao longo de mais de 800 anos, e algumas das obras criadas por membros da família estão agora expostas em museus de todo o mundo.

10. Avedis Zildjian Company

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Fundada pelo arménio Avedis Zildjian em Constantinopla em 1623 a Avedis Zildjian Cymbal Company sempre se dedicou ao negócio de trabalhos em bronze e os artigos foram evoluindo ao longo do tempo. Para aceder a um mercado mais alargado, a família Zildjian mudou a sede para os Estados Unidos e tornou-se no maior fabricante de pratos e baquetas musicais  do mundo. A Família Zildjian mantém a propriedade desde a fundação da empresa.

III Os dez segredos de longevidade das empresas familiares mais antigas

Refletindo sobre estes e outros caso de enorme longevidade empresarial, emerge um conjunto de práticas comuns que merecem ser sistematizadas para que uma empresa familiar hoje, esteja em que geração estiver, possa interpretar e incorporar essas práticas da melhor forma, tendo sempre em atenção a sua natureza única.

  1. Adaptabilidade
    As empresas familiares mais antigas demonstram a importância de possuir, geração após geração, uma visão dinâmica do contexto para serem capazes de se adaptar às novas condições de mercado, às exigências dos clientes e aos avanços tecnológicos para preservarem a sua competitividade.
  1. Claro sentido de propósito
    A longevidade não se faz sem um forte sentido de propósito e valores partilhados muito sólidos, além de capacidade de os transmitir de forma eficaz de geração em geração. Ao manter o foco nas suas prioridades estratégicas a longo prazo e nos seus atributos diferenciadores, uma empresa familiar vai ser capaz de preservar o seu património e a sua missão, mesmo em contextos adversos que obrigam a enfrentar novos desafios.
  1. Laços familiares fortes
    Laços e relacionamentos fortes no seio da família e a sua preservação intergeracional são fatores chave para a longevidade de uma empresa familiar. A comunicação aberta, o apoio mútuo e um sentido de responsabilidade partilhado são essenciais para garantir que os membros da família trabalham juntos de forma harmoniosa e  eficaz, resolvendo de forma construtiva os conflitos que possam emergir.
  1. Reputação
    Construir e manter uma reputação positiva de qualidade, confiança e superior atendimento ao cliente é fundamental para qualquer empresa, mas especialmente para uma familiar. Estabelecer uma marca forte, cultivar uma base de clientes fiéis e cada membro da família assumir um comportamento alinhado com os valores e a imagem da empresa e do apelido da família são fatores chave para a longevidade saudável de uma empresa.
  1. Investimento no crescimento
    As empresas mais antigas não se limitam a descansar sobre os louros. Uma das lições que deixam é a importância de investir continuamente em crescimento e desenvolvimento, por meio de novos produtos,  I&D, formação e aquisição externa de novas competências, alianças estratégicas ou modernização de equipamento – fatores críticos para garantir que uma empresa familiar permaneça competitiva e relevante ao longo do tempo... de muito tempo!
  1. Gestão do processo de sucessão
    As empresas mais antigas passaram com sucesso dezenas de gerações porque sabiam que era crucial para a sua sobrevivência e sucesso dar máxima prioridade à sucessão e assegurar um processo sucessório bem preparado e executado. Isso inclui desenvolver uma compreensão clara dos papéis e responsabilidades de cada membro da família, determinar a melhor maneira de transferir a propriedade e a gestão do negócio e preparar atempadamente candidatos de alto valor.
  1. Governança familiar
    O estabelecimento de regras e procedimentos claros para a tomada de decisões e a resolução de litígios, através de um conselho de família assente num protocolo formal ou de um mecanismo semelhante, ajuda a garantir que uma empresa familiar permanece unida e alinhada, mesmo quando os membros da família assumem diferentes papéis e responsabilidades. Preservar as tradições e os valores familiares ajuda a manter a cultura e a identidade únicas de uma empresa familiar, uma fonte fundamental de força e estabilidade ao longo do tempo.
  1. Transparência e comunicação
    A comunicação aberta e transparente entre os membros da família é essencial para manter a harmonia e o conforto de todos os membros da família e assegurar um clima de confiança interna. Este fator é particularmente importante no caso de litígios para que estes possam ser resolvidos de forma rápida e eficaz, mantendo a integridade do foro acionista e a estabilidade do negócio.
  1. Profissionalização
    A incorporação de práticas de gestão profissional e de competências externas pode ajudar a garantir que uma empresa familiar se mantém competitiva e bem-sucedida a longo prazo. É cada vez mais frequente nas melhores empresas familiares ter não só personalidades não executivas a bordo, mas também elementos externos à família em posições executivas chave.
  1. Separação entre propriedade e gestão
    Uma separação clara entre propriedade e responsabilidades de gestão pode ajudar a prevenir conflitos de interesses e garantir que a empresa é gerida de forma profissional e eficiente. É evidente que membros acionistas possam ter cargos executivos, mas devem ter a noção clara de que a sua eficácia num dos papéis não tem que ver com a outra e deve saber mantê-las separadas no dia-a-dia do seu trabalho.

Em conclusão, a longevidade das empresas familiares é uma prova da sua capacidade de adaptação e evolução ao longo do tempo, mantendo ao mesmo tempo as tradições e valores que as tornaram bem-sucedidas. Os principais fatores que contribuíram para a sua sobrevivência incluem o planeamento sucessório, a governação familiar, a transparência e comunicação, a profissionalização, a separação entre propriedade e gestão, a flexibilidade, o investimento no futuro e a preservação das tradições e valores familiares.

O modelo de empresa familiar já deu provas mais do que suficientes da sua capacidade de criação de valor a longo prazo, de inovação e de diferenciação contínua desempenhando um papel vital na economia global para as gerações futuras. E se seguir as lições das mais antigas empresas familiares do mundo que aqui deixámos, uma empresa familiar pode estar segura de que está no melhor caminho para ser resiliente e duradoura e resistir ao teste do tempo por muitas gerações, fugindo aos 97% que não chegam à quarta geração.