
Quando Hitler iniciou a Anschluss e invadiu os Sudetas, no norte da atual Chéquia, poucos no mundo quiseram acreditar no que dali viria. As ameaças eram claras, mas o mundo recusava levá-las a sério. Não se acreditava que aquele homenzinho de bigode ridículo fosse capaz de restaurar a honra de alguém — muito menos da grande Alemanha. Dentro do próprio país, o sentimento era semelhante. Para alguns, a sua chegada foi até recebida com alívio, após sucessivos governos fracassados, crises económicas, desordens civis e um ambiente político minado por extremismos.
Em simultâneo, quando os judeus começaram a ser atacados de forma sistemática, o desconforto cresceu. Mas mesmo assim, não foi suficiente para abalar o regime. Os judeus começaram a desaparecer. “Foram presos”, dizia-se. “Não sei onde.” A incredulidade prevalecia. Ninguém — nem dentro nem fora da Alemanha — queria acreditar que aquele berço de cultura europeia, terra de Kant, de Wagner, de Goethe, pátria do idealismo, da música sublime, da ética racional, pudesse dar lugar a um regime responsável por crimes de uma monstruosidade inimaginável. Crimes desprovidos de sentido, ancorados numa narrativa vazia de razão social, económica ou moral.
Os mais sensíveis que me perdoem a comparação, mas a História, por vezes, parece querer repetir-se.
Hoje, os Estados Unidos da América — o farol do Ocidente, a terra da promessa, onde acreditámos que mérito, liberdade e conhecimento eram suficientes para vencer — estão a arder.
O país onde acreditámos que os pobres poderiam enriquecer, os religiosos coexistir com os cépticos, os cientistas mudar o mundo, e os intelectuais encontrar liberdade, parece, neste momento, em implosão.
A América que tantas vezes salvou a Europa da autodestruição, que deu ao mundo ideias revolucionárias, instituições fortes e uma cultura vibrante, é hoje governada por figuras que personificam a decadência do discurso político moderno. São representantes de um populismo sem lastro intelectual, sem capacidade para governar, nem uma casa — quanto mais um país.
Olhamos, perplexos, para este espetáculo. Aceitamos, com um certo grau de normalização, um governo que insulta, que contradiz a verdade, que banaliza a mentira. Queremos acreditar que “não é assim tão mau”, que “não pode ser verdade”. Mas é.
É inquietante observar os paralelismos com outros tempos e outras figuras. A retórica do inimigo interno, do bode expiatório, da vingança. O eles contra nós. Se tudo isto não fosse tão perigoso, talvez até se prestasse ao ridículo. Mas há pouco de cómico neste cenário.
Martin Wolf, reputado cronista, escrevia recentemente que, a manter-se este rumo, o impacto económico será tal que, pelo menos, poderá garantir uma derrota republicana nas eleições intercalares — abrindo espaço para que o eleitorado norte-americano possa, em tempo útil, corrigir o desvario.
Outros vislumbram nesta crise uma oportunidade: a de o euro assumir o papel de moeda de referência mundial. Basta olhar para a situação das obrigações do Tesouro norte-americano, outrora consideradas um refúgio universal — até pelos “camponeses chineses”.
Sim, acredito que é possível ainda um desfecho positivo. Mas a que custo?
Que preço terão de pagar, da América ao Vietname, aqueles que nada fizeram para merecer o caos que os rodeia?
E, sobretudo, quem está a lucrar com esta instabilidade?
Eu não acredito em bruxas. Mas que as há, há.