557 mil milhões de dólares, quase o dobro do Produto Interno Bruto (PIB) de Portugal, é o montante doado anualmente por indivíduos, empresas e fundações nos Estados Unidos da América.
E é essa mesma filantropia que está neste momento receosa do início do mandato de Donald J. Trump, tendo o seu vice-presidente, JD Vance, rotulado duas maiores fundações do país, a Fundação Ford e a Fundação Bill Gates, de “tumores da sociedade americana que financiam ideologia radical de esquerda”.
Em 2024, tive oportunidade de ser convidado para ir ao United Philanthropy Forum em St. Louis no Estado de Missouri, um dia após a tentativa de assassinato de Trump. Num ambiente onde predominava um ambiente sério e refletivo, estavam reunidas organizações de apoio á filantropia de todos os Estados do Pais no intuito de acederem a conhecimento, partilharem experiências e contactarem com diferentes instituições e projetos.
Com centenas de participantes, o programa do Forum integrava diferentes oradores, painéis e workshops sobre múltiplos temas como “Demografia e Poder”, “Como avançar a equidade racial e a perspetiva de justiça.", “Transformar a educação indígena”, temas pouco alinhados com a agenda do novo Presidentes dos Estados Unidos.
Entre o tecido filantrópico existe a perceção de que temas como estes e outros como o combate à desigualdade de rendimentos, direitos LGBTQ, apoio e inclusão de imigrantes e refugiados, saúde e direitos reprodutivos e até o combate às alterações climáticas podem estar em risco com esta nova administração, tendo em conta não apenas o discurso que caracterizou a campanha como até as diferentes propostas que constam do programa politico e económico de Trump denominado projeto 2025 e preparado pela Heritage Foundation.
Este projeto conta com medidas que incluem a redução do papel do governo federal, desregulamentação e o já muito falado e prometido corte e diminuição de custos da administração através do recém-criado Departamento de Eficiência Orçamental (DOGE) que será coliderado por Elon Musk. Todavia, outras medidas poderão passar pela redução de incentivos fiscais para doações com consequências graves não apenas ao nível dos potenciais doadores como também ao nível das organizações locais e ONGS que podem vir a enfrentar uma tempestade perfeita caracterizada por um corte ou diminuição de verbas e um aumento do número de beneficiários que procuram apoio, e que irão resultar fruto da devido á prometida redução de gastos públicos e reversão de programas.
Considero que a filantropia é, no essencial, parceira dos diferentes Governos. Tem como objetivos contribuir para o bem-estar social, preenchendo lacunas, inovando, tomando riscos, acrescentando valor e inspirando. Serve como referência para a comunidades e simboliza muitas vezes o que de melhor temos em nós, colocando em evidência valores como a empatia e altruísmo.
Os tempos que se avizinham serão caracterizados não apenas pela incerteza quanto às decisões e medidas que serão tomadas, mas também pelo efeito que irão na Sociedade.
Certamente o tecido filantrópico terá que se adaptar como já o fez outras vezes, procurando inovar, diversificar fontes de financiamento, priorizando causas e aliando-se em torno de parcerias estratégicas que visam proteger não só as instituições, mas os públicos que estas apoiam.
Nestes tempos de incerteza talvez o mote que a filantropia deve aplicar provenha também de Trump, quando disse; "No final não se é medido pelo que se atingiu, mas pelo que se superou."
Secretário-geral do Centro Português de Fundações