Confesso que não gosto muito de caminhadas, digamos, pelo meio do mato; mas gosto de andar no meio da rua, sem destino, apenas para ver o que me aparece à frente. E aparece muita coisa, de grafitti nas paredes a roupa pendurada nos mais improvisados estendais decorativos que parecem instalações em varandas, passando por coisas inusitadas que são deixadas à porta para serem levadas pela camioneta do lixo ou por algum passante.

Reparem por exemplo nesta imagem (acima), tirada há dias numa rua no centro de Campo de Ourique. Estava a meio de um passeio noturno quando encontrei, encostada à porta de um prédio bem conservado, esta fotografia de um caminho no meio do bosque. Era uma fotografia original, montada numa placa rígida, de forma a poder estar na parede. Em baixo, dois cestos que pareciam segurá-la para nenhuma ventania a levar.

Esta imagem há de ter estado numa parede, a ser olhada por quem lá vivia. Era como uma janela com vista para um bosque, em vez de vista sobre a rua ou para o prédio em frente. Para quem a teve, talvez fosse um periscópio urbano sobre o campo, a deixar ver uma estrada estreita entre filas de árvores, já despidas de folhas num qualquer outono. É daquelas imagens para as quais se pode olhar durante horas, a descobrir os pormenores dos ramos, a evocar talvez algum lugar.

Porque terá esta fotografia sido tirada da parede onde rasgava o espaço para o meio da rua, rejeitada, como uma memória apagada? São coisas destas que me fazem gostar de andar pela rua fora, a espreitar o que se pode encontrar.

Texto e fotografia de Manuel Falcão, consultor de comunicação cultural