El Dorado pelas excelentes condições financeiras pelas quais é conhecida, a Turquia - país onde a carga fiscal é bastante reduzida - acolhe os dias de forte migração de jogadores provenientes das mais variadas paragens. O país há muito que se deixou de resumir à SuperLiga, local onde brilharam nomes como Simão, Hugo Almeida ou Raúl Meireles. Capaz de atrair talentos está também apto o segundo escalão, espaço competitivo onde cada vez mais portugueses procuram brilhar o desporto-rei local.

Exemplos práticos encabeçados por Paulinho e Marco Paixão. Colegas de equipa no Bandirmaspor, atual segundo classificado da prova, os dois avançados vivem diferentes etapas da carreira, ainda que a ambição de singrar continue a mesma nos dois.

Um cumpre a primeira aventura por terras do antigo Império Otomano, o outro mantém o estatuto de um dos mais conceituados homens-golo da realidade e arredores. Em suma, duas boas conversas capazes de desaguar em belas conclusões sobre as motivações e virtudes de rumar à II Divisão turca.

«Precisava de um clube como o Bandirmaspor»

«Vim para aqui numa ideia de relançar a minha carreira», garantiu Paulinho como principal âncora para a sua mudança de ares: «Vi que muitos jogadores têm vindo para aqui, inclusive alguns que já passaram por algumas das principais ligas europeias.»

Paulinho vive primeira época na Turquia @Arquivo Pessoal

«Fiz boas coisas no Estrela da Amadora, mas precisava de um clube que acreditasse em mim, como o Bandirmaspor. A II Liga turca é boa, há mercados interessantes por aqui e gosto de cá estar. O clube tem condições muito boas. Em comparação com Portugal, as condições aqui são muito melhores. Já para não dizer de que os adeptos vivem muito o futebol. Sente-se mesmo aquele ambiente forte no estádio. Estou a adorar!», explicou ainda.

«Os adeptos vão com o clube até à morte»

Autor de 17 golos em 54 jogos na fulgurante passagem pelo segundo escalão do futebol luso, o zerozero desafiou Paulinho a comparar as duas provas. A resposta não foi conclusiva, mas não inibiu o avançado lançado no São Paio D'Arcos, do Pró-Nacional da AF Braga, de dar relevo aos fatores mais antagónicos.

Em ação na estreia, diante do BB Erzurumspor @Arquivo Pessoal

«É difícil fazer a comparação... Além de jogadores que já passaram pela Premier League [na Turquia], a ausência de adeptos fora dos clubes grandes sente-se muito, principalmente, na II Liga portuguesa. Aqui é o contrário: os adeptos são do clube da cidade. Vão com o clube até à morte e os estádio estão sempre bem preenchidos.»

A rematar o assunto, Paulinho estabeleceu um último ponto, diretamente, a ver com a natureza dos jogadores de ambos os escalões: «Também há muito talento na II liga portuguesa. Cada vez mais se vê jogadores a sair de lá para outros patamares. Na Turquia, vês jogadores que já estiveram noutros grandes palcos e agora vêm para aqui. É uma liga muito competitiva. Nesse termo podem ser comparáveis, porque todas as equipas podem roubar pontos umas às outras.»

«Temos capacidades de chegar aos play-offs»

Autor de um bis logo na estreia pela nova equipa no duelo com o BB Erzurumspor, Paulinho protagonizou uma estreia de sonho e ajudou o Bandirmaspor a arrancar o campeonato com uma importante vitória. Contudo, e desde então, os golos têm escapado ao jogador natural de Braga.

Paulinho
2024/2025
12 Jogos 679 Minutos
2 2 0 0 2x

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«Há toda uma adaptação muito importante a fazer fora do campo. Agora estou mais estabilizado do que nunca. Daqui para a frente, as coisas vão ser cada vez melhores. Tenho jogado a extremo, um pouquinho fora da minha posição, mas acho que vou voltar inevitavelmente aos golos. A presença do golo é uma caraterística forte que eu tenho», garantiu.

Apesar do «fator financeiro» ser sempre «um fator que pesa», Paulinho voltou a apontar para os objetivos de carreira, dos quais não dissociou o projeto do clube: «Foi-me transmitido o dito "jogo a jogo", mas com o objetivo, para dentro do grupo, de querer subir à Superliga. Acredito muito no projeto. Temos capacidades de, pelo menos, chegar aos play-offs. Temos uma equipa muito boa.»

Com Mexer e Marco Paixão como companheiros de equipa, Paulinho não poupou elogios na direção de um jogador que foi o melhor marcador da II Divisão por quatro épocas: «São jogadores experientes e tenho sempre muito a aprender com eles, principalmente o Marco, que é da minha posição. Além disso falam os dois português, o que é bom para descomprimir um pedaço.»

«Sol e praia foram as razões pelas quais aceitei vir»

Descompressão que certamente aumenta com a garantia de golos do experiente avançado, de 40 anos, desde que chegou a solo turco, em 2018/19. Com uma vasta carreira em países como Espanha, Escócia, Chipre ou Polónia, a estadia no sudeste europeu revolucionou a carreira de Marco, segundo o próprio.

Marco Paixão a festejar um dos quatro golos pelo Bandirmaspor, sua nova equipa @Arquivo Pessoal

«Quando vim, não conhecia muito bem o país. Estava na Polónia, tinha feito quatro anos e meios muito bons e só queria sair. Tinha uma depressão e ansiedade muito grande. Os últimos anos na Polónia foram difíceis devido à temperatura e à maneira de viver. Aquilo que queria era só buscar o sol e a praia. Então, cheguei à cidade de Izmir, neste caso ao Altai, e essas foram a principais razões pelas quais aceitei vir. De resto, foi tudo uma história maravilhosa», afiançou.

«Encontrei condições maravilhosas, tanto a nível estrutural, de clube e a nível financeiro. Uma liga, sobretudo naquela altura, muito, muito boa. Lembro-me que a diferença da lira turca [moeda local] para o euro era muito pequena e isso permitia trazer jogadores de muita qualidade das primeiras ligas europeias», recordou.

«Na Turquia recuperei a vontade de jogar»

Embora a qualidade continue relevante, o avançado que soma já 116 golos na prova - boa parte deles no Altay, onde é lenda viva - considera que a desvalorização da moeda não tem facilitado na atração de qualidade estrangeira: «Tem sido mais difícil para os clubes trazer jogadores com mais qualidade, como na altura em que cheguei.»

Ídolo do Altay, referência na II liga turca @Arquivo Pessoal

Por agora, Wesley Moraes - antigo ponta de lança de Club Brugge e Aston Villa e atual melhor marcador do campeonato - é, talvez, a grande importação do defeso. De novo reencontrado com os golos, o internacional brasileiro lidera uma lista de goleadores sobejamente conhecida por Marco Paixão. De resto, o ponta de lança de Sesimbra foi o artilheiro logo no arranque da aventura turca, mantendo a fasquia nas duas épocas seguintes e em 2022/23.

«A única diferença foi que, psicologicamente, recuperei a vontade de jogar. O meu estado de espírito mudou completamente. Obviamente que ao princípio foi um bocado difícil, mas tinha aqui o Pedro Eugénio, outro português que agora está no Cazaquistão», explicou ainda: «Foi o motivo certo para que chegasse e tenha batido o recorde de golos [na competição] numa só época: 29

«Fizeram uma figura com a minha celebração»

Um início de trajeto brilhante ao serviço do Altay, onde ainda hoje é idolatrado. merece ser detalhado: «Fui o jogador do ano e subimos à SuperLiga (em 2020/21). Sou o segundo melhor marcador da história do clube e foram anos muito bons. Os adeptos são maravilhosos e olham para mim como uma lenda, depois dos cinco anos e meio que passámos. Criaram t-shirts e cachecóis e fizeram uma figura grande com a minha celebração quando marquei o golo na final [do playoff de subida]. É algo inesquecível que levo para a vida.»

Tarja alusiva ao festejo de Marco Paixão é a primeira a contar da direita @Arquivo Pessoal

Com mais sete ligas experienciadas no currículo, qual o patamar em que se encontra a segunda prova mais concorrida da Turquia?: «Acho que está ao nível das ligas onde joguei. Obviamente chegar à I Liga da Escócia, da Polónia ou até ao Sparta Praha é um bocado diferente, devido à intensidade de jogo, mas não coloco muito atrás a II Liga turca.»

A finalizar o diálogo, não faltou o raio-x ao jogador turco que, no entender do ponta de lança luso, padece da pouca aposta das equipas locais: «O jogador turco é um jogador com muita habilidade, mas que, infelizmente, está num país que aposta muito pouco nos jovens. Existe uma carência muito grande de infraestruturas, de academias. Dão prioridades a contratações de fora.»

«Esta nova geração turca que vimos no Europeu é toda pessoal jovem que está a sair para grande clubes da Europa... Por exemplo o Ferdi [Kadioglu, recentemente transferido para o Brighton] quando apareceu no Fenerbahçe, já era um jogador de grande qualidade. Deixou-me maluco! Se dessem mais prioridade aos jovens com qualidade, a Turquia podia trazer muito mais talentos ao futebol», assegurou em jeito de remate final.