
Ana Peleteiro não se assustou com a mudança. Deixou de trabalhar com Iván Pedroso, campeão olímpico em 2000, trocou de local de treino (de Guadalajara para a Galícia) e até uma técnica diferente experimentou. “Sou um pouco como a Fénix, gosto de renascer das cinzas.”
Pela segunda vez na carreira, a espanhola sagrou-se campeã da Europa de triplo salto em pista coberta. O título soube-lhe a “amor e sacrifício” depois da metamorfose que viveu. No início do ano, começou a usar a perna esquerda para fazer a chamada junto da tábua, a primeira impulsão, procurando não perder velocidade no movimento. Sobrecarregar aquele lado do corpo fê-la ressentir-se de uma lesão ligamentar no joelho com mais de década. Resolveu então voltar a colocar a maior dose de esforço na perna direita e o resultado foi a repetição da medalha de ouro conseguida em 2019.
Ao quinto salto do concurso, voou 14,34 metros e afastou-se da romena Diana Ion (14,31) e da finlandesa Senni Salminen (13,99). Suspirava de alívio quem tinha ficado preocupado por ver a atleta de 29 anos abdicar do quarto salto. Mesmo não tendo sido suficientes para a impedirem de continuar, competiram com ela a dores no ísquio e as remanescências de uma gripe.
No dorsal carregado de caracteres, além do seu apelido, leva também o do marido-treinador. “Agora, mais do que nunca somos uma equipa”, descreveu. Benjamin Compaoré foi quem incentivou os ajustes técnicos de Peleteiro. Mesmo que a opção por fazer a chamada com a perna esquerda tenha sido revertida, manteve-se a vontade de realizar um salto mais horizontal, o que deu frutos na prova que decorre em Apeldoorn, nos Países Baixos.
Após o resultado que ficou estampado nas manchetes dos jornais espanhóis, Ana Peleteiro recordou que recebeu “ameaças e coações de alguém que apreciava muito”, algo que “nunca é bom” e “dói bastante”. “Às vezes, sinto que tenho de me fechar num bunker para que ninguém me entre na cabeça. Não sou de ferro.”
É nestes momentos que o salto em altura também se pode transformar numa corrida de obstáculos. Não estivesse ela mentalmente “num jardim cheio de flores, encantada da vida” e podia ter tropeçado nos “monstros que estão sempre aí a gritar”.