No momento em que entramos em contagem decrescente para a grande festa dos 40 anos da BLITZ, na Meo Arena, em Lisboa, a 12 de dezembro – com concertos de Xutos & Pontapés, Capitão Fausto, Gisela João e MARO –, pedimos a músicos, promotores, jornalistas, radialistas e outras personalidades que vão ao baú resgatar memórias de quatro décadas de história, deixando-nos, também, uma mensagem para o futuro.
Ainda a BLITZ não era nascida e já Tozé Brito era um dos músicos mais consagrados da cena portuguesa, através de bandas como os Pop Five Music Incorporated, Quarteto 1111 ou Gemini. Quando “já estava a tirar o pé do pedal” em relação a essa vida, conforme no-lo explica, a BLITZ ajudou-o no seu outro trabalho: na Polygram, onde era A&R. “A recordação mais antiga que guardo da BLITZ é do primeiro número”, recorda. “A grande referência, para nós, tinha sido, durante muitos anos, o ‘Se7e’. De repente, começou-se a falar que vinha a BLITZ, um jornal, uma publicação de música muito mais virada para músicas mais alternativas, mais modernas, com uma linha editorial que ainda não tinha aparecido”.
Uma linha editorial distinta de outras publicações, “que eram muito abrangentes, falavam de todos sem sentido crítico”. “Não procuravam estéticas novas, não procuravam estilos novos; limitavam-se a falar sobre o que era publicado”, acrescenta. “Mesmo quando cheguei a funções de chefia nas multinacionais por onde passei”, como a Polygram, a BMG ou a Universal, “nunca prescindi de fazer o papel de A&R, ou seja, de ser eu a definir os artistas que queria assinar, a decidir com eles o repertório que iam gravar… Nesse campo, em termos de descobrir cá dentro, de descobrir nomes novos, a BLITZ tem ajudado imenso. Sempre foi um jornal que falou de grupos e falou de projetos musicais que muitas vezes nos passavam ao lado, mesmo a nós, que estávamos na indústria”.
Um exemplo concreto foi a altura “em 1986 ou 1987” em que Tozé Brito assinou com, não uma, não duas, não três mas quatro bandas no mesmo dia. “Algumas não conhecia. Foi através de gente que trabalhava no BLITZ que as vim a conhecer”, nota. Uma delas, os Xutos & Pontapés, “ia ver muitas vezes ao Rock Rendez-Vous, mas era uma banda quase ‘maldita’, nas multinacionais ninguém lhes queria tocar; havia um certo receio de que fossem demasiado agressivos. Via-os a tocar e pensava: puxa, do caraças, 500 pessoas apinhadas a cantar as canções do início ao fim”…
“Os Xutos eram os mais óbvios. Depois, foi através de conversas que tive com gente ligada à BLITZ que cheguei aos Mler Ife Dada, aos Radar Khadafi e aos Afonsinhos do Condado. Para dar uma ideia da importância que teve [a BLITZ], quando eu trabalhava como A&R, nessa altura. Para mim, mais do que qualquer coisa, mais do que aquilo que agradava ou não à BLITZ, ou seja, mais do que as classificações que vocês davam, porque isso é uma coisa muito subjetiva… A BLITZ foi sempre para mim uma referência e o que me importava era o que vocês andavam a descobrir”, explica. “Foi um veículo de descoberta, e não tanto um veículo de aferição do que era bom ou mau”.
“O que me interessava, fundamentalmente, era a informação nova, o que descobria através da leitura da BLITZ. Daí ter-me tornado não só um fã da publicação, como amigo dos diretores da BLITZ, durante anos e anos. Dos jornalistas, de toda a gente que trabalhou aí. Vocês ajudaram-me imenso, porque vocês estavam sempre em cima de coisas a que eu não chegava, não tinha tempo para lá estar. [Mas] Também não vou negar que era muito agradável quando abria o jornal e via que estavam a dar destaque a um grupo meu, a um artista meu...”, brinca. “Quem gostava de música, quem seguia as novas tendências, [fazia-o] através da BLITZ. Não era através de nenhuma outra publicação. O que tenho a dizer é: não desapareçam, por favor”.
Para o futuro, Tozé Brito espera que a BLITZ continue “a fazer exatamente o que tem feito até hoje”. “Que informem as pessoas, porque a informação é fundamental. Que nos digam o que é que está a acontecer na música, porque muitas vezes isso passa-nos ao lado. As rádios estão demasiado formatadas para o meu gosto... Eu venho de uma época em que as rádios que tínhamos eram rádios de autor”, lembra. “Ia à Rádio Comercial, havia uma pessoa que fazia a emissão das 7h as 9h, outra das 9h às 11h, outra das 11h às 13h, outra das 13h às 15h... De duas em duas horas mudava o locutor. E eu sabia, por exemplo, que um determinado disco que ia lançar, ou discos que eu gravei enquanto músico, não iam tocar das 7h às 9h, mas das 9h às 11h tocavam, e às 15h tocavam outra vez. Ou seja, as rádios estavam muito menos formatadas e havia espaço para muito mais estilos de música”.
“Hoje afunilaram completamente os gostos dos ouvintes e isto, para mim, é penoso, porque perde-se muita coisa boa que não chega [ao público]. Temos a internet, o Spotify, o YouTube, tudo e mais alguma coisa, mas não é a mesma coisa. Não vou estar aqui a dizer o que é que é mais importante ou menos importante, seria ridículo da minha parte. Mas a rádio continua a ter uma importância grande na divulgação da música; afunilou, digamos assim, o espectro daquilo que toca, dos géneros musicais que toca, e penso que isso não permite que muitas pessoas tenham acesso a muita música boa que se faz. Para onde é que nós temos que ir para perceber que ela existe? Para a BLITZ, até pessoas que estão atentas a esses fenómenos”.
Falta, por isso, algum trabalho de curadoria? “Exatamente. Falta-nos quem fale de projetos que não conseguimos ouvir em lado nenhum. Se vocês me derem uma pista - pode ser uma banda nova, um artista novo, que valha a pena ouvir, isso é o suficiente para ir à procura dele. Porque vocês me deram a dica, porque senão não chegava lá! Esse trabalho é fundamental", diz. "Aquilo que os media nos estão a dar é um pouco mais do mesmo. Se há alguma vantagem numa publicação como a vossa - neste momento só há mais uma, o ‘Ípsilon’, do ‘Público’ - é chamar-nos a atenção às coisas que não conseguimos ouvir, nem sabemos que existem, se vocês não falarem delas. Essa vossa atenção a esses projetos completamente alternativos, que passam ao lado das rádios mainstream... Se não for através de vocês não teremos conhecimento disso. Acho que é isto o que mais vos peço: não deixem de nos alertar para aquilo que acham que é bom, independentemente de depois nós podermos vir a gostar ou não”.