A síndrome do abandono consiste num padrão persistente de medo de ser deixado, de não ser amado ou de ser rejeitado. Este medo não é infundado, mas sim uma repercussão direta de experiências de desapego ou perda precoce, frequentemente com figuras de ligação primárias durante a infância.

Quando uma criança se sente abandonada, seja emocional ou fisicamente, o impacto desse trauma não se dilui simplesmente com o tempo. Ao invés, ele enraíza-se no âmago do seu desenvolvimento emocional, influenciando as expectativas de relacionamentos futuros.

Pessoas com sintomas desta síndrome podem exibir uma grande ansiedade em relações onde percebem, mesmo que subjetivamente, qualquer sinal de afastamento ou desinteresse por parte dos outros. Esta ansiedade manifesta-se muitas vezes em comportamentos como a dependência excessiva, a necessidade constante de validação e, paradoxalmente, pode levar a comportamentos possessivos que inadvertidamente afastam os outros – exatamente aquilo que mais temem.

Quando o desenvolvimento de uma criança é condicionado por emoções reprimidas, esta pessoa pode transformar-se num adulto com uma criança zangada dentro de si. O trabalho de resgate da criança interior deve ser efetuado quando nos deparamos com dificuldades persistentes e que causam sofrimento significativo, contaminando a nossa vida pessoal, profissional, familiar e quando representamos risco, para nós e para os outros.

O resgate da criança interior e a sua regeneração é um processo doloroso, uma vez que implica a reabertura de feridas antigas mal cicatrizadas. É um processo que implica atravessar a dor emocional, que se assemelha a um luto. Trata-se de decidir que o ‘Eu’ adulto identifica, valida, acolhe e passa a cuidar, a partir desse momento, da criança interior, um compromisso que é assumido consigo próprio. Consiste num processo iniciado na terapia e que se mantém ao longo da vida.

Na ótica da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), aplicada na síndrome do abandono, ajuda a pessoa a reconhecer e desafiar as crenças irracionais e os medos sobre ser deixada ou rejeitada, que muitas vezes estão enraizados em experiências de infância. Foca-se, sobretudo, em identificar e alterar padrões de pensamento intrusivos e comportamentos disfuncionais que contribuem para o sofrimento do paciente.

Por outro lado, a perspetiva psicodinâmica e hipnoanalítica descreve como os padrões de relação estabelecidos na infância são internalizados como modelos internos de funcionamento. Estes influenciam a autoestima, a capacidade de formar relações saudáveis e a maneira como interpretamos os comportamentos dos outros. Em essência, a criança que fomos continua a viver no adulto que somos, influenciando as nossas reações e interações.

O pai da Psicologia Analítica, Carl Gustav Jung, cujas palavras ressoam profundamente no contexto da síndrome do abandono, diz-nos que: Em todos os adultos espreita uma criança – uma criança eterna, algo que está sempre a ser, que nunca está completo, que solicita atenção e educação incessantes. Essa é a parte da personalidade humana que quer se desenvolver e tornar-se completa”.

Seguindo o pensamento de Carl Jung, relativo à presença perene da criança interior ferida em cada adulto, a aclamada psicanalista Françoise Dollon também nos oferece uma perspetiva complementar e igualmente profunda: “Se, na infância, a criança não é tratada com amor, mas sim no medo, ela não aprende a amar, aprende a defender-se”. Este pensamento destaca a crucial necessidade de cura das feridas de abandono, e é aqui que a hipnose regressiva desempenha um papel crucial, já que procura resgatar as nossas feridas internas.

Assim, o nosso desafio com o uso psicoterapêutico da hipnose clínica é, não apenas reconhecer e tratar as marcas do passado, mas também reeducar sobre como podemos amar-nos e aos outros de maneira mais completa e verdadeira.

Este é o caminho para transformar as cicatrizes do abandono em emblemas de cura e crescimento. A jornada de reintegrar a criança interna, respeitando as suas necessidades e sonhos, é fundamental para que cada um de nós possa viver uma vida plena e autêntica.

Este pensamento, de entrar pelo sintoma e resgatar a origem dos nossos fantasmas internos de forma natural e completa, abre uma janela para a compreensão da nossa própria jornada emocional, mostrando como as impressões da infância permanecem connosco, solicitando cuidado e integração contínuos.

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