
Ano de 1984, a televisão portuguesa navegava ao ritmo de dois canais, a uma programação com um alinhamento previsível, um horário de transmissão modesto em extensão, a reservar algumas horas semanais a programas infantojuvenis. Naqueles idos de 80, uma série convidada os mais jovens a endereçarem a sua atenção às estrelas. Ao longo de 26 episódios de pouco mais de 20 minutos, os telespetadores ‘embarcaram’ numa viagem intergaláctica. A ficção científica animada, numa coprodução francesa e japonesa, recebeu de batismo o nome Era Uma Vez... O Espaço. O francês Albert Barillé, criador, entre outras, das séries Era Uma Vez... O Homem (1978) e Era Uma Vez... A Vida (1987) ofereceu ao pequeno ecrã um enredo a apontar um futuro espacial. Ali, digladiavam-se a Confederação Omega, a República Militar de Cassiopeia e um supercomputador poderoso que controlava um exército de robôs. Os protagonistas deambulavam num cosmos povoado de planetas ficcionados: Ómega, Mythos, Verde eram territórios para as ficções engendradas por Barillé, falecido em 2009.
Por cá, a versão portuguesa da série nascida em 1982 foi musicada pelo cantor e autor Pedro Malagueta. Cantava este: “Lá em cima há planetas sem fim (...) Lá em cima pode ser o futuro”. Em 1984, este futuro apenas podia cantar “planetas sem fim” imaginados para além dos grilhões do nosso Sistema Solar. A existência de uma miríade de planetas além das elipses formadas pelos astros que circulam em torno do nosso Sol era apenas uma suposição. A década seguinte revelaria novos horizontes cósmicos. Em poucas décadas a comunidade científica maravilhou-se com a descoberta de novos e fantásticos mundos. Juntam-se estes a um rol de exoplanetas, ou seja, planetas fora do sistema solar. Uma lista que conta, no presente, com mais de 5000 corpos celestes e que continua a crescer. Há um momento primeiro para esta história. Em 2025, celebram-se 30 anos sobre a descoberta do primeiro exoplaneta a orbitar uma estrela da sequência principal (ver caixa),uma estrela que está numa fase estável da sua vida
De que matéria se faz um exoplaneta?
“Demócrito, um dos fundadores do atomismo [a natureza consiste em dois princípios: átomo e vazio], fala de mundos ilimitados de extensão ilimitada, dos quais uns têm mais sóis e luas do que os nossos e outros menos”, recorda-nos o astrónomo austríaco Florian Freistetter no seu livro A História do Universo em 100 Estrelas (edição Planeta) e acrescenta: “O debate sobre estas questões continuou ao longo dos séculos seguintes e dele se ocuparam tanto a filosofia como a teologia durante a Idade Média e o início da Idade Moderna (...) Ao longo os séculos teólogos, filósofos e naturalistas encontraram infinitos motivos para argumentarem a favor e contra a existência de outros mundos, mas só conseguiram zangar-se uns com os outros, especular e debater”.
De facto, a primeira evidência da existência de um planeta fora do Sistema Solar remonta a uma observação feita em 1917 pelo astrónomo norte-americano, nascido na Síria filho de missionários, Walter Sydney Adams. A mais de 1700 metros de altitude, num telescópio instalado no Monte Wilson (Califórnia), Adams terá observado os resíduos de um exoplaneta pulverizado. Estavam longe os desenvolvimentos da Ciência em geral e da Astronomia em particular para reconhecerem como as provas de um exoplaneta as observações empreendidas pelo astrónomo.
Antes de avançarmos rumo a 51 Pegasi b, há que delimitar os atributos que caracterizam os exoplanetas. Condição primeira e óbvia: há que estar fora do Sistema Solar e orbitar uma estrela ou um remanescente estelar. Ou seja, assim como os planetas do nosso sistema, os exoplanetas giram em torno de uma estrela. Acresce que existem também candidatos a exoplanetas "flutuantes", embora a definição oficial exija uma órbita estável. Têm, também, de apresentar uma massa e composição planetária. Traduzido por miúdos, deve ter massa inferior à de uma estrela e não gerar energia por fusão nuclear, como fazem as estrelas. Diz a cartilha dos exoplanetas que estes se encaixam em diferentes categorias, a saber: Gigantes gasosos (como Júpiter e Saturno); Superterras (maiores que a Terra, mas menores que Neptuno); Planetas rochosos (como a Terra e Marte) e Mini-Neptunos (menores que Neptuno, mas ainda gasosos).

Ano de 1995, um marco na história da astronomia
A primeira metade da década de 1990 seria auspiciosa para a descoberta de exoplanetas. Em 1992, dá-se a primeira confirmação de um corpo planetário fora do nosso Sistema Solar. Longe, muito longe, a 980 anos-luz da Terra (um ano-luz equivale a 9,5 biliões de quilómetros), uma estrela morta gira rapidíssima sobre si mesma e emite raios de luz qual farol num mar cósmico. Diz-nos a astronomia que uma estrela com estas características chama pelo nome de pulsar. Ali, na constelação de Virgem, os astrónomos Aleksander Wolszczan e Dale Frail descobriram dois planetas aconchegados ao pulsar PSR B1257+12, com não mais de 15 Km de raio. A descoberta surpreendeu a astronomia. Acreditava-se que a eventual existência de planetas extrassolares apenas ocorreria próximo a estrelas normais. O PSR B1257+12 B, nomeado Poltergeist, possui uma massa quatro vezes superior à da Terra. Hoje, sabe-se, partilha a órbita em torno do seu pulsar com outros três corpos celestes.
A 6 de outubro de 1995, dava-se a primeira confirmação de um exoplaneta a orbitar uma estrela da sequência principal. A notícia chegou pela voz de uma dupla de astrónomos suíços. Michael Mayor e Didier Queloz publicavam na revista Nature o artigo intitulado “A Jupiter-mass companion to a solar-type star”. Era oficialmente apresentado o 51 Pegasi b, um planeta gigante numa órbita de quatro dias em torno da estrela anã amarela próxima 51 Pegasi (também denominada Helvetios), na constelação de Pégaso, a 47,9 anos-luz da Terra e com a anciã idade de 7,5 biliões de anos. A 12 de outubro de 1995 a descoberta foi confirmada pelos astrónomos americanos Geoffrey Marcy e Paul Butler. Para a descoberta de 51 Pegasi b, os astrónomos recorreram ao método de velocidade radial.

Cabe aqui perceber o método de deteção destes planetas (ver caixa), corpos celestes a distâncias inimagináveis da Terra. David Ehrenreich, astrónomo da Universidade de Genebra, sintetizou no site da Agência Espacial Europeia, em 2017, os contornos da descoberta de exoplanetas: "Vamos então fazer um pequeno modelo para explicar como é que detetamos os planetas. Temos aqui duas bolas de neve. A mais pequena representa um gigante gasoso, como Júpiter. E a grande é a sua estrela, que é um pouco mais pequena do que o nosso Sol, em termos comparativos. Nós não conseguimos observar diretamente o planeta.
Mas conseguimos ver a estrela e observar os seus movimentos, que sofrem perturbações porque o planeta orbita em torno dela. Isso dá-nos a informação sobre a massa desse planeta. Se tivermos sorte, em certas situações o planeta passa em frente à estrela - aquilo a que chamamos de 'trânsito' -, dando origem a um pequeno eclipse que nos revela a dimensão do planeta. Vamos passar a poder medi-la a partir do espaço com a missão CHEOPS", explicava os métodos de deteção de exoplanetas”.
Em concreto, sobre a descoberta de 51 Pegasi b detalha o já nosso conhecido Florian Freistetter, uma vez mais a partir do livro A História do Universo em 100 Estrelas: “Em abril de 1994 centraram a sua atenção através do seu telescópio na estrela 51 Pegasi (...) Mayor e Queloz descobriram o corpo celeste de maneira indireta, já que se aperceberam de que a estrela oscilava de uma forma muito concreta. É que cada planeta exerce uma força gravitacional, embora seja mínima, na estrela enquanto gira à sua volta (...) Este movimento pode medir-se analisando a luz da estrela, e com ele podem deduzir-se a massa e a órbita do planeta”.
Júpiter, por exemplo, o maior planeta do Sistema Solar, provoca uma oscilação de cerca de 35 km/h do Sol. Detetar estas velocidades relativamente baixas a biliões de quilómetros de distância não é fácil.

De 51 Pegasi b a Dimidium
Para o diferenciar da estrela que orbita, 51 Pegasi ganhou um b. Outros planetas na orbita da referida estrela serão designados com as letras seguintes do alfabeto. Sobre 51 Pegasi b, sabe-se que orbita muito próximo da estrela mãe (menos de metade da distância média entre Mercúrio e o Sol), com temperaturas de cerca de 1000 ºC e cerca de metade da massa de Júpiter. Embora seja 47% mais leve do que este planeta, o 51 Pegasi b é um gigante de dimensão com um raio superior ao de Júpiter. O calor expande a atmosfera do exoplaneta, agigantando-o. Ao contrário do que acontece no nosso Sistema Solar, o gigante gasoso a orbitar 51 Pegasi está próximo do seu sol.
Há perto de nove anos, em julho de 2014, a União Astronómica Internacional (UAI) lançou uma iniciativa denominada NameExoWorlds. Na prática, tratava-se de uma votação para dar nomes próprios a exoplanetas e às suas estrelas hospedeiras. Um ano volvido, em 2015, a UAI anunciava os resultados da primeira edição de apadrinhamento de corpos celestes órfãos de um nome comum. Catorze estrelas e 31 exoplanetas recebiam um nome. Nos meses em que decorreu a iniciativa, a UAI acolheu mais de meio milhão de votos referentes a sugestões de nomes provenientes de 182 países e territórios. Escrevia então no seu site a UAI: “Os nomes vencedores devem ser usados livremente em paralelo com a nomenclatura científica existente”. O 51 Pegasi b passava a designar-se Dimidium, o nome latino para metade, numa referência à massa do planeta, metade da de Júpiter. Em paralelo e não oficialmente, Dimidium cunhou um outro nome, Belerofonte numa alusão à mitologia grega: Belerofonte, herói montou o cavalo alado Pégaso e derrotou a Quimera, uma besta feroz. Tentou alcançar o Olimpo, mas foi punido por Zeus e caiu para viver o resto da vida como um errante.

Em 2015, astrónomos conseguiram, pela primeira vez, detetar a luz visível refletida por 51 Pegasi b, utilizando o High Accuracy Radial velocity Planet Searcher (HARPS). Trata-se de um instrumento astronómico que diremos semelhante a um "radar", capaz de detetar pequenos balanços em estrelas causados pela presença de planetas que giram ao seu redor. O HARPS encontra-se instalado no telescópio de 3,6 metros do European Southern Observatory (ESO), no Observatório de La Silla, no Chile.
Com o advento de telescópios de próxima geração, como o Telescópio Espacial James Webb, os próximos anos trarão informações mais detalhadas sobre as atmosferas e composições destes mundos distantes. No presente, segundo Dados da NASA, foram descobertos 5834 exoplanetas confirmados em 4365 sistemas planetários. Novecentos e setenta e sete destes sistemas contam com mais de um exoplaneta. Um mergulho no âmago do Universo que em muito se deve às descobertas do Telescópio Espacial Kepler. Incansável, funcionou ao longo de nove anos e meio. Tempo para sondar 100 000 estrelas, antes de se aposentar em 2018.
Longe das estrelas, mas próximos do panteão dos imortais da Ciência, a Michael Mayor e Didier Queloz coube-lhes, em 2019, receber o Prémio Nobel da Física. Há quatro anos, escrevia a Academia Real das Ciências da Suécia que a atribuição do Nobel aos dois astrónomos se devia “à descoberta de um exoplaneta a orbitar uma estrela do tipo solar” e acrescenta: “Novos e estranhos mundos continuam a ser descobertos, com uma incrível diversidade de tamanhos, formas e órbitas. Eles desafiam as nossas ideias preconcebidas sobre os sistemas planetários e obrigam os cientistas a rever as suas teorias sobre os processos físicos por detrás da formação dos planetas. Talvez um dia encontremos a resposta para a eterna pergunta: existe vida além da Terra?”
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