Nos idos anos 90 do século passado, quando tive a minha primeira experiência de mobilidade estudantil ao estrangeiro, ao abrigo do programa Erasmus, fui colocado numa escola de gestão em França na região da Alta Normandia.

Durante o semestre tive a sorte de realizar visitas de estudo a várias empresas e a órgãos políticos, entre os quais ao governo regional da Alta Normandia. Fiquei muito surpreendido por existirem governos regionais em França, pois tinha a ideia de que a regionalização era algo característico de países com identidades étnicas específicas, línguas diferentes, ou uma história de união de antigos estados independentes. Ou seja, eu tinha a visão da regionalização espanhola sendo que França, com uma história e língua únicas, também estava regionalizada.

Mais surpreendido fiquei quando falei com os meus colegas de outros países europeus, e soube que, com a exceção da Grécia e do Luxemburgo, todos os outros tinham regiões e respetivos governos, mesmo países mais pequenos do que Portugal, como a Irlanda e a Dinamarca (veja o mapa aqui ou no final do artigo).

Nessa altura percebi que havia algo de errado no discurso político em Portugal acerca do tema da regionalização. O principal argumento invocado contra a regionalização era a unicidade e pequena dimensão do nosso país quando comparado com Espanha, mas não era mencionado que países bem mais pequenos do que Portugal estavam regionalizados. Por outro lado, as regiões francesas tinham uma dimensão (habitantes e área) semelhante às regiões administrativas de Portugal continental, pelo que o argumento de não existirem governos regionais em Portugal continental não fazia sentido.

No final do semestre tive de realizar um trabalho monográfico sobre um tema europeu que pudesse ser útil para a economia do meu país (Portugal) e decidi estudar as competências das regiões em França. Esse trabalho, embora simples, levou-me a visitar o governo regional da Alta Normandia e a Comissão de Coordenação da Região Norte (agora chamada CCDR), para ver quais as competências de cada um destes órgãos.

As regiões em França, para além de terem governos eleitos, têm assembleias regionais que votam o programa do governo regional. Este último tem competências económicas relacionadas com a gestão dos setores da saúde, educação e economia. No fundo, muito semelhante às competências das nossas regiões autónomas dos Açores e da Madeira. O que mais me interessou foi a possibilidade que cada região francesa tinha de atrair investimento direto estrangeiro através das suas agências de captação de investimento. Verifiquei que os governos regionais tinham planos económicos para determinados setores, em função das vantagens competitivas regionais, com profissionais especialistas nesses setores e programas de atração de investimento específicos para potenciar a competitividade setorial. Na Alta Normandia, onde eu estudei, existia um foco no setor dos laticínios e na logística (a escola onde eu estudei tinha um mestrado em logística com alunos de toda a Europa). Outras regiões focavam-se no turismo, na indústria aeroespacial, etc.

Em Portugal temos a AICEP, ao nível nacional, e depois temos algumas câmaras municipais com agências de captação de investimento, sendo que estas últimas acabam por ter muitas limitações na definição de benefícios para os investidores e também na criação de ecossistemas em que sejam integradas cadeias de valor setoriais, devido à limitada dimensão dos municípios. Pareceu-me ser uma ótima ideia para implementar em Portugal.

E se for agora que a regionalização finalmente avança? Quais os setores que serão mais beneficiados na região Norte?

Se um futuro governo regional do Norte seguir o bom exemplo dos governos regionais franceses, criará uma agência de investimento regional que irá integrar as agências de investimento municipais, passando a representar 86 municípios junto de grandes empresas globais que todos os anos orçamentam capital para investir em novos projetos produtivos, de inovação e de investigação. Haverá capacidade para fazer crescer os investimentos e o emprego, não só no setor tecnológico, o qual já é forte em Braga e no Porto, mas também o setor automóvel e o setor agrícola, pois poderemos mais facilmente aceder a grandes projetos europeus, em que a dimensão é importante.

Por fim, existirá uma competição internacional pela captação de centrais de dados, as quais são necessárias por causa do crescimento da inteligência artificial e inerente consumo de capacidade de processamento em locais próximos dos utilizadores. Estes centros de dados precisam de estar próximos de estruturas de distribuição de energia e respetivas centrais de transformação, e ocupam áreas na ordem das dezenas ou centenas de hectares. Isto dificulta o trabalho das câmaras municipais na captação dos investimentos, pois não só em muitos casos as áreas ocupam mais do que um município como também o licenciamento obriga à intervenção do governo nacional.

Os futuros governos e assembleias regionais poderão ter essa competência, criando uma saudável competição entre as regiões existentes.

Economista do Norte

Europa regionalizada
Europa regionalizada créditos: União Europeia