1. Nas diferentes abordagens sobre as migrações seguras e reguladas na origem, no trânsito e no destino é ponto assente a ideia segundo a qual os países economicamente mais estáveis e avançados devem contribuir com uma parte da sua riqueza para o desenvolvimento humano das regiões e dos países com especiais vulnerabilidades sociais, económicas e institucionais. É uma abordagem que, pelo menos desde o pós – II Guerra Mundial, fez o seu caminho no quadro da denominada comunidade doadora internacional, onde se encontram os Estados que o fazem no âmbito da sua política bilateral, mas também no quadro das organizações multilaterais, como seja a ONU, a OCDE e nos fora especialmente concebidos para defender e promover um maior equilíbrio nas relações comerciais e económicas internacionais.

Foi o caso da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento (CNUCED), em certa medida herdeira do espírito de Bandung e Belgrado, fundador e impulsionador do Movimento dos Não Alinhados, e tendente a oferecer uma alternativa à liberalização comercial promovida pelo Acordo Geral sobre as Tarifas e o Comércio (GATT), que veio a desembocar na Organização Mundial do Comércio (OMC).

2. Independentemente do posicionamento ideológico de cada um, é aceite por todos que só um desenvolvimento mais equilibrado e harmonioso do mundo permitirá que a humanidade, no seu conjunto, caminhe no sentido da paz e do desenvolvimento mais sustentáveis. Sabemos bem que a falência das instituições do Estado, o acentuar dos conflitos religiosos, étnicos e raciais, a exiguidade dos recursos vitais, os efeitos das alterações climáticas, as catástrofes naturais, os desequilíbrios demográficos a par do crescimento das desigualdades regionais no acesso aos bens essenciais a uma existência digna levarão a que se acentuem os atuais fluxos migratórios desregulados, originando tensões culturais e sociais cujos efeitos nos sistemas democráticos não deixarão de se fazer sentir. Como, aliás, já acontece, muito por força da polarização e radicalização das sociedades, promovida pelos "engenheiros do caos" que, entre outros, têm no tema das migrações uma arma de arremesso contra as democracias liberais.

3. Estas são algumas das razões pelas quais é incompreensível que os EUA, país que tem sido o farol da liberdade e da democracia, tenham decidido cortar numa das principais agências estatais de Ajuda Pública ao Desenvolvimento, a United States Aid for Delevopment (USAID). De acordo com dados que são públicos, em 2023, esta agência destinou cerca de 60 mil milhões de euros ao desenvolvimento. A prevenção e o tratamento do HIV/sida; a prevenção e o tratamento da tuberculose; a saúde materno-infantil, a nutrição e o combate à desnutrição em comunidades vulneráveis; e o desenvolvimento e implementação de estratégias de prevenção e tratamento da malária estão entre as suas principais linhas de prioridade política.

Gráfico 1
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4. Entre os Países de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), Moçambique está entre os países que mais apoios receberam em 2023, calculados em 664 milhões de dólares. Estima-se que, deste valor, 80% foram para o setor da saúde. Ou seja: 60% da despesa na saúde em Moçambique estavam a ser financiados por este programa. Timor-Leste, um outro exemplo, terá recebido deste programa em 2023 mais de 3 milhões de dólares. Estes dois exemplos mostram bem a importância que estes programas têm na vida concreta de milhões de pessoas, onde a dignidade das condições de vida padece de uma atenção sustentada e continuada no tempo.

5. Sendo verdade que os EUA têm ainda outras entidades que se inscrevem no sistema de ajuda ao desenvolvimento, como sejam a United States African Development Foundation (USADF, 0,0001% do PIB), o Inter-American Foundation Peace (0,0002% do PIB), o Peace Corps (0,002%) e a United States Trade Development Agency (USTDA, 0,0003% do PIB), nenhuma se pode comparar à dimensão e estrutura da USAID. A razão orçamental invocada para a sua extinção é difícil de aceitar se considerarmos que o valor global do seu investimento apenas representa 0,16% do PIB norte-americano. Por outro lado, importa ter em atenção que se trata de um dos mais importantes instrumentos norte-americanos na promoção dos seus valores no mundo e na sustentação do seu prestígio.

6. O contributo direto dos países da União Europeia foi de 117 mil milhões de euros em 2023, tendo à cabeça a Alemanha, com 36,7 mil milhões de USD; o Reino Unido, com 19,1 mil milhões; a França, com 15,4 mil milhões, seguida dos Países Baixos, com 7,4 mil milhões, entre outros, como se pode ver no quadro seguinte. A Noruega, o Luxemburgo, a Suécia, a Alemanha e a Dinamarca estão acima da meta dos 0,7% do PIB como valor de referência na APD.

Gráfico
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Contribuições
Contribuições

7. A China faz também do Apoio ao Desenvolvimento uma das prioridades da sua política externa, com um valor de 3 mil milhões de dólares em 2023 sobretudo concentrado em África (45%), no Pacífico e nos países do Sudeste Asiático, como se pode ver no quadro seguinte.

Gráfico
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Como se pôde ver, os países mais avançados nas condições do crescimento da sua economia têm vindo a fazer da Ajuda Pública ao Desenvolvimento um dos instrumentos da sua política externa na promoção e apoio ao desenvolvimento mais equilibrado e sustentado das diferentes regiões onde a exiguidade de recursos e a fragilidade das condições de vida mais constitui fator de instabilidade, deslocação e movimento de populações de modo desregulado e inseguro. Em direção às regiões de maior segurança e prosperidade. É a razão por que é incompreensível esta decisão da nova administração dos EUA de extinguir o seu maior programa de apoio ao desenvolvimento, o USAID.

Além dos riscos humanitários (Stephen Morese) e democráticos, há também os riscos de este vazio ser preenchido por quem propõe uma ordem internacional diferente daquela que conhecemos desde a II Guerra Mundial (Joshua Kurlantzik).

É, pois, um tema que merece a nossa melhor atenção e o nosso maior compromisso cívico.

Deputado do PS//Escreve quinzenalmente no SAPO