Decorria o ano de 2011, Portugal enfrentava uma das mais graves crises económicas da sua História, com a necessidade urgente de reduzir drasticamente a despesa pública. Como parte do acordo com a Troika, composta pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Central Europeu (BCE) e Comissão Europeia, o país comprometeu-se a implementar diversas medidas para restaurar o equilíbrio financeiro e garantir uma saída célere da crise. Algumas dessas medidas eram de carácter transitório, como a suspensão de feriados para aumentar a produtividade, ou os polémicos cortes em salários e prestações sociais que o Partido Socialista negociou; outras, porém, teriam um impacto estrutural profundo, alterando a organização do Estado e a coesão territorial, como foi o caso da reforma de agregação de freguesias, implementada em 2013.

Antes da reforma, Portugal contava com 4.259 freguesias, um número considerado excessivo face às dimensões e recursos limitados do país. A proposta era reduzir esse número, promovendo uma maior eficiência administrativa e poupando recursos públicos. Como resultado, o número de freguesias foi reduzido em 27%, passando para 3.092 freguesias. Embora ainda elevado, esse ajustamento visava tornar os órgãos administrativos mais eficazes. As freguesias não desapareceram, apenas foram agregadas, dando origem às denominadas Uniões de Freguesias.

Por muitos anos, esta reforma territorial parecia ser um tema encerrado, sem grandes polémicas ou debates públicos. No entanto, surpreendentemente, o assunto voltou à agenda política com o actual governo propondo a desagregação de 132 freguesias, transformando-as em 296 novas freguesias. Propostas semelhantes já haviam sido feitas e rejeitadas anteriormente, mas agora foram aprovadas. Este retorno ao debate levanta questões essenciais sobre a coesão territorial, os critérios para aprovação das desagregações em questão, muitas vezes opacos, o impacto nas finanças públicas e até a ética de uma decisão tomada em ano de eleições autárquicas, sabendo que a sua aprovação gerará mais postos de trabalho públicos ,um ambiente onde muitos políticos iniciam a sua carreira.

Um dos principais argumentos dos defensores da desagregação é o papel social que as Juntas de Freguesia desempenham em regiões de baixa densidade populacional. No entanto, esse critério não parece ser consistente, uma vez que a proposta inclui freguesias de Concelhos densamente povoados. Por exemplo, no Concelho de Sintra, no distrito de Lisboa, a freguesia de Queluz e Belas, que será desagregada, é a oitava mais densamente povoada do país, com cerca de 52 mil habitantes. Por outro lado, a União de Freguesias de Almargem do Bispo, Pêro Pinheiro e Montelavar, com cerca de 17 mil habitantes, também está na lista de desagregações.

Este não é, portanto, um reajuste para corrigir falhas em áreas remotas onde a Junta de Freguesia ainda desempenha um papel social importante, mas sim uma reversão completa da reforma territorial de 2013. A pressa dos deputados, que organizaram o calendário no Parlamento para garantir que o processo de união de freguesias seja revertido até Março ,seis meses antes das eleições autárquicas ,e sem possibilidade de ser bloqueado por lei, é um sinal alarmante de que o único propósito desta medida é a criação de mais cargos públicos. Se esse não for o caso, então podemos concluir que o processo está a ser conduzido de forma questionável.

É importante recordar que as Juntas de Freguesia possuem uma autonomia extremamente limitada. As suas competências restringem-se a pouco mais do que a gestão de espaços verdes, cemitérios e à emissão de documentos administrativos. Embora desempenhem um papel de proximidade, as suas funções têm um impacto estrutural reduzido na vida das populações e não justificam, por si só, a sua existência. Num momento em que o país precisa urgentemente de uma reforma territorial de maior escala, focada na descentralização e na regionalização, o retorno à fragmentação das freguesias representa um retrocesso. A regionalização, frequentemente ignorada pelos governos e pouco valorizada pela população, é uma solução que poderia trazer benefícios económicos e administrativos substanciais, conforme demonstrado por inúmeros estudos. No entanto, é paradoxal que os mesmos defensores da desagregação das uniões de freguesia, à exceção da IL que votou contra na Comissão, rejeitem a regionalização, uma reforma que proporcionaria ao território português uma organização mais eficiente e competitiva.

A proposta de desagregação, ao invés de resolver problemas, ironicamente torna-os evidentes, demonstrando que tudo depende da vontade política de Lisboa.

Reverter a reforma de 2013 sem um debate sério e com critérios duvidosos é uma decisão que precisa de uma fundamentação sólida e coloca em risco a racionalidade das políticas públicas. Mais do que multiplicar estruturas administrativas, Portugal precisa de pensar estrategicamente na coesão territorial, rejeitando qualquer retrocesso que vise aumentar o tamanho do Estado, e assegurando que os recursos sejam alocados de forma eficiente e eficaz para responder às reais necessidades das populações.

Conclui-se que em Portugal não é fácil reformar o Estado e quando acontece uma tentativa de o fazer, a intenção não é uma melhoria, mas sim a expansão do Estado e acontece claro, da forma mais discreta possível.

Coordenação do movimento Ladies of Liberty Alliance - Portugal e Fellow Young Voices Europe