A liberalização do transporte aéreo nos Açores ocorreu tardiamente, em 2015, muito depois da Madeira, e ainda não resolve todos os desafios enfrentados pelos açorianos. Além disso, a recente imposição de um teto máximo no subsídio de mobilidade impõe novas limitações. É necessário abrir progressivamente novas rotas a companhias aéreas low cost, permitindo mais opções para os residentes.
O governo nacional estabeleceu um teto máximo de €600 para o subsídio de mobilidade dos residentes dos Açores, com o intuito de evitar abusos. À primeira vista, a medida pode parecer justa, mas ao analisá-la mais atentamente, podemos questionar a legitimidade de o governo português para limitar este subsídio, tendo em conta que tem colocado obstáculos à liberalização do setor aéreo no arquipélago, por meio das Obrigações de Serviço Público (OSP).
De facto, as OSP desempenham um papel relevante ao assegurar a conectividade entre as ilhas mais remotas, como as do Grupo Ocidental, e com o continente, especialmente em rotas com procura reduzida. No entanto, este modelo simultaneamente impede a concorrência direta, o que limita o potencial de inovação e de melhorias no serviço. Embora as OSP garantam a mobilidade para todas as ilhas, isto implica um mercado restrito que impede a entrada de companhias privadas que poderiam trazer alternativas mais económicas e frequências adicionais em algumas rotas.
Foi apenas em 2015, durante o governo de Pedro Passos Coelho, que o arquipélago viu alterada a sua regulamentação do espaço aéreo, permitindo a entrada de companhias low cost em rotas como Lisboa-Ponta Delgada ou Lisboa-Terceira. Esta mudança pretendia, sobretudo, aumentar o turismo na região e aliviar os custos de transporte para os residentes, considerando que até essa data os preços das passagens aéreas eram exorbitantes. Recorde-se que a liberalização do espaço aéreo na Madeira aconteceu em 1990.
Apenas um ano após a liberalização, o número de dormidas nos Açores aumentou significativamente: Em 2013, a região registava cerca de 1,1 milhões de dormidas, número que subiu para 1,3 milhões em 2015, o ano da liberalização. Em 2018, este número sobe para 2,1 milhões e, em 2019, mais de 2,2 milhões. Podemos apenas imaginar os avanços económicos que a região teria alcançado se a esta abertura ao mercado tivesse acontecido mais cedo.
Infelizmente, a liberalização total não é uma realidade e, apesar de as OSP garantirem a conectividade entre as ilhas mais remotas, a sua existência também bloqueia a concorrência em rotas menos procuradas. Isto mantém os preços artificialmente elevados, limita a capacidade de inovação e melhoria no serviço prestado. Mesmo em rotas de grande procura, como Lisboa-Ponta Delgada, onde as companhias low cost começaram a operar após 2015, as ligações inter-ilhas e para as ilhas mais remotas continuam a depender da operação monopolista da SATA. Esta situação gera falta de opções reais para os residentes e mantém os preços elevados, que dificultam a mobilidade e o desenvolvimento económico das ilhas.
O caso das ilhas Flores e Corvo, no Grupo Ocidental, ilustra os desafios da mobilidade aérea na região. Estas ilhas têm mobilidade limitada, dependem exclusivamente da SATA para as conexões regulares com outras ilhas e sofrem com a reduzida capacidade das aeronaves bem como com os impactos das condições meteorológicas, quando são adversas. Isto gera frustração entre os residentes já que tem impactos na sua vida, muitas vezes para satisfazer necessidades a nível laboral ou de saúde, e tem também um impacto negativo no turismo, que depende de uma conectividade eficaz.
Apesar dos desafios, a questão da mobilidade nos Açores não pode ser dada por encerrada. Nascer nos Açores não pode significar ser condenado à emigração forçada ou a um isolamento perpétuo. É crucial considerar a implementação de um modelo híbrido, mantendo as OSP apenas para rotas essenciais, como a que liga o Corvo, mas liberalizando gradualmente outras rotas de menor procura. Esse modelo criaria um ambiente competitivo, capaz de atrair investimentos de companhias privadas, impulsionar o crescimento económico e garantir que nenhuma ilha fique para trás no que diz respeito à conectividade.
Por fim, é essencial que qualquer mudança seja feita de forma estratégica, baseada em estudos aprofundados sobre a viabilidade económica e social das alterações propostas. Uma liberalização parcial, mas mais abrangente que a atual, bem regulamentada, pode ser a chave para encontrar o equilíbrio entre garantir a acessibilidade para os residentes e fomentar o desenvolvimento do potencial turístico e económico dos Açores.
Os Açores já provaram ser uma região resiliente, capaz de se adaptar à modernidade. Um exemplo conhecido foi a transformação da caça à baleia em atividades sustentáveis, como a observação de cetáceos, que se tornou um dos pilares do turismo no arquipélago. Esta capacidade de reinvenção demonstra que, com visão e planeamento, os Açores podem superar desafios e transformar as oportunidades em benefícios concretos para toda a região, mas é preciso terem liberdade.
Enquanto o mercado continuar a ser restringido, não é aceitável que haja um teto para o subsídio de mobilidade, desconsiderando as emergências e as limitações da oferta. Esta ação condena os açorianos pela falta de visão do executivo e parece sinalizar antipatia pela autonomia regional. Chegou o momento de repensar o futuro do transporte aéreo nos Açores, garantindo que a liberalização seja o mais abrangente possível e que os residentes não continuem a ser penalizados pelas limitações do subsídio de mobilidade. As políticas adotadas devem conciliar o direito à mobilidade, o crescimento económico e, evidentemente, a sustentabilidade ambiental das ilhas que as torna únicas no mundo.
Coordenação do movimento Ladies of Liberty Alliance - Portugal e Fellow Young Voices Europe