"O primeiro passo de uma Nação para aproveitar as suas vantagens é conhecer perfeitamente as terras que habita, o que em si produzem, o de que são capazes."
Memória Económica
Abade Correia da Serra

(Estratégia) Quer dizer do longo prazo. A economia não só ao serviço do cidadão, mas da Nação. Ao serviço de uma ideia política. Um meio, e não um fim.

Por tudo isto a discussão que ora passa sobre a economia parece pequenina e redutora. Gira à volta, normalmente, de um problema de tesouraria, a que a trafulhice nos negócios, a corrupção política e a desregulação dos costumes obrigam, pelo descalabro financeiro que não raras vezes provocam.

Em três pinceladas, parece-nos que aconteceu assim: Até D. Dinis acrescentou-se o reino, colonizou-se a terra e caldeou-se a gente. Até D. Fernando equilibrou-se as contas e desenvolveu-se a economia à moda da altura e foi-se consolidando o mar, que é a nossa fronteira da liberdade, jornada de oportunidades e campo aberto para o desenvolvimento. Opções estratégico-dinásticas mal calculadas e liderança deficiente geraram três guerras desastrosas com Castela, conflitos civis e crise sucessão. Os cofres ficaram vazios pela primeira vez.

Desta primeira grande crise com que a Nação foi confrontada, saiu esta reforçada e percebeu-se que havia “muro no reino de Castela”. E foi-se para o mar procurar apoios que nos faltavam em terra e combater a moirama, que um projeto político-religioso de origem templária potenciava e as riquezas e conhecimento da Ordem de Cristo permitiam.

Até ao reinado de D. Manuel I não parámos de nos expandir e as contas equilibravam-se. O açúcar da Madeira – essa primeira “especiaria” – a malagueta, o ouro e os escravos da Costa da Mina e depois as especiarias do Oriente e também a própria produção da Metrópole (sal, frutos, peixe, couros, panos, etc.) equilibravam o deve com o haver. O dispositivo aguentava-se devido à superioridade técnico-tática, de construção naval, de navegação e de armamento que os portugueses dispunham. E à sua natural habilidade em tratar com outros povos, religiões e culturas.

Só com o Islão e os Turcos havia guerra permanente pois estes estavam em luta contra a Cristandade. Sem embargo, estendeu-se demais o dispositivo, não se completou a colonização do Além Tejo e descurou-se a agricultura e as manufaturas metropolitanas.

A partir de D. João III entrámos em crise económica e financeira grave, que só vai ser resolvida a partir do reinado de D. Pedro II, após a descoberta de grandes quantidades de ouro e pedras preciosas no Brasil. E dá-se a segunda grande reorientação estratégica nacional: consolidação possível no Oriente; contenção no Norte de África, que era grande sorvedouro de dinheiro e vidas (abandono de praças, guerra defensiva) e início do desenvolvimento do Brasil. No entanto, agravou a situação, a guerra de corso que as nações do Norte da Europa nos passaram a fazer bem como a cisão na Cristandade causada pela Reforma que abalou a autoridade do Papa (a principal fonte do Direito Internacional da altura e nos arranjou mais inimigos).

A crise da sucessão após a derrota de Alcácer Quibir, acompanhada de grave crise financeira e da traição de parte do alto clero e nobreza fizeram baquear a nação ao assalto imperialista espanhol. Os 60 anos de “Monarquia Dual”, cujo cetro estava em Madrid, foram de declínio geral, gorando as expectativas, de quando em vez renovadas de aumento de prosperidade e poderio, com a união política da Península Ibérica.

Herdámos os inimigos da Espanha, e passámos a ser atacados por todo o lado; a aventura da Armada Invencível, levou-nos o melhor da Marinha, o comércio definhou, a Inquisição limitou fortemente a liberdade das ideias e o desenvolvimento cultural, perdeu-se o avanço tecnológico de que dispúnhamos e os portugueses acabaram esmagados com requisições militares e impostos. Em 1640, o reino estava exangue. Os 28 anos de guerra que se seguiram foram muito duros. A economia só se começou a recompor no fim do século XVII.

Até 1822, vivemos de e para o Brasil e fizemos um país que ainda hoje é dos maiores do mundo. Não foi obra pequena e até às invasões francesas Portugal gozava de um estatuto de média potência no mundo. Mas o sonho napoleónico e as ideias liberais que os franceses transportavam na ponta das baionetas, destruíram o país nos cem anos seguintes. E ainda hoje se fazem sentir as suas consequências.

As três invasões mataram cerca de 10% da população; destruíram vilas e cidades e obras de arte e talaram os campos. Seguiu-se a Revolução Liberal e a Guerra Civil entre Liberais e Miguelistas que se prolongou, na prática, até 1851, Portugal falhou a I e a II Revoluções Industriais. Sem o Brasil e com a indústria destruída e o setor primário em cacos, a crise financeira instalou-se e com ela a colonização inglesa cujo embaixador chegou a ter assento no conselho de ministros...

O que restava do Ultramar acompanhou a decadência. Na segunda metade de oitocentos, certa acalmia política permitiu a recuperação financeira, a criação de bancos e já para o fim do século a instalação de pequenos nichos industriais de que o exemplo mais conseguido é a criação da Companhia União Fabril, no Barreiro. O desenvolvimento da rede viária e ferroviária relançou parte da agricultura que assim podia escoar os seus produtos. A estabilidade política e financeira permitiu ainda reforçar minimamente o Exército e a Marinha o que conjuntamente com a diplomacia, conseguiram salvar o essencial dos territórios em África, cobiçados pela generalidade das potências coloniais.

Mas a luta política exacerbou-se a partir dos anos 90 o que acompanhado por outra crise financeira grave, colocou o país em acelerada convulsão social. Era agora a própria Monarquia que estava em causa. A República surge em 1910, fundada num crime (o assassinato do Rei e do herdeiro da coroa, em 1908 – de dolorosas repercussões) e de uma revolução onde poucos quiseram combater e que até hoje não foi referendada pelo povo português.

Se o fim da Monarquia gerou a desordem política, social, financeira e económica, a República ampliou-a. No meio de inúmeras dificuldades quis-se precipitar o país na voragem da I Grande Guerra onde combatemos, não numa, mas em quatro frentes! A questão religiosa que medrava desde 1820 e se agravara drasticamente com a extinção das ordens religiosas, em 1834, conhecia novo surto de anticlericalismo, que agravou ainda mais as relações entre os portugueses.

As Forças Armadas resolveram intervir de uma forma mais coordenada do que tinham feito até então, salvando o país de si mesmo. Estávamos em 1926. Mas obtido o Poder não sabiam o que fazer exatamente com ele. Faltava-lhes uma política e uma doutrina. Apareceu então um homem que tinha ambas e chamado a pôr ordem nas finanças, conseguiu-o com grande eficácia e rapidez. O povo e os políticos resolveram então deixá-lo pôr em prática as suas ideias. O homem parecia que sabia o que queria e para onde ia. Chamava-se António de Oliveira Salazar.

Com as finanças em ordem e ordem nas ruas, foram saneados todos os sectores da vida nacional, “descolonizada” a nação (Ultramar incluído), culturalmente dos franceses e economicamente dos ingleses; política firme, ação diplomática exemplar e reforço das Forças Armadas, influenciaram decisivamente a guerra de Espanha para o lado dos interesses nacionais e impediram a Espanha, até 1974, de representar qualquer ameaça para Portugal; garantiram a neutralidade (colaborante) na II Guerra Mundial e a entrada na NATO, em 1949 e na EFTA, em 1960, e outros organismos internacionais.

O povo português (e isso é talvez a maior obra do Estado Novo), tinha reganhado novamente a confiança em si mesmo e nos destinos da Pátria: Portugal tinha ganho jus ao respeito internacional enquanto durante 20 anos se tinham melhorado sistematicamente todas as infraestruturas de transportes, portos, aeroportos, energia, etc. O país estava agora pronto para se lançar pela primeira vez na sua longa história, num desenvolvimento sustentado em termos modernos. Foi isso que aconteceu com o I Plano de Fomento. Corria o ano de 1953 e ia começar, verdadeiramente, o lançamento da indústria em Portugal. Não se andava muito depressa mas andava-se com segurança e independência. E com sustentabilidade – que é um termo fundamental.

A agitação política entre 1958 e 1962 que o extraordinário ataque montado à escala mundial, pelo mundo marxista e terceiro-mundista, acolitado pela administração Kennedy e uns falsos anticolonialistas europeus, contra a presença política portuguesa fora do continente europeu, potenciava, veio perturbar o modelo português de desenvolvimento. Mas serenados os espíritos, as campanhas militares desenvolvidas na defesa do património lusíada, longe de prejudicarem a economia, puseram-na em movimento uniformemente acelerado, registando-se no Ultramar um desenvolvimento nunca visto nos últimos quatro séculos e pondo a economia metropolitana a crescer 7% ao ano. Estava em marcha o mercado comum português.

Os eventos decorrentes do golpe de Estado ocorrido em abril de 1974 inviabilizam tudo isto e impuseram um corte com o passado. Sobretudo com a memória do passado. A Comunidade Económica Europeia (CEE) aparecia então aos olhos dos novos senhores do Poder (que de facto, mal o exerciam...), ignaros da História Pátria e das Relações Internacionais, como tábua de salvação, a terra prometida. Mas 10 anos de desatinos político-sociais delapidaram os recursos existentes, provocaram a emigração de quadros válidos e sabotaram todo o tipo de autoridade, sem a qual nada é possível efetuar. Mais, têm condenado as futuras gerações à ignorância militante e à subversão dos princípios, através do despudorado aviltamento do ensino, do ataque à família tradicional e da subversão das referências morais.

Entrámos, pois, na CEE, em péssimas condições, sem tomar precauções que o bom senso impunha e sem preparar devidamente o trabalho de casa. Não éramos embarcação com timoneiro e rumo certo, fomos náufragos levados pela corrente. Mesmo assim o país embandeirou em arco e deitamo-nos à sombra das patacas, deixando que, pacatamente, nos impusessem todas as regras, fossem destruindo o aparelho produtivo e nos retirem a pouco e pouco pedaços de soberania. Os muitos milhões que vieram sumiram-se, dando sustento (nem sempre lícito), a muita gente – que será efémero, pois se esqueceu a palavra sustentação...

Restam vias de comunicação e infraestruturas que, por ironia do destino e imprevidência doméstica vão sobretudo beneficiar os nossos concorrentes (os bem aventurados, dizem que deixou de haver “inimigos”), já que servem para estes produzirem e colocarem os produtos deles mais baratos no mercado português, ajudando a assim asfixiarem as empresas nacionais que restam e cujos níveis de produção deixam muito a desejar (além de que a miríade de greves são um factor disruptivo permanente).

Os fundos europeus vão diminuir e acabar e perante a enormidade do sinistro ninguém agora sabe o que fazer, pois ninguém quer admitir que cometeu erros, ninguém tem coragem de refundir estratégias (melhor dizendo, impor uma estratégia), bater o pé ao estrangeiro e pôr os portugueses a trabalhar e fazer sacrifícios. Aliás toda a gente tem direito a tudo e não tem dever a nada! Começa na Constituição...

No meio de todas as grandes teorias económicas que poucos sabem explicar de modo a que o vulgo perceba, e cuja aplicação pelos vistos ninguém (no mundo) consegue efetivamente controlar, existem uns princípios simples de economia familiar que não seria despiciendo relembrar, como seja: não gastar mais do que se ganha; só se distribuir o que realmente se produz; não contar com o ovo no “sim senhor” da galinha; não querer ter em simultâneo, sol e na eira e chuva no nabal; não criar dívidas para além do que se possa vir a pagar; não querer ganhar tudo já amanhã; manter a equidade nas relações de trabalho, etc., que são de sempre e às vezes vale mais do que uma tese de doutoramento. E não viver da dívida.

Resumindo e em conclusão: nos grandes ciclos da sua já venerável História como povo individualizado no concerto das nações (e este sendo o objetivo político número um, deve ser objetivo superior da estrutura económico-financeira), pode detetar-se uma falha primordial no tecido económico nacional e que é esta: as sucessivas gerações de portugueses e seus responsáveis políticos não conseguiram implantar nas diferentes épocas um modelo mínimo de sustentabilidade económica que criasse mais-valias para o futuro. E não temos sabido aproveitar as oportunidades que a roda da História nos tem oferecido: foi assim que desperdiçámos as especiarias do Oriente; o ouro do Brasil; as riquezas de África e agora os fundos da União Europeia.

É claro que o país andou quase sempre em guerra e tal facto (sobretudo as guerras civis), não é propriamente vantajoso para a economia. Houve tentativas de cortar este ciclo vicioso. Estamos a lembrar-nos da ação clarividente do Rei D. Dinis; da ação ponderada e judiciosa de D. João II; da tentativa de industrialização do Conde da Ericeira e do Marquês de Pombal; da ação modernizadora de Fontes Pereira de Melo e da ciclópica ação dos sucessivos governos do Professor Salazar (hoje tão mal avaliados) que retiraram o país da “apagada e vil tristeza” em que se encontrava.

Mas tudo isto sofreu constantemente soluções de continuidade e se, do anterior, desde o século XV o Portugal do “Minho a Timor” possuía profundidade estratégica, para melhor cumprir, recuperar dos erros dos homens, dos revezes da natureza e da cobiça alheia, agora estamos reduzidos a 90.000 km2 descontínuos e com muito mar de permeio. Não há margem para mais asneiras. E continua a não haver almoços grátis.

Seria talvez útil meditar em tudo isto profundamente e deixar o futebol, por exemplo, e por uma vez, ocupar o espaço a que tem direito. E só esse.

Oficial Piloto Aviador (Ref.)