"A um vilão peco não há coisa que lhe não pareça que fará
e, por fim, não faz"
D. João II

A “caixa de Pandora” é um mito grego que narra a chegada da primeira mulher à terra e, com ela, a origem de todas as tragédias humanas. A história foi contada pelo poeta Hesíodo, no Século VIII a.C. O titã Prometeu tinha presenteado o homem, com o dom do fogo para este poder dominar a natureza. Zeus, o chefe dos deuses do Olimpo, havia proibido a entrega desse dom aos homens e decidiu vingar-se criando Pandora, a primeira mulher. Antes de a enviar à terra entregou-lhe uma caixa recomendando-lhe que jamais fosse aberta, pois dentro dela os Deuses haviam colocado um conjunto de desgraças para o homem, como a guerra, a discórdia, e todas as doenças do corpo e da mente e um único dom: a Esperança. Vencida pela curiosidade (não fosse ela mulher) Pandora acabou por abrir a caixa libertando todos os males do mundo, mas fechou-a a tempo de a Esperança não poder sair…[1]

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Fala-se muito em “Esperança”, “ter esperança” e “dar esperança”. Parece-me um bom tema para o ano que já começou. Tenho sido incentivado por pessoas de boas intenções a, naquilo que escrevo ou quando “em falas alargadas”, terminar sempre com uma mensagem de esperança. Por outros, tenho sido muito criticado por não o fazer o que me vale, nos mais atrevidos, ser apelidado de “catastrofista” e outros mimos afins. É possível que tenham razão embora, confesso, apenas tento ser realista. Mas como tudo parece ser subjetivo…

Permito-me, com vossa licença, lucubrar, um pouco, sobre a questão. A “Esperança” é uma virtude teologal, mas não creio que seja esta a esperança a que o comum dos mortais se refere.[2] A “Esperança”, neste âmbito, é algo transcendental, uma escora religiosa, a espera de um ato ou recompensa divina. É um amparo espiritual mais do que psicológico. Ora a esperança de que se fala no dia-a-dia é outra e o dicionário explica-nos: “o ato de esperar”; “expectativa”; “probabilidade”; “confiança em obter o que se pretende”. [3]

Creio, pois, que é esta última frase que consubstancia aquilo que as pessoas entendem quando falam de esperança. E tal tem, sobretudo, um carácter social, profissional, estratégico, etc., logo político. No fundo o que querem que seja é um “esperançoso”, ou seja aquele que dá ou tem esperança – um “prometedor”.

Eu nasci noutro país e, por meados da minha existência, só tenho visto, com raríssimas exceções, fazerem-se asneiras. Das grossas! A coisa além de estar longe de ser parada e invertida vai a caminho de ficar bem pior. Por tudo isto que esperam que espere? E ter “esperança” é esperar… sentado?

A Esperança decorre (ou deve decorrer) daquilo que nós estamos dispostos a fazer para mudar uma situação que não é boa, não no que esperamos que os outros façam. Por isso cuidado: dar sinais de esperança não deve ser tentar transferir o que desejamos que aconteça para outros o fazerem. Nesse caso a esperança transforma-se em quimera e, depois, em desesperança…

Os políticos (com “p” minúsculo) e os vendedores de banha da cobra, não dão esperança: tentam passar falsas esperanças. Desse modo passamos apenas a ter a existência pontuada por suspiros do “vamos a ver se é desta”, ou do “ agora é que vai ser”… E depois, quando tudo vai falhando, ficamos com esperança em quê? No D. Sebastião, que há de voltar, porque deixámos perder o Reino? No Marquês de Pombal? No Salazar? Noutro que há de vir? Em quem ou em quê? Num milagre de Fátima? Talvez emigrar?

Isto é apenas sintoma (sem retirar o crédito e valor às grandes figuras da História), de menoridade cívica e de incompetência na organização da sociedade e em estabelecer as linhas mestras que orientem um destino comum. É certo que todas as pessoas necessitam de bengalas psicológicas para melhor viverem e têm de acreditar em algo que os motive para além de irem ao supermercado. Mas a verdadeira Esperança só nasce e se mantém vivaz com ações consentâneas com o “Ser” em vez do “Estar”. De outro modo, existirá apenas uma esperança balofa e uma ilusão. E não parece haver nada pior do que vender ilusões (mesmo no amor: “mente-me mas faz-me feliz…”), que é o que a generalidade dos políticos, independentemente dos regimes onde professam, faz para ganhar votos.

Eu prefiro não ganhar votos, mas manter-me verdadeiro. É essa, também, a minha esperança (também não sou político). A Esperança não pode, deste modo, ser desligada do quotidiano mas só fará sentido se estiver ligada à virtude teologal, pois sem Esperança a vida perde o significado.

Resta acreditar no que não se vê e esperar contra toda a Esperança. Só assim a Esperança será a grande consoladora. Tenham um bom ano.

Escrito hoje, no ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, de 2025, dia em que me encontrava mais pachorrento.

Oficial Piloto Aviador (Ref.)

[1] Noutra versão Pandora foi enviada por Júpiter com a intenção de agradar ao homem. Entregou-lhe, então, uma caixa em que cada Deus colocou um bem. Pandora abriu a caixa e os bens escaparam exceto a Esperança.
[2] Da trilogia “Fé, Esperança e Caridade”
[3] “Dicionário da Língua Portuguesa”, Eduardo Pinheiro, Livraria Figueirinhas, Porto.