No dia 30 de outubro de 1938, pelas oito da noite, Orson Welles e a companhia de teatro “The Mercury Theatre”, entraram pelas rádios dos norte-americanos adentro, relatando que marcianos tinham aterrado algures em New Jersey e que não vinham com boas intenções. Foi "o drama, o horror a tragédia", mas felizmente não "morreram todos!", pois era apenas uma adaptação radiofónica de A Guerra dos Mundos, de H.G. Wells. Uma pantomina para o Dia das Bruxas.

No entanto, consta que o pânico se instalou, havendo até pessoas que morreram de ataque do coração. Pelo menos, foi o que os jornais contaram na manhã seguinte. Anos mais tarde, algumas investigações sobre o tema mostraram que talvez não tenha sido tão dramático e que a lenda se tenha devido mais às parangonas dos jornais do que ao que efetivamente aconteceu. Mais, apenas um terço das pessoas que tinham entrado em pânico (dado que houve muita gente a quem isto passou ao lado) é que realmente imaginou marcianos a entrarem-lhe pela porta. O resto imaginou coisas mais plausíveis, como o medo bastante real que pairava naqueles anos: uma invasão nazi[1].

Uma coisa é certa, este episódio marcou a história da comunicação para sempre. É muitas vezes dado como o primeiro grande episódio de fake news.

E o que é que tudo isto tem a ver com comunicação de agricultura? Talvez tenha alguma coisa.

Poderia falar da questão do contexto e da importância de se conhecer o público para quem comunicamos (que raramente é o que idealizamos). Provavelmente esta transmissão radiofónica não teria tido o mesmo impacto se na altura não existisse o medo de uma guerra iminente.

Perceber o contexto e as expectativas daqueles para quem comunicamos é crucial. Se não investirmos tempo em tentar conhecer quem está do outro lado e o que é que os preocupa, aquilo que dizemos ou cai "em saco roto" ou pode ter um efeito inesperado.

Podia também falar da questão da desinformação, um problema gravíssimo com que nos debatemos nestes tempos estranhos, e que foi neste ano novamente assinalado pelo World Economic Forum[2] como um dos maiores riscos globais. Uma ameaça que nos lembra que comunicar não pode ser visto apenas como uma oportunidade para partilhar pontos de vista, mas, acima de tudo, como um ato de responsabilidade social.

Mas o que eu acho mesmo engraçado é a ironia de haver dois mundos em guerra.

A ideia de existirem dois mundos diferentes — o rural e urbano — não é nova, remontando, pelo menos, ao tempo dos romanos. À agitação e modernidade da "urbe" opor-se-ia o lirismo e a pureza do campo. Sem dúvida que os modos de vida e identidades destes dois mundos são diferentes. Mas será que faz sentido esta divisão profunda num país onde muitos dos urbanos terão uma avó ou bisavô nascidos no campo? E onde muitos dos que vivem no "mundo rural" têm algum familiar que tenha vindo trabalhar ou estudar para a cidade? Das duas, uma: ou Portugal é um país de famílias desavindas, que só se falam se viverem na mesma rua, ou talvez haja aqui algum reforçar de trincheiras — que de ideológico tem muito, mas de real terá um pouco menos.

O medo de que homenzinhos verdes de antenas nos invadam o nosso estilo de vida (que é sempre disto que se trata) faz parte da nossa existência. Mas o engraçado é que esses "homenzinhos verdes" se calhar também se sentem ameaçados pelos "homenzinhos terráqueos". Comunicar bem é também perceber isto e procurar semelhanças, com o mesmo empenho com que dissecamos diferenças e incompatibilidades. E o episódio de 1938 recorda-nos que na ausência de um chão e linguagem comuns, a única coisa que nos fica é o medo. E esse, uma vez lançado, ninguém consegue controlar.

[1] “Broadcast Hysteria: Orson Welles’s ‘War of the Worlds’ and the Art of Fake News” - Brad, A. Schwartz.

[2] https://www.weforum.org/publications/global-risks-report-2025/

Consultora em Comunicação das Ciências Agrárias e Extensão Rural