Escrevi sobre este fenómeno político, em 2024, num artigo em inglês para o The Times of Israel, mas agora que se observa idêntico fenómeno em Portugal parece-me adequado voltar ao assunto.

A ascensão da extrema-direita é um fenómeno global que se alimenta da desilusão com o centro político e da sensação de abandono vivida por largas camadas da população. De Trump a Bolsonaro, de Le Pen a Milei, a radicalização floresce onde a democracia representativa se mostra incapaz de se renovar e responder às ansiedades sociais. O centro, ao invés de se reinventar, fecha-se sobre si mesmo, optando por soluções tecnocráticas e pouco transparentes que só aprofundam o afastamento entre governantes e governados.

Um exemplo recente foi a escolha de Kamala Harris como candidata presidencial democrata nos EUA, após a desistência de Joe Biden. Harris não passou por primárias, nem conquistou apoio popular orgânico — a nomeação da personagem mais desqualificada de sempre para a presidência dos Estados Unidos foi decidida por elites partidárias, deslegitimando ainda mais o processo democrático aos olhos dos eleitores. Quando o centro se recusa a submeter-se ao escrutínio popular e age como se o poder lhe fosse devido, cede terreno à narrativa populista de que só os "outsiders" podem representar o povo.

Pedro Nuno Santos agarrou-se ao centrismo de António Costa nas últimas eleições, apresentando-se como herdeiro natural da continuidade e da moderação. Mas agora que tem o poder de constituir as listas de deputados à sua imagem, a face real do novo líder do PS, que outrora apoiou a candidatura de Ana Gomes à Presidência da República, começa a emergir — e o contraste não podia ser mais gritante. O Partido Socialista, que foi pilar do centro político português, está a ser reconfigurado para disputar eleitorado ao Bloco de Esquerda e ao PCP, deixando para trás o pragmatismo e o equilíbrio que o caracterizavam.

O lamentável discurso de Pedro Nuno Santos em Guimarães, em Junho de 2024, sobre o eventual reconhecimento do Estado da Palestina é um dos reflexos desta guinada ideológica. Proferido após os atentados de 7 de Outubro de 2023 — um massacre brutal perpetrado pelo Hamas — o discurso não só ignorou as vítimas civis como se transformou numa espécie de recompensa política a um grupo terrorista. Este  reconhecimento veio a reboque de decisões tomadas por países como a Espanha e a Irlanda, cuja hipocrisia é flagrante: só em 2024, de acordo com o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Irlanda, o comércio entre a República Irlanda e Israel ultrapassou os 4 mil milhões de euros, sobretudo no sector tecnológico. A retórica moral contrasta com a prática comercial — e o PS acha que Portugal deve seguir o mesmo caminho embora não tenha a mesma estrutura económica.

Esta deriva política ganha contornos ainda mais evidentes com a inclusão de Eva RapDiva (Cruzeiro) nas listas do PS. Conhecida pelo seu apoio explícito à causa do Hamas, a rapper foi colocada num escandaloso oitavo lugar na lista de Lisboa, garantindo praticamente a sua entrada no Parlamento. A nomeação foi justificada com argumentos de diversidade e inclusão — DEI (Diversity, Equality, Inclusion) — mas sem qualquer critério de competência ou experiência política. O resultado imediato foi a saída de quadros experientes e respeitados, como Sérgio Sousa Pinto, revelando o profundo mal-estar dentro do partido.

Pedro Nuno Santos está a transformar o PS num veículo de agendas identitárias e ideológicas radicais, abandonando a via do consenso e da responsabilidade. O apelo ao simbolismo político substituiu o mérito, e a cedência a causas externas e polarizadoras está a minar a confiança no partido como força de governação. O PS, que durante décadas se equilibrou entre idealismo e pragmatismo, parece agora determinado a abandonar o centro ao centro-direita de Montenegro e o bom senso à extrema-direita do Chega. A escrita está na parede — e é escrita com tinta ideológica, não com responsabilidade democrática.

Quando a extrema-direita cresce, o mérito não é apenas dela, mas também dos partidos democráticos que abdicam do seu papel de mediação e responsabilidade. Ao abandonar o centro e ao ceder ao populismo simbólico, como o PS de Pedro Nuno Santos tem feito, ficam órfãos os eleitores moderados e abre-se caminho à radicalização.