Sempre que é introduzida uma tecnologia disruptiva, as previsões repetem-se: vem aí o desemprego tecnológico. Os especialistas do seu tempo garantem logo que uma grande % dos empregos vão desaparecer, que a nova tecnologia em vez de uma oportunidade é uma ameaça a quem hoje trabalha. Foi assim no princípio do século XIX quando o movimento ludita, composto por artesãos têxteis ingleses, garantia que os teares mecânicos iriam acabar com os empregos no sector têxtil e deixar no desemprego milhares de artesãos ingleses. Hoje, apesar de termos máquinas bastante mais avançadas do que nessa altura, mais de 60 milhões de pessoas em todo o mundo trabalham no setor têxtil. O vestuário tornou-se um bem tão barato e abundante que um pouco por todo o mundo a classe média deita fora roupas que teriam feito as delícias dos nobres do tempo em que os luditas viveram.
Umas décadas mais tarde, nova ameaça: o comboio, o telégrafo e, mais tarde, o telefone iriam destruir empregos no setor dos transportes e telecomunicações. Cocheiros, mensageiros e carteiros temiam pelo futuro. Hoje há mais de 100 milhões de pessoas em todo o mundo a trabalhar no setor dos transportes e telecomunicações. Um Dalit na Índia pode enviar mais mensagens num dia do que a Rainha Vitória em todo o seu reinado de quase 64 anos.
Já no século XX, a ameaça surgiu com a computação e a automação de processos que ela permitiu. Em Setembro de 1960 o, na altura senador, John F. Kennedy avisou para a necessidade de agir rapidamente para resolver o “problema da automação” que ameaçaria milhões de americanos. Na altura, havia cerca de 65 milhões de pessoas empregadas nos EUA. Hoje, 65 anos depois, há mais do dobro das pessoas empregadas e muitos de nós temos nas gavetas telemóveis antigos com mais poder de computação do que o que foi necessário para enviar os primeiros homens à lua.
No princípio do século XXI foi a vez da internet que também iria roubar empregos e condenar os países a ter permanentemente elevadas taxas de desemprego. Vinte anos depois das primeiras previsões, os países desenvolvidos têm uma penetração de internet quase total e, no entanto, o grande debate não anda em torno do desemprego, mas sim da necessidade dos países desenvolvidos receber mão de obra estrangeira em setores onde há falta de pessoas disponíveis para trabalhar.
Chegamos a 2025, e agora é a vez da inteligência artificial. As ameaças de desemprego tecnológico já dominam a discussão pública sobre o assunto. Consultores e académicos vários voluntariam-se para calcular quantos empregos se irão perder nos próximos anos. Desta vez será diferente, garantem. A inteligência artificial irá mesmo substituir os seres humanos, ao contrário do que aconteceu de todas as outras vezes que essa ameaça apareceu.
Década após década, século após século, a cada inovação temos sempre a mesma ameaça: a tecnologia vai acabar com profissões e milhões ficarão sem emprego. Século após século, década após década, a cada inovação, os luditas de cada época falham sempre. Para ser justo, acertam metade da sua previsão: é mesmo verdade que muitas profissões desaparecem e outras diminuem bastante o número de empregados. Mas o número de empregos não para de aumentar. Nunca tivemos tantas tarefas automatizadas e nunca tivemos tantas pessoas no mundo a trabalhar como temos hoje.
Estas previsões falham sempre em perceber o fenómeno da tecnologia e automação. Sendo verdade que muitas profissões desaparecem com a tecnologia e outras reduzem as suas necessidades, também é verdade que a tecnologia cria novas profissões e faz crescer empregos noutras áreas. Os luditas falham em perceber que com o aumento da produtividade aumenta também a procura de bens e serviços tanto nos sectores afetados pela automatização como em todos os outros. Se as tarefas na agricultura nunca tivessem sido automatizadas, ainda hoje trabalharíamos todos para comer, como a humanidade fez em boa parte da sua existência. Nunca teríamos tido setores industriais ou de serviços de dimensão relevante. Se a indústria não tivesse sido automatizadas, nunca teríamos tido pessoas disponíveis para trabalhar, por exemplo, no sector da aviação. O setor da aviação continuaria a ser um pequeno nicho, um luxo de pessoas ricas, como era há apenas algumas décadas.
Os desejos dos seres humanos são infinitos. Qualquer um de nós consegue imaginar dezenas, centenas, de coisas que gostava de adquirir e não pode. Coisas que hoje são um luxo tão grande como eram os telemóveis há 30 anos, as viagens de avião há 40 ou os automóveis há 60 anos. A mão de obra libertada pela automatização trazida pela inteligência artificial, mesmo a mais qualificada, irá gradualmente deslocar-se para novos setores, levando-os a produzir mais, tornar esses produtos mais baratos e permitir que mais pessoas os possam adquirir. Simultaneamente, os produtos e serviços dos setores mais expostos à automatização ficarão também mais baratos permitindo às pessoas consumir mais desses e de outros produtos. Produzir e consumir mais com as mesmas (ou até menos) horas de trabalho não é a catástrofe que tantos gostam de anunciar. Pelo contrário, ao fenómeno de conseguir produzir mais com menos horas de trabalho dá-se o nome de desenvolvimento económico.
Escreve no SAPO quinzenalmente à terça-feira