Esta manhã, ouvi alguém afirmar que era desnecessária a "passadeira vermelha" que os media estenderam a um determinado líder político. É verdade! Mas, como é que se trava uma situação destas?
Os meios de comunicação têm a responsabilidade primordial de informar a opinião pública de forma factual e imparcial. Não lhes cabe selecionar o que pode ou não ser percebido como verdade; mesmo que quisessem realizar essa tarefa, não é fácil imaginar como o fariam.
No fundo, o que realmente conseguimos controlar é apenas o que dizemos e escrevemos. A interpretação que cada um de nós faz de um artigo ou a forma como absorvemos determinada informação é influenciada pelas nossas próprias experiências e perspetivas, e não pelo que gostaríamos que fosse verdade.
É evidente que figuras políticas envolvidas em situações controversas atraem incessantemente a atenção dos media. Este fenómeno resulta, por vezes, num ciclo de cobertura que acaba por empoderar vozes oportunistas que exploram a notoriedade.
Um exemplo recente é o caso de um dos dirigentes do Chega, cujas acusações de prostituição de menores não só foram amplamente noticiadas, mas também ofereceram ao líder do partido uma plataforma para reafirmar a sua narrativa de intolerância, posicionando-o como um bastião de moralidade num contexto de corrupção e fraqueza ética. Este tipo de abordagem é o que se designa, de forma coloquial, por comunicação oportunista!
Um estudo publicado no Journal of Communication sugere que a exposição excessiva de líderes populistas nas plataformas mediáticas pode levar à normalização das suas ideologias. Neste sentido, investigações, como a que aparece no artigo Media Representations of Populist Parties: Rediscovering the Role of Journalism in a Political Context, destacam que os jornalistas não devem apenas informar, mas também questionar as premissas que sustentam os discursos políticos, a fim de evitar a perpetuação de narrativas prejudiciais.
As declarações do líder do Chega, que compara corrupção à pedofilia, são um exemplo claro de como a escolha de palavras pode funcionar tanto como uma armadilha como uma potente estratégia retórica. Quando afirma que "quem é abusador de menores deve ser castrado", não está apenas a apelar às emoções do público; está, na verdade, a solidificar a sua imagem de linha dura contra o crime. Este discurso pode galvanizar apoio, mas facilmente se torna problemático.
Estudos, como os que encontramos na Political Psychology, indicam que os discursos polarizadores conseguem mobilizar bases eleitorais, mas, ao mesmo tempo, desviam a atenção do público de questões mais amplas, como responsabilidade social e ética política. E aqui encontramos um papel ingrato para os media. Ao relatar casos envolvendo figuras altamente controversas, os jornalistas ficam frequentemente na linha fina entre informar e contribuir para a normalização de ideias extremistas.
A pesquisa de Fraser (2020), divulgada no European Journal of Communication, revela uma realidade preocupante: uma cobertura repetida e acrítica pode levar à banalização e até à aceitação de ideias extremistas. Os meios de comunicação têm uma responsabilidade ética que, convenhamos, é extremamente delicada. Precisam de informar sem induzir a uma determinada interpretação, mas ao mesmo tempo não podem silenciar factos relevantes. É um verdadeiro jogo de malabaristas.
O livro Media Ethics: Cases and Moral Reasoning menciona que a responsabilidade para com o público implica um dever de educar, e não apenas entreter, especialmente quando se discutem questões que tocam a moralidade e a segurança pública.
O jornalista, apesar de ser uma pessoa com opiniões e ideologias, deve esforçar-se por uma abordagem objetiva. Ao contrário de todos nós, que podemos expressar livremente o que pensamos, o jornalista tem o dever de se basear em factos e evidências, independentemente das suas convicções pessoais. No fim das contas, ele é uma peça fundamental na máquina democrática, um verdadeiro gatekeeper que deve garantir que a informação flua de maneira justa e responsável.
Os meios de comunicação desempenham um papel complexo e ingrato, onde cada decisão pode ter repercussões significativas. A procura pela verdade deve prevalecer, sempre, desafiando o sensacionalismo, que tantas vezes ameaça eclipsar a objetividade. Só assim conseguiremos assegurar um espaço saudável para o debate democrático e garantir que a informação veraz tenha lugar na nossa sociedade.
Os jornalistas devem ser os guardiões da verdade, desafiando narrativas prejudiciais e assegurando que a informação verificada e equilibrada prevaleça sobre o ruído do sensacionalismo. Mas, em última análise, a responsabilidade de manter a democracia saudável não recai apenas sobre os media, mas sobre todos nós enquanto cidadãos informados. Precisamos ser críticos em relação ao que consumimos. questionando não só as fontes de informação, mas também as motivações que as sustentam. O nosso consumo responsável de notícias é uma parte vital da equação.
Cada um de nós tem o poder de exigir mais clareza, mais transparência e, sobretudo, mais verdade nas mensagens que são veiculadas. Ao fazê-lo, contribuímos não só para um ambiente mediático mais saudável, mas também para uma sociedade mais forte e coesa.
A democracia não é um dado adquirido; é uma construção contínua que exige vigilância e compromisso diários. Portanto, ao exercermos o nosso papel como leitores e consumidores de informação, devemos promover o diálogo aberto, o debate elevado e a procura incessante pela verdade.
Assim, ao assumirmos a nossa parte na proteção e fortalecimento da democracia, garantimos não só a sobrevivência da factualidade, mas também o florescimento de uma sociedade informada e comprometida com a justiça, a ética e a integridade. Porque, afinal, o facto, a verdade, é o alicerce sobre o qual se constrói um futuro sustentável e promissor para todos.
Consultora de comunicação