A União Europeia encontra-se numa encruzilhada histórica em matéria de política externa e de segurança, enfrentando desafios complexos que testam a eficácia e coesão da sua Política Externa e de Segurança Comum e o último episodio na Casa Branca revelou que seja qual for o desfecho final nenhuma resolução será benéfica para a Europa. O cenário internacional contemporâneo, caracterizado por um aumento da instabilidade geopolítica, a guerra na Ucrânia e a crescente competição estratégica entre as grandes potências, exige uma redefinição do papel da UE no mundo. À medida que o bloco europeu é forçado a lidar com crises internas e externas, a necessidade de uma política externa e de segurança comum mais coesa e assertiva torna-se crucial para garantir a sua segurança e relevância global.
A guerra na Ucrânia, que eclodiu com a invasão russa em 2022, é o exemplo mais marcante da fragilidade do sistema de segurança europeu. Embora a UE tenha demonstrado uma resposta coordenada ao nível das sanções económicas e do apoio político à Ucrânia, esta crise expôs as limitações e contradições europeias. As divergências internas sobre a intensidade das sanções, a relutância inicial de alguns Estados-membros em fornecer apoio militar direto e a dependência energética da Rússia revelaram que, apesar dos esforços de integração, a política externa da UE ainda sofre de fragmentação e falta de capacidade operacional, e não existe nenhum outro caminho que não o federalismo europeu para garantir que a sobreviva no atual contexto. Além disso, a crescente pressão dos EUA para que a Europa assuma uma maior responsabilidade na sua própria defesa, especialmente no contexto da NATO, coloca a UE numa posição desconfortável. Por um lado, a aliança transatlântica continua a ser um pilar fundamental da segurança europeia, por outro, existe uma pressão crescente para que a Europa desenvolva uma autonomia estratégica que lhe permita agir de forma independente em crises regionais e globais, mas o plano estratégico de industrializar a UE após a covid não avançou à velocidade necessária, atrasando diversas questões, além de colocar a agenda verde na mesa com objetivos estratosféricos para 2030-2050.
Os desafios internos da política externa e de segurança comum da UE são enormes. A ideia da política externa comum teria como objetivo na sua criação promover a coordenação entre os Estados-membros em questões de política externa e segurança, visando uma voz única e forte da Europa no palco mundial. Contudo tem enfrentado desafios estruturais que limitam a sua eficácia. Entre os principais problemas, destacam-se facilmente a fragmentação e divergências entre os Estados-membros, isto porque esta dimensão de 27 Estados soberanos tem diferentes realidades económico-estratégicas, cada um com interesses e prioridades de política externa distintas. Esta diversidade torna difícil a criação de uma política externa unida, especialmente em temas sensíveis como a segurança, e as relações com grandes potências (EUA, China, Rússia) e a política energética. Num outro quadrante é importante enaltecer a falta de capacidades militares conjuntas na UE. Esta tem apostado em iniciativas como a Cooperação Estruturada Permanente e o Fundo Europeu de Defesa para reforçar a cooperação militar e as capacidades industriais de defesa. No entanto, ainda existe uma clara dependência da NATO e, em particular, dos EUA para a proteção militar europeia, e aqui torna-se prioritário o aumento do orçamento militar conjunto da UE. A autonomia estratégica da UE permanece, em grande parte, um conceito teórico, sem tradução prática suficiente em termos de capacidades militares conjuntas.
No atual enquadramento mediático da Casa Branca, em Washington, e com as visitas do presidente de França e do Reino Unido, é importante ressalvar o seguinte: o paradigma é volátil e preocupante nas relações transatlânticas e exige uma resposta eficaz e musculada da Europa na sua autonomia estratégica. A UE encontra-se assim numa posição ambígua entre o seu aliado tradicional, os EUA, e a necessidade crescente de afirmar-se como um ator independente no palco global. A busca por autonomia estratégica torna-se, assim, um objetivo central, mas implica um desafio considerável em termos de capacidades, cooperação e coesão interna, sendo este um dos maiores desafios desde a criação da CEE e atual UE.
Uma das maiores barreiras à eficácia é a regra da unanimidade nas decisões de política externa e de segurança. Cada Estado-membro tem o poder de veto, o que muitas vezes resulta em bloqueios e na incapacidade de agir rapidamente face a crises. A proposta de transitar para uma votação por maioria qualificada, especialmente em temas de direitos humanos e sanções, tem sido debatida, mas encontra resistência de alguns Estados, que temem perder soberania sobre as suas políticas externas. E aqui voltamos a questões de fundo importantes de debater que exigem diplomacia e pensar de que forma a Europa, que possui o segundo maior bloco económico, pensa redefinir os próximos 20 anos em questões de industrialização, energia e segurança.
Mas é importante ressalvar que a mudança do atual sistema de unanimidade para a votação por maioria qualificada em temas-chave da política externa pode acelerar a capacidade de resposta da UE, mas esta reforma deve ser acompanhada por garantias que assegurem que os interesses centrais dos Estados-membros, especialmente em questões de soberania, sejam respeitados. Embora os EUA continuem a ser um aliado estratégico, a UE deve expandir as suas parcerias globais, tanto em termos de segurança quanto de comércio internacional. Fortalecer relações com potências emergentes, como a Índia, o Japão e países africanos e da América do Sul, pode aumentar a influência da UE e reduzir a dependência de alianças tradicionais.
A crise energética provocada pela dependência da Rússia via Nord Stream 2 sublinhou a importância de uma estratégia energética europeia coordenada. Investimentos em energias renováveis, novas infraestruturas de transporte de energia e a diversificação das fontes de abastecimento são essenciais para reduzir vulnerabilidades e garantir a segurança energética, uma componente crucial da segurança externa e estratégica para um bloco que tem limitações estratégica. O que observámos foi a uma triangulação de fornecimento de petróleo bruto, onde este era refiando e revendido para a Europa devido a excedentes petrolíferos.
Em suma, a UE enfrenta desafios geopolíticos e de segurança sem precedentes que exigem uma reconfiguração estratégica da sua Política Externa e de Segurança Comum. A encruzilhada atual oferece uma oportunidade para a Europa reforçar a sua coesão interna, promover a sua autonomia estratégica e adaptar-se a um mundo multipolar em transformação. Para garantir a sua segurança e relevância no palco global, a UE deve não só ajustar as suas capacidades militares e diplomáticas, mas também cultivar uma política externa pragmática e adaptável, capaz de responder com rapidez e eficácia às crises do presente e do futuro. Caso contrário, este modelo velho que cheira a mofo obriga a esta questão: a grande maioria de europeus condena (eu incluído) o que vimos nos canais de comunicação social nos últimos dias sobre o espetáculo entre o presidente Trump e o presidente Zelensky, mas a questão pragmática é o que a Europa vai reformular na sua posição estratégica. Isto porque dependemos dos EUA como apoio incontornável na segurança, pelo menos a curto e médio-prazo.
O aumento do orçamento de defesa, o reforço das capacidades militares conjuntas e a procura por maior autonomia estratégica são passos essenciais e fundamentais para garantir que a Europa esteja preparada para os desafios do futuro. No entanto, esta autonomia não deve significar um afastamento da NATO, mas sim uma evolução para uma Europa mais robusta dentro da Aliança Transatlântica e no contexto internacional. Para garantir a sua segurança e relevância global, a UE precisa de agir com coragem e visão estratégica, adaptando-se a um mundo cada vez mais imprevisível. Mas à medida que a Europa reforça as suas defesas e alinha as suas estratégias de segurança, industrialização e energética, surge uma questão filosófica fundamental: até que ponto a busca incessante por segurança pode comprometer os próprios valores de liberdade e democracia que se pretende proteger?
Acabo este enquadramento não como analista estratégico, porque não o sou, mas como um europeu de coração, preocupado com o futuro do meu filho e da minha família nos próximos 20 anos. Com a incerteza a pairar sobre o destino da nossa Europa, resta-me partilhar a inquietação de forma mais leve, com uma cantiga de escárnio e maldizer.
Cantiga de Escárnio à Segurança Europeia
Oh, Europa velha e prudente,
Que em tua torre olhas contente,
A paz que pensaste ter eterna,
Agora tremes à vista da guerra moderna.
Com os olhos fixos na Ucrânia,
Escondes-te atrás da velha glória,
Deixem que os outros decidam o fim,
Os Estados Unidos que lutem por mim!
Fazes promessas, mandas recado,
Mas na verdade, ficas de lado.
Ofereces palavras, rezas pela paz,
Mas quando é para agir, nem dás um passo atrás.
Nessa encruzilhada onde te encontras,
És espectador das histórias que contas.
A segurança que tanto procuras garantir,
Vem dos outros, nunca de ti podemos progredir.
Entre o medo russo e o aliado distante,
Teu futuro é incerto e vacilante.
Canta, Europa, a tua canção,
Enquanto os outros tomam decisão.
Segurança tu queres, mas sem envolver-te,
Esperas que o mundo venha proteger-te.
Oh, Europa, tão sábia e tão velha,
Esqueceste que a paz já não brilha na tua velha telha.