A tomada de posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, marcada pela missa prévia que reuniu quatro das cinco pessoas mais ricas do mundo, simboliza mais do que uma simples transição política. É o espelho inequívoco do momento histórico que o contexto global atravessa. O regresso de Trump à Casa Branca não corresponde apenas à recuperação da sua agenda protecionista. É também a consolidação de um mundo cada vez mais fragmentado e polarizado.
Se o final do século XX foi marcado pela globalização e pela interdependência entre países, o século XXI caminha para um cenário de regionalização e competição entre grandes blocos. Esta nova realidade já é visível nas alianças estratégicas que vão ditando as regras do jogo geopolítico na atualidade. China e Rússia estreitam relações. A União Europeia luta para manter alguma autonomia estratégica face à hegemonia norte-americana. Num contexto em que a energia é cada vez mais usada como arma geopolítica, a transição para um mundo multipolar parece cada vez mais inevitável.
A presença de multimilionários na cerimónia prévia à posse de Trump é um sinal claro do alinhamento entre poder económico e político. Quatro das cinco pessoas mais ricas do mundo, incluindo empresários com fortes ligações aos setores de tecnologia e energia, estiveram lá. Este simbolismo reforça a ideia de que os interesses privados e nacionais se interligam numa lógica de proteção de mercados internos e domínio estratégico. Para Trump, cuja política de “América Primeiro” foi central para a sua ascensão, tal conexão é um pilar fundamental para reposicionar os Estados Unidos como potência autossuficiente e menos dependente de alianças externas.
A mensagem de Trump parece ser clara. A prioridade é recuperar o controle económico e político interno, mesmo que isso signifique desafiar os princípios da integração global. Desde a sua retórica sobre a redução das importações até ao investimento contínuo em combustíveis fósseis, o discurso de Trump reflete uma visão de curto prazo voltada para a autossuficiência. Num mundo acelerado, assiste-se ao processo histórico do enfraquecimento das grandes alianças internacionais.
Enquanto líderes mundiais como António Guterres pedem cooperação global para enfrentar crises urgentes como a climática, Trump reforça um movimento contrário. O seu ceticismo declarado em relação à transição energética e aos compromissos de redução de emissões é mais uma peça no puzzle da rivalidade entre potências. A insistência em priorizar combustíveis fósseis desafia a agenda climática global e cria novos focos de tensão com blocos que apostam na sustentabilidade, como a União Europeia.
No panorama energético, o mundo vive uma “guerra” sem precedentes. Recursos como o petróleo e o gás natural deixaram de ser apenas “recursos” e tornaram-se instrumentos de poder. A Rússia, sob sanções ocidentais, redireciona suas exportações para parceiros como China e Índia, enquanto os Estados Unidos tentam garantir a liderança energética no meio desta competição. Trump, ao ignorar as implicações ambientais, reforça a lógica de sobrevivência imediata em detrimento de um esforço coletivo global.
A posse de Trump, precedida por eventos simbólicos como a missa repleta de magnatas, sinaliza o fortalecimento de um mundo centrado no nacionalismo económico e na competição entre blocos regionais. Se a globalização já foi sinónimo de progresso e integração, a era atual parece destinada a ser lembrada como a do colapso dessas interdependências. A vitória de Trump é, portanto, mais do que uma escolha eleitoral. É também o reflexo de uma nova era, em que interesses particulares e estratégias isolacionistas dão forma às relações internacionais.
Professor Associado e Coordenador na Universidade Europeia