Fui um dos promotores de um estudo sobre as contas que os partidos políticos portugueses entregam no Tribunal Constitucional e que este pública e mantêm no seu site ao dispor de todos os que tiverem essa curiosidade ou pretenderem analisar e comentar a saúde financeira desse pilar fundamental para a democracia que são os partidos políticos.
Foi com a intenção de produzir uma "radiografia" ao estado de saúde da nossa partidocracia que o MdP: Movimento pela Democracia Participativa / Movimento pela Democratização dos Partidos elaborou este estudo que agora pode ser consultado por todos e que foi atempadamente (com pedido de comentários) enviado a todos os partidos sem que, contudo, tal tenha merecido um comentário por parte destes (com exceção do Livre e do Volt).
Esta análise das contas dos partidos políticos portugueses revelou uma paisagem financeira profundamente desigual, refletindo diferenças de estrutura e capacidade de financiamento entre os grandes e pequenos partidos. A evidente e perene (até agora) robustez financeira dos ditos "grandes partidos", como o PSD, PS e PCP, é sustentada por ativos elevados e fortes subvenções estatais, o que lhes permite investir fortemente em pessoal profissionalizado (funcionários ou empresas de marketing político) e em campanhas eleitorais (de duvidosa rentabilidade como indicava aliás outro estudo do MDP: "Análise Detalhada das Despesas de Campanha Eleitoral: Estratégias, Eficiência e Transparência dos Partidos" (publicado em março de 2024) e que revelava, em relação aos seis maiores partidos, que:
1. O Partido Socialista (PS) foi o partido que recebeu a maior quantidade de votos, com 1,812,990 votos, conquistando 77 deputados e apresentando um custo por voto de €1,41 e um custo por deputado de €33,116.88, totalizando despesas de campanha de €2,550,000.
2. A Aliança Democrática (AD) obteve 1,758,035 votos, garantindo 76 deputados com um custo de €1,46 por voto e €33,684.21 por deputado, com despesas de campanha de €2,560,000.
3. O Chega (CH) teve um custo por voto de €0,63, o mais baixo entre os partidos, com 1,108,797 votos e 48 deputados eleitos, gastando um total de €700,000 em campanha.
4. A Iniciativa Liberal (IL), com 312,064 votos e 8 deputados, teve um custo de campanha de €645,000, resultando num custo por voto de €2,07 e o maior custo por deputado, €80,625.00.
5. O Bloco de Esquerda (BE) obteve 274,029 votos e elegeu 5 deputados, com um custo por voto de €1,86 e por deputado de €101,725.00, totalizando €508,625 em despesas de campanha.
6. O PCP-PEV, com 202,325 votos e apenas 4 deputados, teve o maior custo por voto, €3,88, ou seja, o custo mais elevado por deputado, €196,250.00, num total de despesas de €785,000.
Por outro lado, os partidos mais pequenos Nova Democracia (€9,25 por voto) e MPT (€9,88 por voto) apresentaram os custos mais altos por voto, destacando-se assim pela sua menor eficiência na alocação de recursos em comparação com outros partidos.
Apesar desta grande diferença entre "grandes" e "pequenos" partidos, os maiores partidos do nosso espetro político-partidário também enfrentam défices significativos em certos anos, destacando um possível desalinhamento e irregularidade entre as receitas e despesas operacionais. Isto levanta uma questão importante sobre a gestão financeira de todos os partidos e a dependência de financiamento público para sustentar suas atividades.
Por outro lado, partidos menores, como ADN, MAS e PURP, apresentam uma situação financeira muito precária, com ativos quase inexistentes e grande dependência de doações e quotas. A sua fraca estrutura financeira e baixos recursos limitam a capacidade de crescimento e de se estabelecerem como alternativas políticas sólidas. Isto gera uma barreira natural ao pluralismo, já que os partidos menores têm dificuldades de se manter competitivos em campanhas eleitorais, o que poderia fortalecer a continuidade do monopólio dos grandes partidos na esfera política e reduzir as possibilidades de renovação no actual quadro partidário que, de facto, e apesar da aparição recente de novos agentes como o Chega e a IL continua a ser um dos mais estáveis da Europa.
Outro ponto relevante desta análise é o envolvimento dos militantes: partidos como o PCP mostram um modelo financeiro mais sustentável, com maior apoio interno e menor dependência de subvenções, o que denota uma militância ativa e relativamente envolvida (embora existam estudos internacionais que indicam um profundo declínio da militância partidária no mundo desde a década de 1950). Este apoio interno e contribuições dos militantes parecem não apenas fortalecer a estabilidade financeira, mas também o vínculo entre o partido e a sua base, sendo este um fator que pode aumentar a resiliência e a legitimidade da organização partidária. Em contraste, a forte dependência dos partidos maiores das subvenções públicas levanta questões sobre a sustentabilidade a longo prazo, especialmente em cenários de cortes orçamentais ou mudanças de cenário político.
A análise das contas dos partidos políticos portugueses permite-nos ver além da política de superfície, revelando que as finanças de um partido são não apenas um reflexo do seu apoio eleitoral e da sua influência, mas também da sua resiliência. Ao mesmo tempo, esta disparidade sugere a necessidade de uma maior transparência e regulamentação sobre os mecanismos de financiamento e - sobretudo - sobre a origem das doações, as quais acredito que deviam ter absolutamente públicas com indicação e publicação dos nomes dos doadores.
É minha convicção que para evitar desigualdades ainda maiores e garantir uma concorrência mais justa e equilibrada no sistema político o componente de financiamento público deveria subir ou até tornar-se exclusivo, e, sobretudo, ser mais equitativo entre todos os partidos através da descida do patamar mínimo para o recebimento da subvenção pública de 50.000 votos nas eleições legislativas para um valor muito mais baixo, de pelo menos 10 mil votos. Sublinhe-se que nas Legislativas de 2024 apenas quatro partidos estiveram abaixo deste patamar: Ergue-te com 6.034 votos, MPT.A com 4.267 votos, PTP com um total de 2.443 votos e o Nós Cidadãos com apenas 2.396 votos.
Atualmente, o valor da subvenção anual é calculado com base no Indexante dos Apoios Sociais (IAS) em que cada partido recebe uma quantia equivalente a 1/135 do valor do IAS por cada voto obtido. Com o IAS fixado em 509,26 euros, cada voto corresponde a aproximadamente 3,77 euros. No entanto, aplica-se uma redução de 10% a este montante, resultando num valor final de cerca de 3,39 euros por voto. Acredito também que, para aumentar a pluralidade e qualidade das opções eleitorais este valor deveria também subir.
Rui Martins é fundador do Movimento Pela Democratização dos Partidos