Nos dias que correm, enquanto somos frequentemente bombardeados com notícias de tantas crises emergentes, é fácil classificar a preocupação com a preservação do património como um luxo. Afastado para as margens das prioridades globais, o património é por vezes visto como um cartão de visita impulsionador do turismo e pouco mais. No entanto, esta é uma visão extremamente limitada do seu papel. Património é conhecimento vivo, dele temos construção de identidade, de sistemas de conhecimento e de resiliência humana.

É também bastante comum a ideia de que os conservadores-restauradores que trabalham para a preservação do património são apenas pessoas muito habilidosas. Habilidosos artistas do fazer novo do velho, de criar o engano subtil que oculta um rasgão numa tela, de astuciosamente colar membros amputados em esculturas ou de montar puzzles de pequeníssimos pedaços de cerâmica. No entanto, a amplitude do conhecimento dos conservadores vem de anos de estudo de áreas tão diferentes como história de arte, deontologia, ciências dos materiais, e é claro, do estudo das técnicas, processos e metodologias de conservação e restauro.

Não é, portanto, de surpreender que a investigação em torno do património e conservação e restauro seja, também ela, por natureza interdisciplinar. Os projetos que exploram a inovação para essas áreas, envolvem abordagens holísticas a problemas complexos e únicos, interpelados por equipas multidisciplinares que se esforçam por comunicar com o mesmo vocabulário. Por essa razão, são muitas vezes, projetos com desafios de execução e de gestão, que exigem coragem para os idealizar. Exigem linguagem transversal e uma pitada de esforço extra para convencer painéis de avaliação de financiamento competitivo que não, não são só uma aberração frankensteiniana. Os resultados, no entanto, integrando saberes além das disciplinas, são realmente mais que a soma das partes.

Mas olhando um pouco mais além, podemos perceber que esta colaboração inter- e transdisciplinar entre arte, ciência e humanidades, que emerge naturalmente do trabalho nesta área, oferece um modelo para expandirmos a investigação para problemas complexos que contraria a tradicional estratégia onde as soluções são obtidas em silos separados num progresso fragmentado. É esta a abordagem interligada que muitas das mais conceituadas instituições de investigação mundiais agora perseguem, na procura de soluções integradas para desafios contemporâneos, como por exemplo as alterações climáticas. O património e a sua preservação podem servir de catalisador e recurso para abordar neste formato sinergético, soluções inovadoras de mitigação e estratégias de adaptação para as mudanças climáticas, melhorar o acesso à informação e qualidade de vida das comunidades e desenvolver novas oportunidades de crescimento sustentável envolvendo todos os atores, incluindo os cidadãos.

Coordenadora da área-foco de Património e Conservação e Restauro da Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa; vice-diretora do Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes (CITAR) Escola das Artes