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É Carnaval, ninguém leva a mal(a)!

Muitos passageiros ainda hoje desconhecem os seus direitos, e algumas transportadoras continuam a explorar brechas no regulamento para minimizar as indemnizações devidas ou para dificultar o seu efetivo pagamento.
É Carnaval, ninguém leva a mal(a)!

O Regulamento 261/2004 celebrou, no mês passado, 20 anos da sua entrada em vigor, marcando uma viragem crucial na defesa dos direitos dos passageiros aéreos na União Europeia. Antes da sua existência, as práticas de overbooking (quando uma companhia aérea vende mais bilhetes de avião do que os lugares efetivamente disponíveis num determinado voo), atrasos e cancelamentos de voos eram frequentemente geridas de forma arbitrária, deixando os passageiros numa posição imprevisível, vulnerável e sem qualquer direito.

Com esta regulamentação aprovada com grande dificuldade, todas as companhias aéreas com voos de/para qualquer aeroporto da União Europeia passaram a estar obrigadas a tratar os viajantes de forma equitativa, independentemente da tarifa paga ou da sede da empresa aérea em causa. No entanto, e apesar desta proteção legal, muitos passageiros ainda hoje desconhecem os seus direitos, e algumas transportadoras continuam a explorar brechas no regulamento para minimizar as indemnizações devidas ou para dificultar o seu efetivo pagamento.

Curiosamente, as previsões mais catastróficas feitas pelo setor da aviação antes da aprovação e da implementação deste regulamento nunca se concretizaram: falava-se, na época, sobre falências em massa, sobre o aumento exponencial das tarifas e o colapso da competitividade europeia. Tudo não passou de discursos alarmistas promovidos por lobbies mercantilistas fortíssimos que nunca se concretizaram por serem totalmente descabidos. Hoje, a aviação continua vibrante, acessível e lucrativa, provando que a defesa dos direitos dos consumidores não inviabiliza a sustentabilidade do setor – e, como em qualquer setor, a sua evolução não pode passar por um qualquer crescimento económico desregulado que atropele o direito e, já agora, o ambiente no qual as próximas gerações terão de crescer.

Entretanto, uma nova batalha regulatória emerge: a questão da bagagem de mão. A confusão instalada sobre a política de bagagem de mão torna-se uma das maiores vergonhas e entraves à compreensão da mobilidade aérea. A inexistência de uma norma europeia uniforme sobre dimensões, peso e custos da bagagem de mão – muitas vezes cobrados seis vezes mais caro do que o próprio título de transporte do passageiro, que chega a pesar dez vezes mais do que a sua bagagem de mão – leva a que cada companhia aérea estabeleça regras próprias sem qualquer nexo, resultando em inconsistências frustrantes para os passageiros. Passageiros esses que, não raramente, têm bilhetes de ida e volta para a mesma rota utilizando companhias diferentes e se veem confrontados com políticas de bagagem ilogicamente díspares. Nalguns casos e para certas companhias aéreas, uma simples mala de senhora pode ser legalmente considerada e contabilizada como uma bagagem de mão; imagine-se o absurdo!

Esta desorganização lembra os tempos em que cada fabricante de telemóveis utilizava um carregador distinto, dificultando a vida dos consumidores e gerando um enorme desperdício eletrónico desnecessário. A recente intervenção da União Europeia nesta matéria foi essencial para padronizar esta questão e evitar abusos ecológicos e comerciais. O mesmo tem de acontecer no setor da aviação: um quadro regulatório claro, uniforme e justo para a bagagem de mão, impedindo que os passageiros sejam surpreendidos por taxas ocultas ou mudanças inesperadas nas regras entre diferentes transportadoras.

A ausência de uma regulamentação eficaz não apenas prejudica financeiramente os passageiros, como também alimenta a perceção de que as companhias aéreas operam sem escrutínio adequado. A recente controvérsia em Portugal sobre um deputado suspeito de roubo de malas levanta, com ironia, um paralelismo com o que as próprias companhias fazem diariamente: apropriam-se indevidamente dos direitos dos consumidores ao impor regras dúbias sobre bagagens, em particular sobre as ditas malas de mão.

Que este Carnaval sirva para refletirmos sobre o outro "roubo" que ocorre todos os dias nos aeroportos da União Europeia… e que o deputado Miguel Arruda não me leve a mal(a)!

Docente em Sistemas de Transporte e consultor em aviação, aeroportos e turismo

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