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Os aeroportos não se medem às pistas

Com dimensão muito semelhante a Alcochete, o novo aeroporto da Polónia custará mais de 30 mil milhões de euros. O nosso custará quatro vezes menos?
Os aeroportos não se medem às pistas

Era Ferreira do Amaral ministro das Obras Públicas – nome pomposo típico dos anos 90 – e ainda a Portela tinha duas pistas entrecruzadas, quando proferiu: "Ao atingir os 16 milhões de passageiros/ano, no virar do século, o aeroporto de Lisboa esgotará a sua capacidade. Temos de encontrar uma localização para o futuro aeroporto de Lisboa." Em 2024, ainda sem novo aeroporto e agora até com uma única pista – a secundária (17/35) foi encerrada em 2019 –, o atual aeroporto de Lisboa ultrapassou os 35 milhões de passageiros.

De facto, em 2000, os aviões que ali aterravam tinham em média menos de 130 de lugares; os que chegam agora têm, em média, 185. Cada voo que aterra hoje transporta quase 40% mais passageiros do que no início do milénio. Felizmente para todo o país que não se gastou dinheiro público para construir um novo aeroporto em Lisboa nessa altura – é que as últimas notícias dão conta de que vamos receber um ainda maior, que vai custar ZERO ao contribuinte... que grande negócio!

Claro que esse dinheiro não ficou parado: foi gasto na Ponte Vasco da Gama e, com isso, Ferreira do Amaral garantiu o seu futuro dourado no conselho de administração da... Lusoponte, óbvio. Se tivesse construído um aeroporto, certamente estaria hoje a auferir os dividendos da sua atividade "política" de então num cargo semelhante, mas na ANA. Nestas coisas, não há coincidências.

De resto, 2025 vai ser um ano forte em revelações aeroportuárias. Em Varsóvia, a construção do chamado Aeroporto Central da Polónia, com duas pistas paralelas e projetado para chegar até aos 100 milhões de passageiros/ano, poderá avançar mesmo. Com uma dimensão muito semelhante – em pistas e passageiros – à de Alcochete, o custo daquela infraestrutura foi estimado pelos polacos em mais de 30 mil milhões de euros. O de Lisboa custará quatro vezes menos... Alguém está a mentir, resta saber quem e porquê.

Já em terras de sua majestade, a terceira pista do aeroporto mais congestionado e mais movimentado de toda a Europa – que conta com apenas duas pistas paralelas e cujo debate em torno da construção de uma terceira pista leva 40 anos – parece estar a receber uma nova vida... exceto que a British Airways parece ter mudado de opinião. Enquanto detentora do maior número de faixas de descolagem e de aterragem (slots) em Heathrow, o aeroporto mais cobiçado do mundo, o valor da companhia e dos bilhetes que vende estão intimamente relacionados a esta raridade e a esta aparente falta de espaço.

Em Heathrow, os problemas de capacidade são resolvidos pelas próprias companhias – seja usando aviões muito maiores, capazes de transportar mais passageiros por voo, seja vendendo ou subalugando os seus slots, seja deixando de operar ou reduzindo certas rotas devido à sua substituição pelo comboio e ocupando essas faixas por outros destinos. Talvez um pouco por tudo isto, a British Airways já não vê a terceira pista como uma oportunidade, mas como uma ameaça que a obrigará a um enorme investimento na aquisição de mais frota para ocupar a nova disponibilidade aeroportuária e, sobretudo, para enfrentar uma concorrência mais forte num mundo político doméstico que impõe cada vez mais taxas à aviação.

Como é que um aeroporto com duas pistas, que fecha entre as 23.00 e as 4.30 e que tem mais cinco aeroportos na mesma cidade, consegue a proeza de acolher 84 milhões de passageiros?! É o que devem perguntar os governantes turcos: com cinco pistas, operação 24h/7 e como hub da companhia aérea que voa para mais destinos e para mais países do mundo, Istambul só consegue o segundo lugar. Tanto esforço e tanto investimento estatal (que tanta falta faz num país dizimado pela inflação e por índices socioeconómicos baixos) para chegar apenas à medalha de prata?!

Mudando de continente, em Luanda, completa-se, a 1 de abril, Dia das Mentiras, a inauguração do novo aeroporto internacional. O tráfego previsto nas folhas de Excel que fundamentaram, há 20 anos, esta escolha de política pública num país em que falta todo o tipo de infraestrutura – até a mais básica – não se verifica, muito pelo contrário. E se em 2006 parecia bem planear um aeroporto com duas pistas preparadas para acolher o Airbus A380 que acabava de ser lançado, já hoje constatamos que o A380 nunca voou para Luanda, deixou de ser produzido e que a sua dimensão foi um fracasso. Mas as duas pistas agora estão lá, fazer o quê com o dinheiro enterrado? É gastar mais com a sua manutenção.

Para terminar numa nota mais positiva, o Aeroporto Cristiano Ronaldo, na Madeira, cuja pista requer uma formação especial para os pilotos e cujos ventos tantas vezes interrompem a sua operação, pois bem, esse aeroporto tão problemático foi, em 2023, eleito pela ACI (Airport Council International) como o melhor da Europa na categoria de menos de cinco milhões de passageiros. É caso para dizer que, tal como o tamanho das bananas ou dos campeões desportistas, também o sucesso dos aeroportos não se mede... às pistas.

Docente em Sistemas de Transporte e consultor em aviação, aeroportos e turismo

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