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Europa, Segurança e Democracia

Assumir estas prioridades da União exige um amplo consenso político e social relativo à atualização dos conceitos estratégicos de Defesa Nacional, Segurança Interna e à sua evolução para Segurança Nacional, tendo em vista proteger as infraestruturas críticas.

1. Por iniciativa do Livre, do BE e do PAN, a Assembleia da República debateu na passada quinta-feira (13 de março) o tema da Europa, da Segurança e da Democracia. O debate não apenas foi oportuno como é essencial. A Defesa e a Segurança são a mais importante garantia à realização das liberdades, direitos e garantias dos cidadãos. É uma condição vital à salvaguarda do Estado de direito e à defesa da democracia. Este deve ser um dos mais importantes temas da campanha das eleições legislativas e deve estar no centro do debate parlamentar na próxima legislatura. É demasiado importante para estar fora das nossas prioridades. Pelo que ele significa em termos de evolução da Base Tecnológica e Industrial de Defesa Europeia (BTIDE) e pelos seus efeitos diretos e indiretos na inovação social e empresarial, na economia, na sociedade, na coesão e no desenvolvimento.

2. Em 2023, a União Europeia estimou em 290 mil milhões de euros o valor do investimento público em Defesa por parte do conjunto dos Estados-membros, a que acresce um rendimento anual na ordem dos 72 mil milhões de euros, proveniente das 17 maiores empresas europeias de armamento, sediadas em França, Alemanha, Itália, Espanha e Suécia (X. Liang et al., “The SIPRI top 100 Arms-producing and Military Services Companies, SIPRI, 2023)[1].

Top 100 na Defesa
Top 100 na Defesa créditos: Improving the quality of European defence spending/UE

3. O projeto europeu sempre avançou quando confrontado com os desafios geopolíticos, geoestratégicos e geoeconómicos. Foi assim nos anos 70, com o Sistema Monetário Europeu (SME). Foi assim nos anos 80, com o Ato Único Europeu (AUE). Foi assim nos anos 90, com o Tratado da União Europeia (TUE). Foi assim com o Tratado de Lisboa e com o relançamento do modelo económico europeu (economia inteligente, sustentável e inclusiva) no primeiro decénio dos anos 2000. Assim voltou a acontecer com a resposta à crise dos refugiados e das migrações em 2015 e com a pandemia covid-19. Assim voltará a acontecer na resposta aos efeitos geopolíticos e geoestratégicos da guerra na Ucrânia e no Médio Oriente. Aliás, a Cimeira UE/África (África do Sul), o acordo com o Mercosul e o reforço das relações com o Brasil, o reafirmar da vontade de cooperação estratégica com a China, sem esquecer o potencial da relação com a Índia, ilustram que a UE quer manter a sua função estratégica global.

4. Só para se ter uma ideia, vale a pena lembrar que o conjunto dos Estados da UE tem um investimento em Defesa superior ao da China. Em 2023, a União investiu 290 mil milhões e a China 275 mil milhões. A superioridade da China está no número do seu efetivo, com 2 milhões e 35 mil militares. Neste âmbito, o conjunto dos Estados da União tinha, em 2023, 1 milhão 341 mil e 260 militares. Número que, apesar de tudo, compara bem com o 1 milhão 359 mil e 600 militares norte-americanos. O desafio europeu não está apenas no volume do investimento, mas na eficiência da sua aplicação, na integração tecnológica e na capacidade de resposta conjunta a ameaças emergentes.

Efetivos
Efetivos créditos: Improving the quality of European defence spending/UE

O que é que estes números significam? – no meu entender, que os Estados Unidos não podem dispensar a UE do seu esforço de segurança global. Até agora, esta crise tornou mais claras duas prioridades: a primeira, a de que o projeto europeu carece de maior autonomia estratégica em termos de defesa e segurança, o que impõe o imprescindível investimento. Para garantir uma autonomia estratégica efetiva a UE precisa de consolidar instrumentos como o Fundo Europeu de Defesa e a Cooperação Estruturada Permanente. A segunda, a de que tem de existir um passo em frente na cooperação reforçada e partilhada europeia em termos de defesa, segurança, planeamento e proteção civil de emergência, tendo em vista promover uma maior integração das dimensões estratégicas, de planeamento e de coordenação operacional. Sempre cuidando do reforço da relação transatlântica. Deve servir isto, essencialmente, para reafirmar o nosso compromisso e a nossa confiança no projeto europeu e no futuro da relação transatlântica.

5. É a razão por que o nosso país deve defender em termos europeus o aprofundamento dos instrumentos dessa cooperação nestes quatro domínios: segurança, defesa, planeamento e resposta de proteção civil de emergência. Aliás, é muito evidente a necessidade de uma maior integração de diversas infraestruturas, a começar pelas tecnológicas e operacionais. O que exige uma cultura estratégica de segurança e uma maior partilha de conhecimento.

6. Ora, a partilha de informação estratégica, a sistematização da experiência colhida no quadro do planeamento e da operacionalização devem estar associadas à constituição de uma Comunidade Europeia do Conhecimento nos domínios referidos, nomeadamente no desenvolvimento da Base Tecnológica Industrial de Defesa Europeia (BTIDE), e ao desenvolvimento de um espaço, com vários níveis, onde se possam vir a integrar os diferentes subsistemas nacionais. Por uma questão de compreensão, há quem refira que se possa vir a tratar de uma "atualização da UE" aos novos tempos estratégicos.

Equipamento militar por Estado-membro
Equipamento militar por Estado-membro créditos: Improving the quality of European defence spending/UE

7. Portugal deve participar ativamente na constituição e valorização desta nova estrutura de oportunidades, mobilizando as Instituições de Ensino Superior, os centros de Investigação e Desenvolvimento, bem como as pequenas e médias empresas que, no nosso país, têm provas dadas nesta matéria. O que em muito contribuirá para a inovação dos tecidos sociais e económicos e, ainda, para a criação de emprego qualificado.

No entanto, este processo exige um planeamento estratégico que maximize os recursos nacionais e integre as capacidades portuguesas em redes europeias de inovação, evitando dispersão de esforços e garantindo um retorno sustentável para a economia e a sociedade.

8. Assumir estas prioridades da União exige um amplo consenso político e social relativo à atualização do Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN), à elaboração do Conceito Estratégico de Segurança Interna (CESI), e à sua evolução para o Conceito Estratégico de Segurança Nacional (CESN), para a implementação das prioridades da Estratégia Nacional de Proteção Civil Preventiva (ENPCP) e o desenvolvimento do Planeamento Civil de Emergência, tendo em vista proteger as infraestruturas críticas nacionais.

9. O reforço do investimento em defesa não pode comprometer os princípios fundamentais do Pilar Social Europeu nem os objetivos da política de coesão. Bem pelo contrário, pois a segurança deve ser entendida como um alicerce para o desenvolvimento social e económico. O equilíbrio entre estas prioridades pode ser alcançado através de uma abordagem dual, onde as tecnologias e infraestruturas de defesa e segurança tenham aplicações civis, garantindo benefícios para a qualidade de vida dos cidadãos e proporcionem maior coesão entre os Estados-membros.

TOP 5 de produtores de investigação de alto impacto e tecnologia crítica nos setores de Defesa, Espaço e Segurança
TOP 5 de produtores de investigação de alto impacto e tecnologia crítica nos setores de Defesa, Espaço e Segurança créditos: Improving the quality of European defence spending/UE
TOP 5 de produtores de investigação de alto impacto e tecnologia crítica nos setores de Defesa, Espaço e Segurança
TOP 5 de produtores de investigação de alto impacto e tecnologia crítica nos setores de Defesa, Espaço e Segurança créditos: Improving the quality of European defence spending/UE

[1] De acordo com a mesma fonte, os EUA realizaram um investimento público na ordem dos 851 mil milhões de euros. Os EUA tinham, em 2023, 42 empresas no grupo das 100 maiores empresas de armamento, com rendimentos na ordem dos 287 milhões de euros. A China tinha oito empresas, com um volume de negócios na ordem dos 102 mil milhões. 

Veja aqui a entrevista a um dos autores do estudo

Deputado do PS//Escreve quinzenalmente no SAPO

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