No mercado hiperconectado que temos há uma cena que se desenrola diariamente, inúmeras vezes: consumidores analisam simultaneamente os preços dos concorrentes, enquanto procuram recompensas de fidelização. Este momento espelha por completo a complexidade da relação entre as marcas e o consumidor—consciente dos preços, que quer relacionamentos digital, mas com vínculos autênticos. Hoje, mais do que nunca, os consumidores são narcisistas nas relações com as marcas.
O paradigma tradicional de lealdade sofreu uma transformação fundamental. Sistemas simples de pontos e cartões de recompensa evoluíram para ecossistemas que devem integrar insights psicológicos, propostas de valor económico, assentes em modelos tecnológicos sofisticados. Esta mudança reflete uma compreensão mais profunda do comportamento humano e dos processos de tomada de decisão que impulsionam o relacionamento com as marcas a longo prazo.
O “Future Consumer Index“, da consultora EY corrobora esta teoria, pois diz que 67% dos consumidores comparam ativamente preços em diferentes canais, enquanto 78% estão dispostos a mudar de marca por um melhor valor. No entanto, a estatística mais reveladora mostra que 92% consideram múltiplos fatores além do preço na determinação do valor. Este processo de tomada de decisão em camadas apresenta oportunidades estratégicas para organizações que sonham construir um relacionamento duradouros com os clientes.
A economia comportamental fornece insights cruciais para o desenvolvimento de estratégias para gerir a lealdade. A aversão à perda, um viés cognitivo fundamental, demonstra que os consumidores respondem mais ativamente a perdas potenciais do que a ganhos equivalentes. Ofertas estratégicas que utilizam este insight mostram taxas de conversão significativamente mais altas quando os programas enfatizam a preservação de benefícios em vez de ganhos potenciais. Por exemplo, mensagens focadas em recompensas que estão prestes a expirar geram taxas de resposta 3 vezes maiores do que comunicações focadas em aquisição.
O efeito de posse—a tendência de valorizar mais os itens possuídos—cria outro ponto de alavancagem estratégica. Arquiteturas avançadas de lealdade fornecem benefícios imediatos no momento da inscrição, criando uma sensação instantânea de propriedade psicológica. Quando combinado com o viés do status quo, são criados ciclos comportamentais poderosos que impulsionam um relacionamento sustentado. Em grande parte, o que as marcas fazem é gerar estímulos viciantes através de um ciclo, produzindo sequencialmente dopamina, adrenalina e, no final, serotonina. Todos os algoritmos e experiências viciantes têm por base este ciclo, assim como uma boa estratégia.
Apesar da sofisticação tecnológica, as conexões emocionais têm de ser a espinha dorsal das estratégias de lealdade. Comunidades de marca, sejam digitais ou físicas, são multiplicadores poderosos pois alavancam a interação com a marca e fornecem dados sobre os consumidores. Iniciativas de conteúdo gerado pelos utilizadores, como fóruns de membros e programas de embaixadores, transformam relacionamentos transacionais em laços emocionais duradouros. Quando estas comunidades estão alinhadas com os valores dos consumidores através de compromissos de sustentabilidade, iniciativas de responsabilidade social ou do relacionamento comunitário local, as marcas conseguem criar laços resilientes que transcendem as métricas tradicionais de lealdade.
As fórmulas de medição de lealdade capturam tanto indicadores tradicionais, bem como fatores emergentes de criação de valor. Contudo, hoje, as organizações verdadeiramente customer centric têm de monitorizar a profundidade do relacionamento com o cliente, através de padrões de interação com os seus canais, comportamentos sociais, e ainda a atividade de participação comunitária dos seus clientes. Análises avançadas do impacto nos negócios examinam a receita por cliente, a evolução da contribuição para a margem e as dinâmicas de participação na carteira, como por exemplo as recomendações feitas.
A lealdade saiu do dicionário dos clientes, mas as marcas podem mudar isso. As estratégias de lealdade bem-sucedidas no amanhã devem entregar personalização, ao mesmo tempo que garantem a privacidade do cliente, devem criar conveniência digital enquanto mantém a ligação humana, devem ainda impulsionar resultados de negócios e também contribuir para o benefício social. Organizações que equilibram os pratos destas três balanças vão construir vantagens competitivas sustentáveis, conseguindo relações fortes com os seus clientes. O plano estratégico para programas de lealdade futuros não reside em pontos, nem em transações promocionais, mas sim em experiências autênticas que entreguem valor mensurável. Ao equilibrar benefícios económicos com experiências verdadeiras, conveniência tecnológica com o toque humano, as organizações podem construir arquiteturas de lealdade que impulsionam o crescimento sustentável, mesmo em mercados com altos níveis de complexidade.
Diretor de marketing na SGS Portugal