“O povo gosta, o povo quer, o povo tem!”
Será?

Um dos legados mais terríveis que a decorrência do golpe de Estado ocorrido a 25 de Abril de 74 nos deixou, foi a destruição do conceito de Autoridade e sua prática.(1)

O que foi mais um legado do 25 de Novembro de 1975, já que só depois dessa data foi possível começar a olhar novamente e tentar construir um futuro para o País dado que a Nação dos portugueses andou em guerra civil larvar entre as duas datas. Sem esquecer que o “Conselho da Revolução” só recolheu a quartéis, em 30 de Setembro de 1982.

Sim, o conceito de Autoridade ou a falta dele tal é a principal razão pela qual se instalou em Portugal, não uma Democracia, mas antes uma espécie de “bandalheirocracia”, que está a fazer desmoronar todos os sectores da Sociedade e do Estado (basta atentar no que se passa, relativamente ao caso das “gémeas brasileiras” e da pouca vergonha relativa aos partos de estrangeiras que aterram directamente no Serviço Nacional de Saúde). E não vai haver dinheiro que sustente este estado de coisas. Aliás, ter havido dinheiro (isto é, crédito) foi sempre um dos principais causadores do estado a que chegámos…

Porque falamos em Autoridade? Pois porque é a sua existência que faz com que qualquer ideia ou projecto possa ser posto em prática; uma ordem seja obedecida; qualquer decisão possa ser levada para a frente; que uma simples lei seja cumprida.

É a autoridade que faz com que o juiz possa proferir uma sentença, sem temer algo que não seja a sua consciência; que os soldados morram quando são postos em situações que tal exija; que os bombeiros arrisquem a vida para salvar pessoas de um fogo; que os professores consigam dar aulas; que os condutores obedeçam aos sinais de trânsito; que os engenheiros cumpram com os “coeficientes de cagaço” estabelecidos. Os exemplos podiam eternizar-se.

Ou seja, nada pode realizar-se sem autoridade e tudo está dependente da sua existência e do modo como é exercida. É uma espécie de princípio e fim; alfa e ómega.

A melhor autoridade é aquela que é exercida sem se dar por ela, o que representa uma espécie de “Olimpo” a atingir, mas que raramente se atinge. Mas isso é derivado de vivermos na Terra, entre humanos (onde até os animais desenvolveram os seus “sistemas” de autoridade) e não no Céu.

Ora para haver autoridade é necessário existir hierarquia, disciplina e organização. Por esta ordem.

E para haver hierarquia é necessário haver diferenciação através da formação, selecção e aderência a um código de valores.

Qualquer sistema de Autoridade necessita possuir meios legais de avaliação e coerção, que permitam dissuadir, louvar, punir e corrigir.

A Autoridade pode, finalmente, ser usada para o Bem ou para o Mal, mas isso é outra ordem de discussão e não põe em causa o que estamos a tratar. Tem a ver com a Ética e a Deontologia.

Ora, quando os militares que fizeram o Golpe de Estado (e em que perderam o controlo da situação no dia seguinte) – que é de “per si” uma ruptura com a “Autoridade” existente, lembraram-se de se autodestruir prendendo-se e saneando-se uns aos outros e com isso destruindo a cadeia hierárquica, a disciplina, a camaradagem e o espírito de corpo, etc., para além de atentarem e ferirem gravemente a Deontologia Militar.

O que, no mínimo, revela quanto a Junta de Salvação Nacional e o Movimento das Forças Armadas não tinham autoridade ou, tão pouco, o golpe tinha sido minimamente consensual entre os oficiais e sargentos do Quadro Permanente.

Tudo isto estando todo o País envolvido em operações militares extensas.

As forças que passaram a dominar a rua e as demais estruturas de Estado resultantes, maioritariamente de inspiração marxista, esforçaram-se por “terraplenar” todo o resquício de autoridade para depois poderem construir o seu edifício de autoridade (totalitária).

Até hoje não o conseguiram, pelo que continuam a tentar arrasar toda a organização de autoridade que não seja a sua.

As forças políticas emergentes e com alguma expressão afirmaram-se contrárias ao anterior Regime tido por “autoritário” e “fascista”, onde a autoridade era prezada, em todos os domínios da Sociedade (na política, nas Forças Armadas, Forças de Segurança, no funcionalismo público, na escola, na família, na Justiça e em todas as práticas sociais). Tudo isto constituía uma “Ordem” (a Ordem liberta mais do que oprime…).

Com a “Democracia” emergente, exclusivamente baseada em Partidos Políticos – entidades completamente destituídas de quaisquer atributos valorativos, que as permitam atingir os objectivos para que foram “inventadas”, isto é, o exercício do Poder Político, para o governo da cidade – o descalabro foi quase total, pela simples razão de que a sua “praxis” é, a muitos títulos, antagónica do conceito de autoridade. Apenas o PCP possui a disciplina interna que o faz funcionar (porém, na defesa de uma ideologia e sistema de governo, incompetentes e maléficos).

Por todas estas razões o país (Portugal) segue cada vez mais destrambelhado, sem vela e sem leme. E tal continuará enquanto não se mudar o paradigma, mesmo que se colocasse à frente dos principais organismos, as melhores pessoas de que dispuséssemos.

Por isso o Português põe tudo em causa e não acredita em nada nem ninguém; receia felinamente o ridículo e sobrevive através da ironia e do sarcasmo. Somos os reis da caricatura.

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Alguns exemplos do desvario existente.

Não existe autoridade na Família. Os filhos andam, por norma, à solta, raramente não fazem o que lhes dá na bolha. Os pais não sabem dizer não, muitos nem sequer se querem chatear. Aliás, a maioria, nem sequer querem ter filhos…

A Escola é um desastre extenso. Apesar de haver preocupações com o “bulling” dos alunos, todo o mundo faz “bulling” uns aos outros. Quando não se agride. Ninguém manda.

O Ministério da (des) Educação é um polvo imenso onde só há más práticas e ideias pedagógicas delirantes, que mudam constantemente. A avaliação é inexistente.

Os professores vão-se embora, não é pelos vários motivos que apontam na televisão, é por falta de autoridade. Estão fartos de ser palhaços. Mas também não se dão ao respeito. As universidades viraram um negócio, palco de lutas de “lobbies”; a prática e exigência académica foram-se. Tornaram-se uma espécie de tumores malignos.

As Forças de Segurança não têm autoridade.

Os criminosos têm mais poder que eles. E não se dão ao respeito. Existem 16 sindicatos só na PSP. Fazem figuras indecorosas quando se manifestam (agora estendeu-se aos sapadores bombeiros). Quem os pode respeitar?

Nas Forças Armadas, acabaram com os tribunais militares em tempo de paz; “civilizou-se” a Justiça; o RDM (Regulamento de Disciplina Militar) foi destruído. Vive-se do que ficou de antanho e rolam por inércia.

Os funcionários públicos são sempre qualificados com 4 e 5 (salvo raras excepções). Diariamente cerca de metade (a que se juntam os cidadãos das empresas públicas) em média, ou estão de baixa, ou estão em greve.

Ninguém manda.

A “malta” gosta, o país afunda.

Da falta da autoridade do Estado, nem se pode falar (por indecoroso) deixou, por exemplo, de se controlar as fronteiras e entram migrantes às centenas de milhares. É até incentivado (lembram-se daquela cena patética do PR em Timor a convidá-los a virem para cá e o resultado que deu?). Portugal é um porto franco e franqueado!

A qualidade da luta contra o tráfico e consumo de droga é inadjectivável; de que servirá combater o tráfico se o consumo é permitido? Os drogados não são doentes, são viciados, e tornam-se criminosos pois ao consumirem substâncias ilícitas incorrem na lei. Doentes (mentais) são aqueles que produzem este quadro legal!

Aliás, os traficantes evadem-se (facilmente) das prisões – que mais parecem hotéis de três estrelas – e desaparecem tranquilamente; onde está a acção de comando ou chefia? (terão visto, por acaso, a última reportagem da SIC sobre o tema, em 10,11 e 12/9? Dá náuseas!).
A criminalidade aumenta e é constantemente escamoteada pelos OCS e pelos governantes (até nos relatórios anuais sobre o assunto); os criminosos são quase sempre atenuados ou desculpados como vítimas e os agentes de autoridade criticados por qualquer falha que possa existir.

Por qualquer coisa se levantam processos disciplinares contra quem veste uma farda e agora a recomendação é recrutarem ciganos, LGBTs e minorias raciais (de aqui a pouco serão maiorias) para as Forças de Segurança. Esta gente enxerga-se?

Nas Forças Armadas um pequeno grupo de sargentos e praças, insubordinou-se a bordo de um navio da Armada e, em vez de serem célere e exemplarmente punidos em processo disciplinar (ou judicial se for caso disso), levantou-se um sururú descomunal no éter mediático e ainda hoje (passados cerca de ano e meio) não se sabe publicamente qual a pena aplicada (que foi ridícula); quanto ao processo criminal estima-se que se espere uns 10 anos a ter algo resolvido. Será que é esta a ideia que se tem (e se enche a boca) de um Estado de Direito Democrático? É este o “modelo” de Forças Armadas que se pretende? (a avaliar pelo desempenho dos sucessivos Ministros da Defesa, é).

A prova provada de que quase nada funciona (e há sempre pessoas que trabalham e se portam bem independentemente do estado moral da sociedade), é que sempre se estão a criar estruturas paralelas às existentes (para além de se arranjar “tachos partidários”), como sejam “grupos de trabalho”, “comissões disto e daquilo”, entidades reguladoras, “observatórios”, “empresas municipais”, “contratação de serviços a firmas de advogados”, “duplicação de estruturas” (que é o caso, por exemplo, da criação do SEF e da AIMA), etc., etc.

Ou seja, tudo se discute continuadamente, mas nada se decide e, ou, implementa (veja-se o caso do novo Aeroporto de Lisboa…).
Uma última pergunta? Para que serve o Tribunal de Contas (a ideia até é boa), que decide sobre algo que aconteceu passados 10 anos e cujo “parecer” nem sequer é vinculativo?

Os exemplos podiam continuar, mas é mister terminar. Não o queria fazer sem, porém, lembrar o que considero o caso que melhor ilustra (e é até seria cómico se não fosse trágico) a falta de autoridade e bandalheira que caracteriza este canto à beira-mar plantado.

Refiro-me ao caso do chamado “Reino do Pineal”, onde um conjunto de seres inadjectiváveis, pretendia (será que ainda pretende?) constituir-se num minúsculo “bantustão” com “leis” próprias, ali para os lados de Oliveira do Hospital. Circo mediático durante dias e demissão vergonhosa da autoridade do Estado (a que isto chegou).

Depois esfumou-se. Minto, apareceram novamente na televisão, por terem sido afectados pelos incêndios de Setembro…
O País está em aparente - pois não é visível por todos - deliquescência (no sentido de degradação, decadência, degeneração).
Bem-vindos ao novo normal. Espero que continuem a gostar do filme onde são actores. Não apenas espectadores.

João José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador (Ref.)

(1) - Autoridade vem do latim “auctoritas”, que é sinónimo de Poder, sendo a base de qualquer tipo de organização hierarquizada e que, na prática, se transforma no “Direito legalmente estabelecido de se fazer obedecer; pessoa ou entidade que tem esse direito de se fazer obedecer”. Existe ainda a chamada “autoridade pessoal” que está ligada à capacidade de liderança e carisma individual.