Mais uma volta, mais uma mexida. O carrossel dos treinadores na Liga Portugal não abranda, trocando técnicos a um ritmo que desafia qualquer lógica de continuidade. Com a saída de César Peixoto, contamos com dezassete mudanças nas equipas técnicas esta temporada. Afinal, por que se despede tanto no nosso campeonato?
Os três grandes mudaram de treinador a meio da época, algo que não acontecia desde 1934/35. Se a saída de Rúben Amorim surpreendeu, é facilmente contextualizada como um salto na carreira, reflexo do bom trabalho desenvolvido. Os casos de Benfica e FC Porto ilustram bem a instabilidade estrutural.
No Benfica, Roger Schmidt não resistiu à pressão acumulada da época anterior e deixou a difícil tarefa a Bruno Lage, que teve de assumir um plantel que não ajudou a construir. Já no FC Porto, Vítor Bruno foi vítima de um ambiente interno conturbado, sem nunca reunir consenso entre adeptos e estrutura. Agora, entra Anselmi, que traz consigo a irreverência argentina e um futebol ofensivo. Mas terá tempo e condições para implementar a sua ideia ou será mais um a cair no carrossel?
Fora dos "grandes", a instabilidade também se fez sentir. O Vitória SC, que começou a época em grande forma na Europa, viu-se fragilizado pelo mercado e perdeu não só o treinador como peças-chave do plantel em janeiro. A aposta em Luís Freire sugere um desejo de estabilidade, mas o histórico recente do clube faz com que essa promessa seja vista com ceticismo.
Ao todo, 13 clubes abandonaram a ideia inicial da época, geralmente pela pressão dos resultados. Mas será que despedir o treinador é a solução? O Estoril optou por manter Ian Cathro apesar de um mau arranque e, agora, a equipa está a recuperar, com sete jogos sem perder e um futebol mais próximo das ideias do treinador.
Numa época com tanta mexida nas equipas técnicas pelo nosso país, devemos reflectir com o panorama internacional. Clubes como o Brighton e o Brentford adotaram um modelo oposto do que se passa em Portugal: apostam em treinadores alinhados com uma estratégia de longo prazo e mantêm estabilidade mesmo perante momentos de crise. Mikel Arteta, no Arsenal, é um caso paradigmático. Em Portugal, um início de época irregular teria sido suficiente para forçar a sua saída. Em Inglaterra, resistiram à pressão e agora colhem os frutos, sendo uma das melhores equipas do país.
Mudar de treinador não afeta apenas a organização desportiva, mas também as finanças dos clubes. O pagamento de indemnizações, a reestruturação das equipas técnicas e até a necessidade de contratar jogadores mais adequados à nova filosofia tática geram custos avultados. O facto de não existir um fio condutor no planeamento desportivo a longo prazo agrava a situação económica dos nossos clubes. No entanto, o futebol português continua refém de decisões de curto prazo, ignorando que a instabilidade pode ser mais prejudicial do que manter um treinador em dificuldades.
Falando em instabilidade, o que dizer de quem joga dentro das quatro linhas? Como pode um jogador evoluir se muda constantemente de modelo tático e ideias de jogo? A necessidade de adaptação rápida pode travar o crescimento de atletas, tornando impossível a consolidação de um modelo coletivo. Jogadores em ascensão com um treinador podem desaparecer do radar com outro. Veja-se o caso de Gianluca Prestianni, um dos exemplos mais evidentes desta temporada.
A falta de paciência reflete-se ainda no recrutamento. Planeia-se um plantel para um determinado estilo de jogo, mas depois contrata-se um treinador com uma filosofia completamente oposta. Onde está a coerência?
Num cenário ideal, estabilidade e um planeamento bem estruturado são a base para o sucesso. Mudar de treinador implica tempo para adaptar novas ideias, criar dinâmicas e formar uma equipa competitiva. No entanto, no futebol português, o tempo é um luxo que poucos treinadores têm.
Enquanto lá fora há clubes com estratégias de recrutamento estruturadas, entrevistas detalhadas e processos de seleção rigorosos, em Portugal volta-se ao gatilho fácil, contratações impulsivas e projetos sem rumo.
Afinal, qual é o plano? Se os dirigentes não souberem responder a esta pergunta, a roda continuará a girar, os treinadores serão sempre os primeiros a cair e o futebol português ficará refém de decisões de curto prazo. O carrossel não para — mas para o bem do futebol português, talvez já fosse tempo de o travar.