Vamos à questão de milhões de euros. Afinal, na história da empresa familiar, Luís Montenegro é inocente ou culpado? Eis a resposta em quatro pontos.

Primeiro: O que é conflito de interesses? É a colisão entre o dever público e os interesses privados de um governante, que podem influenciá-lo no desempenho das suas funções. Basta ser provável, lê-se no manual da OCDE. O próprio código de conduta deste executivo considera que existe  "quando os membros do governo se encontrem numa situação em virtude da qual se possa, com razoabilidade, duvidar seriamente da imparcialidade da sua conduta ou decisão" e, sendo "atual ou potencial, deve tomar imediatamente as medidas necessárias para evitar, sanar".

Segundo: Há conflito de interesses na empresa do PM? A questão não é tanto a imobiliária. O maior problema é a empresa ser uma consultora, cuja atuação é praticamente ilimitada e que potencia o acesso ao primeiro-ministro. É impossível escrutinar os negócios e as ligações desta sociedade. Uma consultora dá para fazer tudo e mais um par de botas para os clientes, aos preços que se quiser. Por exemplo, um privado com interesses na esfera pública (porque quer um licenciamento ou uma adjudicação ) pode contratar a empresa da família do primeiro-ministro, na prática, subornando-o. E, assim, nem será possível saber sequer se o serviço foi prestado porque há confidencialidade que protege o contrato e legaliza o tráfico de influências.

Terceiro: Então, Montenegro está ilegal? Não está. Portugal deixa estas situações ao livre arbítrio. O debate entre Ventura (que também não revelou os seus clientes quando  acumulava o cargo de deputado com o de consultor da Finparter) e Montenegro foi outra oportunidade perdida para, finalmente, se discutir a ética e a integridade públicas. Uma coisa é certa: se, em Portugal, o crime de abuso de informação privilegiada (insider trading) é previsto e punido pelo artigo 378.º do  Código dos Valores Mobiliários para as sociedades cotadas em bolsa, porque é que não se considera o mesmo na gestão da coisa pública?!

Os nórdicos não admitem que os seus primeiros-ministros tenham consultoras ativas e em muitos países existem várias soluções. Por exemplo, a entrega das empresas a fundos cegos (blind trust), em que os seus beneficiários não têm conhecimento do tutor, nem direito de intervir na sua gestão.

Quarto: Então, o que deveria o PM fazer? Poderia restringir o objeto da empresa, eliminado a consultoria e o imobiliário. Melhor ainda seria extinguir a empresa, simplesmente. Enquanto estiver aberta, é um foco de potenciais conflitos. Entretanto, Montenegro deveria, como primeiro-ministro, instituir as melhores práticas referidas em Portugal.

Ah, mas nesse caso Hugo Soares ou Aguiar Branco também teriam problemas? E as dezenas de advogados que são deputados? Quantos conflitos de interesses não moram aí? Em Jamila Madeira ou Pedro Nuno Santos? Sim, teriam e deveriam ter problemas, porque são estes todos somados (e mais alguns) que explicam porque é que em Portugal se evaporam milhões em bancos, borlas fiscais e boys.

Pois é. Só saberemos a capacidade de os eleitos defenderem o interesse público se escrutinarmos as suas ligações privadas. Simples.

Ativista política
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