As recentes decisões sobre o estacionamento no Areeiro na Rua Brito Aranha (Bairro do Arco do Cego junto ao edifício da CGD) revelam mais do que uma simples questão logística; evidenciam uma atitude preocupante de prepotência e falta de consideração por parte das entidades públicas em relação aos moradores. O espaço público pertence a todos e as instituições, sejam elas o governo, a câmara municipal ou a junta de freguesia, são apenas gestoras temporárias, eleitas para servir a comunidade, e não para impor decisões unilaterais em benefício próprio.

Com efeito, a eliminação de mais de 30 lugares de estacionamento na zona sul da antiga sede da CGD, para acomodar necessidades do governo, é um exemplo claro de desrespeito pelos moradores. Estes já enfrentam uma escassez crónica de estacionamento e agora veem-se obrigados a competir com uma nova camada de reservas exclusivas para o governo. O pretexto de “segurança” invocado para justificar esta medida é frágil, especialmente quando o edifício da CGD já conta com uma esquadra da PSP no seu interior e possuía medidas de vigilância adequadas. Na prática, trata-se apenas de conveniência para os motoristas dos membros do governo, que ali aguardam durante o horário de expediente pelos seus ministros e secretários de Estado (valet parking).

Este tipo de comportamento não é novo. Em 2021, um caso semelhante ocorreu com 12 lugares reservados para o Ministério do Trabalho. Contudo, mesmo em períodos de maior movimento, como quando a CGD ocupava o edifício, nunca se verificaram práticas tão abusivas e desrespeitosas para com os moradores.

O artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa proíbe privilégios baseados em posição social ou função. Ainda assim, continuamos a assistir à proliferação de lugares de estacionamento reservados para entidades públicas e privadas, em prejuízo dos cidadãos comuns. É inaceitável que posições de poder ou influência garantam benefícios como lugares de estacionamento exclusivos, enquanto moradores e pequenos comerciantes sofrem as consequências da falta de acessibilidade.

Em Lisboa, estimo que existam entre 600 e 700 lugares reservados para entidades públicas e privadas, muitos dos quais ocupados de forma contínua, 24 horas por dia e sete dias por semana, sem uma real necessidade. Não há justificação para que estas entidades não utilizem os parques de estacionamento subterrâneos disponíveis, como o da antiga sede da CGD, com capacidade para milhares de veículos.

Acredito ser necessário repensar a gestão do espaço público, privilegiando os direitos dos moradores e promovendo um uso mais racional e justo dos recursos disponíveis sendo que algumas medidas concretas poderiam incluir:
1. Uma consulta obrigatória aos moradores antes de implementar alterações significativas no estacionamento: pública, online e com obrigação de contributos e sugestões.
2. A abertura de parques de estacionamento subterrâneos para compensar a perda de lugares na via pública (em redor da CGD existem centenas de lugares vazios nos três parques de estacionamento subterrâneos a menos de cinco minutos de distância).
3. Determinar uma limitação do número do número máximo de lugares reservados para entidades públicas e privadas, com horários específicos, e eliminação de reservas contínuas que não se justifiquem (por exemplo: estacionamentos de privilégio cedidos a igrejas e CTT).
4. O aumento da promoção do uso de transportes públicos e bicicletas por parte de políticos e representantes, dando o exemplo que tanto apregoam através da cedência, por exemplo, de passes GIRA a todos os membros de governo, assessores e funcionários do governo em todas as instalações governamentais em Lisboa.
5. A CML deve negociar com os concessionários preços mais acessíveis aos moradores nos parques de estacionamento existentes na zona, incentivando o seu uso em vez de ocupar o espaço público.

O espaço público deve ser tratado com respeito e equidade. Não se pode permitir que as decisões sejam tomadas de forma unilateral e em benefício de uns poucos, ignorando as necessidades da maioria. É hora de exigir comportamentos exemplares por parte das instituições e de adotar soluções que promovam uma convivência justa e equilibrada.

Os moradores do Areeiro – e de qualquer bairro de Lisboa – merecem mais respeito. Afinal, o espaço público é, e sempre será, de todos, não de alguns e não certamente daqueles (CML e governo) a quem os cidadãos entregaram à sua guarda para conservação e gestão, não para livre distribuição por alguns favorecidos ou privilegiados.

Rui Martins é fundador do Movimento Pela Democratização dos Partidos