O que se passa é de tal modo grave e escabroso que não encontrei citação para ilustrar.
O autor

Numa conferência de imprensa efectuada no dia 17 do pretérito mês de Setembro, no auge de mais uma pavorosa onda de incêndios que assolam o País há 50 anos (não antes) e que vão aumentando de gravidade à medida que o tempo passa (em vez de ser ao contrário…), o Primeiro-Ministro (PM), Dr. Montenegro, num raro momento de lucidez e verdade, saído da boca de um político referiu, a páginas tantas, que o governo não iria dar tréguas aos incendiários e aos eventuais interesses instalados, até os ver castigados pela Justiça.

Esta ideia que é de um evidente senso comum e indiciadora de uma linha de acção absolutamente lógica e necessária – só pecando por tardia e não objectivada – levantou desde logo um tropel de comentários críticos e negativos por parte de outros políticos, comentadores e jornalistas, que em vez de informar, comentam.

Ora o PM, embora sem o explicitar, limitou-se a dizer o óbvio, que já devia ter sido assumido há muito tempo. Muito tempo, mesmo.

Pela simples razão de que anda todo o mundo a discutir efeitos e não causas, quando não o sexo dos anjos - pois quanto a “género” já deve haver “anjos” para todos os gostos.

Porque tudo isto é elementar, mas nunca assumido, apesar de quem está no terreno afirmar à saciedade de que “foi fogo posto” (a história do rei vai nu, aplica-se mais do que nunca)!

E é elementar e óbvio, pela simples razão de que a esmagadora maioria dos fogos ser de origem humana e só 1%, vá lá, 2%, das ignições ter origem natural (trovoadas secas e pouco mais – experimentem pôr umas folhas secas debaixo de um vidro convexo na varanda ou no quintal à espera que arda e depois falamos).

Ora quando eu andei na escola e esta funcionava (o que já não acontece também, há 50 anos, e em vez de melhor, piora!) aí por alturas do 1º ano do liceu (não sei se antes), aprendia-se nas “ciências da natureza”, o que era o triângulo do fogo – que julgo faz parte da primeira aula dos aprendizes de bombeiros.

Isto é, para haver fogo é necessário haver um combustível (algo que seja susceptível de arder), um carburante (o oxigénio) e um ignidor (a tal “faísca” que origina a deflagração, onde a escolha é múltipla).

Ora só quando estas três condições estão reunidas em simultâneo, é que há um fogo. Neste caso um incêndio florestal.

Ora quem faz reunir estas condições (tirando os tais 1 a 2% de origem natural) é a mão humana.

Não são as alterações climáticas (que sempre houve e nós não dominamos); a ausência de aceiros; as espécies vegetais mal combinadas; a falta de limpeza das matas; o abandono dos campos, etc., etc., que causa os incêndios. Estas situações podem minorar ou agravar a extensão e gravidade dos fogos, mas não são os seus causadores.

Será que é difícil entender isto?

Então o que causa os incêndios? Pois a mão humana como já dissemos. Tal tem de se dividir em dois âmbitos: o dolo, ou seja o que é feito propositadamente e o descuido ou o desleixo, onde há um vasto campo de opções (ou o não cumprimento das leis, o que passa a dolo). Tudo o resto é conversa para “inglês ver”!(1)

É justamente neste âmbito que é preciso actuar. Mas logo os pregadores de Rousseau (somos todos bons, a “sociedade” é que nos desvirtua); os sobrinhos do Freud (que se desculpam com um distúrbio qualquer do foro sexual); os adeptos dos coitados dos “maluquinhos” (naturalmente inimputáveis); os inebriados pelo “sistema democrático” (que excluem à partida, que tais casos possam acontecer, dada a bondade do “sistema”); aqueles que andam em campanha eleitoral permanente e não querem perturbar as mentes que lhes dão votos e a estupidez militante (já nem falo nos eventuais coniventes infiltrados) vêm, com falas mansas e semblante condoído, negar as evidências que qualquer espírito medianamente informado e com um QI não inferior a 90, está fartinho de saber.

Existe até um âmbito alargado de áreas ou interesses que podem estar ligados ao que se pode apelidar de “negócio do fogo” e cujo âmbito pode ir desde a venda da madeira mais barata à substituição do coberto vegetal, por outro mais favorável à indústria da pasta do papel, a destruição de reservas naturais a fim de serem aproveitadas para outros fins; substituição de equipamento nas corporações de bombeiros; vinganças pessoais ou de família, questões relacionadas com baldios; necessidade de manter e recorrer a utilização de meios aéreos (o que move milhões de euros – e não foi por acaso, certamente que retiraram a missão à Força Aérea e agora querem repô-la), rivalidades quanto a questões de comando e controlo dentro da Protecção Civil; levantamento de proibições para construção, razões de “terrorismo político”; influenciar acções no âmbito das alterações climáticas; questões ideológicas; guerra assimétrica, etc. O grau de sofisticação relativo à capacidade provocar incêndios passou do isqueiro, para dispositivos de explosão retardada; destes para lançamento de instrumentos incendiários, lançados de avioneta (agora pode ser “drones”) e existe certamente tecnologia disponível – noutro âmbito – para serem provocados incêndios por meios geofísicos que incluem satélites.

Para já não falar da minoria de tarados que têm “orgasmos” a ver crepitar as chamas.

O grau de sofisticação desta banditagem (que lhe havemos de chamar?) vai ao ponto – como parece evidente nestes fogos de Setembro – dos incêndios, cuja grande parte deflagra de noite, terem início e desenvolverem-se em datas e locais criteriosamente escolhidos em termos meteorológicos e de terreno (de temperatura e sobretudo ventos e locais – vales, sobretudo) que permitem um efeito de “túnel”, levando a que um pequeno fogo se espalhe rapidamente por uma grande área.

Aparentemente só há cerca de 10 anos a Polícia Judiciária, teve ordens para começar a andar atrás dos incendiários (até então dispunham apenas de uma pequena delegação na sua sede, em Coimbra).

Infelizmente o PM nada disse sobre quais as medidas que se dispõe a pôr em prática e se calhar ainda bem, pois o segredo e a discrição são a “alma do negócio”. Sem embargo, a primeira medida parece evidente: reformar com dureza extrema o Código Penal e o Código do Processo Penal, que estão desajustados neste âmbito (como em muitos outros).

Do mesmo modo que é necessário voltar a pôr de pé o quadro de guardas-florestais e guarda-rios que percorriam as áreas florestais, que foram dispensados, vá-se lá saber porquê; viram os seus quadros extintos, para depois os tentarem substituir por militares, cuja missão, treino e âmbito, nada tem a ver com o que andam a fazer, ainda por cima sem autoridade para fazerem seja o que for!

E é preciso ir combatendo a ideia que já está espalhada de que os incêndios são uma fatalidade com que temos de viver e aceitar (assim a modos como o tráfico e consumo de drogas…).

Mas tudo isto é escamoteado da informação pública e publicada, tratando-se a população como um rebanho de atrasados mentais.
Para o ano há mais no sítio e à hora do costume.

Até um dia.

João José Brandão Ferreira
(Oficial Piloto Aviador Ref.)

(1) Que significa “manter as aparências”. Tem origem no Brasil em meados do século XIX, e reporta-se ao fim da escravatura, fingindo-se que se tomavam medidas (leis) nesse sentido, mas que não eram cumpridas; “para inglês ver”, que era quem queria acabar com o tráfico…