Todas as notícias em primeira mão
Todas as notícias em primeira mão
Todas as notícias em primeira mão

Porque sou contra os tetos de rendas

Retração do investimento, degradação do parque habitacional, escassez na oferta.

Embora a imposição de um limite (teto) máximo para arrendamentos habitacionais em Portugal (ou "controlo de rendas") possa parecer, numa leitura mais imediata, algo de razoável, uma vez que parece proteger os inquilinos contra a explosão descontrolada dos preços da habitação é minha convicção de que esta medida iria agravar o mesmo problema que visa resolver.

1. Em primeiro lugar, acredito que a determinação de um teto máximo para o arrendamento habitacional iria reduzir a oferta porque muitos senhorios iriam deixar de considerar esse investimento como viável e poderiam colocar as suas casas no mercado de venda (retirando o seu uso habitacional durante meses), em Alojamento Local (AL) e iria levar ao abandono de planos para a construção e aquisição de casas usadas para fins de arrendamento. Em consequência, isto reduziria a quantidade de oferta e, logo, aumentaria ainda mais os preços do arrendamento.

2. Uma tal medida, por outro lado, iria provocar — a prazo — a degradação do parque habitacional porque, apesar das leis que obrigam à realização de obras de conservação, esta lei raramente é respeitada e, com rendas controladas, os senhorios teriam menos rendimentos a partir dos quais poderiam financiar este tipo de obras. Isto levaria ao que aconteceu, durante décadas em Lisboa: à degradação gradual do parque habitacional com a aparição crescente de casas inabitáveis.

3. A imposição de um teto das rendas criaria ineficiência no mercado imobiliário com inquilinos que vivem em casas que não se ajustam às suas necessidades: com pessoas sozinhas em casas de três quartos e famílias que as poderiam ocupar de forma mais eficiente não o podiam fazer porque as rendas eram baixas. Isto afastaria de algumas casas, as famílias que melhor as poderiam habitar, rentabilizando a ocupação de todo os quartos disponíveis na habitação.

4. Na minha opinião, um dos maiores argumentos contra o controlo de rendas, é que acredito que a sua imposição iria arrastar uma parte considerável do mercado de arrendamento urbano para o mercado paralelo e para o arrendamento informal, através da multiplicação da quantidade já existente (havendo quem estime de que é, pelo menos, tão numeroso como o mercado formal), quer através da existência de parte da renda paga "sem recibo" nem declaração fiscal. Esta informalidade desprotege os inquilinos de direitos e criaria uma injustiça fiscal comparando com os senhorios que cumprem as suas obrigações sociais. Este estímulo à informalidade iria também criar dificuldades na compreensão da real dimensão do problema da habitação em Portugal, dificultar o desenvolvimento de boas políticas de desenvolvimento urbano por parte dos municípios e afastar (já o faz) inquilinos de vários programas de subsidiação promovidos pelo Estado.

5. O estabelecimento de "tetos às rendas" defendidos por partidos à esquerda do PS serviria também com um estímulo negativo à mobilidade uma vez que estas rendas controladas fariam alguns a não mudarem de casa quando — por mudança do local de estudo ou/e trabalho — lhes seria mais razoável aproximarem-se dos mesmos reduzindo assim o tempo e a pegada ecológica dessas deslocações.

6. A criação de controlos de rendas "cegos", isto é sem filtros, iria beneficiar quem não precisaria de ajuda desviando recursos da verba de apoios a famílias e a casos mais extremos. Esta distorção poderia ser compensada criando filtros de rendimentos adequados, mas à custa de complexificar o sistema e de criar mecanismos que poderiam ser usados para o iludir e desviar ajudas para quem, de facto, não precisa se existirem rendimentos não declarados.

Estas são as principais razões que me levam a opor-me a qualquer sistema de controlo de rendas. Esta é, contudo, uma posição de princípio que não nega que, em alguns casos e circunstâncias, tal medida não possa no passado ter já funcionado. Por isso, e embora mantenha a minha posição de ser contra esta medida, admito que — pontualmente em locais/cidades e momentos de crise imobiliária urgente — a medida da imposição de "tetos de rendas" possa fazer algum sentido desde que aplicada de forma limitada em geografia e tempo.

O uso desta ferramenta para resolver problemas locais e pontuais foi aliás bem demonstrado na Alemanha (sobretudo Berlim, antes de 2020) onde existiu regulação do aumento das rendas (não o valor inicial) mas há que ter em conta que neste país (como p.ex. na Polónia) existe um grande parque habitacional público e cooperativo. De notar que, em 2020, Berlim tentou impor um "congelamento total das rendas", mas o Tribunal Constitucional anulou a lei em 2021, alegando inconstitucionalidade.

Outros exemplos de controlos de rendas bem sucedidos podem ser encontrados na Suécia e noutros países nórdicos através de um teto negociado entre associações de inquilinos e senhorios, com grande intervenção pública. Mas aqui, também, existe um forte setor de habitação pública e cooperativa e o Estado dos países nórdicos está — desde o começo do século XX fortemente envolvido no planeamento urbano.

O exemplo holandês é particularmente interessante e tem sido citado várias vezes em Portugal como sendo "exemplar". Neste modelo, mais complexo do que o alemão e nórdico, existe um sistema de pontos para determinar o valor máximo da renda, com controlo parcial. O modelo holandês tem sido considerado eficaz para a habitação social e de classe média-baixa, mas está sob pressão nos últimos anos com aumento de preços e escassez de casas.

É preciso, também, que ter em conta que o controlo de rendas nem sempre funcionou. É o caso do Reino Unido (durante as décadas de 1960–1980) onde este controlo provocou a degradação acentuada do parque habitacional e do paradigmático caso português (antes da Nova Lei do Arrendamento Urbano – NRAU, 2006 e 2012) e onde, em Lisboa e durante décadas, houve rendas congeladas levando à grande degradação do parque habitacional nas zonas históricas, a um desincentivo total à reabilitação e a casas ocupadas por décadas a preços simbólicos, sem possibilidade de renovação, tendo esta política sido considerada um fracasso estrutural que só a recuperação pós-crise de 2008 permitiu recuperar.

Em alternativa, no lugar de um controlo rígido de rendas acredito que seria mais eficaz:

1. O aumento da oferta

  • 1a) Este aumento poderia ser — como já está a acontecer — através do aumento da construção da habitação pública (municipal) e cooperativa.
  • 1b) Pela instalação de mais incentivos à construção privada e à reabilitação de imóveis para aumentar a oferta transformando, por exemplo, habitações com muitas divisões (T4 ou mais) em duas ou três habitações de menores dimensões e que poderiam ser habitadas por duas ou três famílias.
  • 1c) Ajustamentos à atual Lei do Arrendamento que agilize os despejos em caso de falta continuada de pagamento da renda por forma a manter as casas no mercado e a atrair mais casas para o mercado de arrendamento.
  • 1d) Fim do Alojamento Local que ocupe totalmente fracções habitacionais permitindo-o apenas quando apenas uma parte da habitação está nesse regime e o resto da habitação continua a ser ocupada pela família proprietária.
  • 1e) Simplificação burocrática da conversão de lojas e espaços comerciais em habitação e libertação da aprovação pelo condomínio e pela câmara municipal dessa alteração de uso da fracção.

2. Também não acredito no sistema atual de entrega, por parte do Estado ou autarquias (em caso de emergência social) de subsídios diretos ao arrendamento a inquilinos de rendimentos baixos ou médios tendo a opinião de que esses subsídios acabam por serem absorvidos pelos aumentos de renda por parte dos senhorios que deles também tomam conhecimento anulando, na prática, a eficácia deste mecanismo. Admito, contudo, que a subsidiação de rendas — total ou parcial — em situações pontuais e datadas no tempo de emergência social (por doença ou desemprego: p.ex.) pode fazer sentido.

3. Para desatar o "Nó Górdio" da crise da habitação em Portugal é preciso aumentar a oferta. Em Lisboa, em particular, ainda existem em algumas freguesias muitas zonas onde esta construção é possível e muitos edifícios devolutos para além de qualquer recuperação que é possível reconstruir. A este respeito as autarquias locais têm não somente o dever como o interesse financeiro a longo prazo de construir para arrendamento acessível que, paralelamente, lhes sirva também de rendimento regular para que possam manter essas construções e criar novas habitações.

4. É também do interesse público promover a habitação em cooperativas de habitação, através de incentivos técnicos, financeiros e cedência de terrenos, através da constituição do direito de superfície com a definição de períodos alargados, para a construção de habitações novas ou para a reabilitação de património existente. Dar prioridade aos devolutos do Estado, p.ex. no Bairro da GNR do Areeiro em que a maioria das frações (mais de 50%) está atualmente devoluta através da criação de uma "bolsa de recuperação de imóveis públicos" à disposição dessas cooperativas que estaria publicamente disponível num site e com um sistema de concurso onde estas cooperativas poderão concorrer.

5. Acredito também que é urgente aumentar a taxa turística e aplicar o seu produto em vez que alimentar os cofres da Associação de Turismo de Lisboa (ATL), entidade privada responsável pela promoção turística da cidade e que recebe uma parcela dessas receitas deve ser desviada para a construção de habitação pública a custos acessíveis e compensar assim, parcialmente, as externalidades do Alojamento Local e do sobreturismo em Lisboa e em Veneza. Outra parte desta taxa aumentada deve continuar a compensar o aumento dos custos em higiene urbana (os casos de lixo na rua à porta de Alojamentos Locais são um clássico em Lisboa), assim como mais e melhores transportes públicos.

6. Acredito igualmente que é urgente regular o Alojamento Local (AL) dado que a 15.03.2025 existiam mais de vinte mil, demonstrando que a situação no arrendamento urbano — por via do desvio de habitações para AL — é mais grave e praticamente calamitosa, a opção de proibir totalmente o AL tem de estar sobre a mesa e o arrendamento municipal de antigos AL (com segurança no arrendamento para os proprietários) pode ser uma forma "suave" de devolver essas habitações ao uso habitacional em Lisboa.

7. Por fim, e quanto aos devolutos, se o regresso ao uso habitacional das dezenas de milhares de casas em alojamento turístico é urgente criar um programa nacional de aquisição de casas devolutas e em risco público de ruína e em Alojamento Local e colocar estas casas em arrendamento acessível. Em Lisboa, em particular, deve ser realizado um levantamento atualizado de casas vagas por freguesia, e apuramento da razão dessa vacatura com a criação de um plano de recuperação habitacional das mesmas. Considero ser também importante a colocação no mercado de todos os imóveis públicos devolutos. Potenciar o imóvel público dando a melhor utilização seguindo de perto (e "nacionalizando") o levantamento realizado, que poderia ser complementado, confirmado e atualizado e, finalmente, publicado online com atualizações em tempo real com indicação da lotação potencial, estado de conservação e estimativa (se existir) para o regresso de cada imóvel ao mercado habitacional.

8. Precisamos de aplicar a sextuplicação do IMI em todas os prédios devolutos na cidades (como Lisboa) sob severa pressão habitacional algo que, efetivamente, não está a ser feito.

9. Defendo igualmente a aceleração do licenciamento urbanístico pela reformulação e da informatização dos processos e criação de uma Via Verde para projetos de mera reabilitação, que não incluam alterações de fachada ou aumento de volumetria. Com métricas online e em tempo real num site nacional assim como a identificação, com plano de ação calendarizado dos estrangulamentos identificados, a criação de prémios de desempenho que estimulem o avanços dos processos e automatismos com IA e simplificação de processos com redução das aprovações discricionárias.

Conclusão:

O controlo de rendas pode ser uma ferramenta eficaz quando inserido num sistema habitacional equilibrado, sustentado por uma regulação estável, investimento público robusto e garantias legais claras tanto para inquilinos como para senhorios. No entanto, quando aplicado de forma rígida, repentina ou sem coordenação com outras políticas, tende a gerar efeitos contrários ao desejado: retração do investimento, degradação do parque habitacional, escassez na oferta de habitação e aumento das desigualdades no acesso ao mercado. Aqui, no chamado "tecto das rendas" bem como em tantas áreas da política pública, o sucesso está no equilíbrio e na articulação inteligente das medidas adoptadas.

Rui Martins é fundador do Movimento Pela Democracia Participativa

Veja também