Terminou neste mês de janeiro, decorrente de uma iniciativa em parceria dos Ministérios da Educação e da Juventude e Modernização, o preenchimento de um inquérito sobre bullying em contexto escolar e que deverá ter envolvido milhares de alunos do ensino público e privado entre o 7.º e o 12.º ano. Este inquérito procurará informar quantas crianças e jovens já experienciaram e/ou presenciaram situações de bullying e espera-se que esses dados sejam divulgados até ao final do mês, altura em que será também, previsivelmente, proposto ao governo um conjunto de recomendações elaborado pelo grupo de trabalho de combate ao bullying, cuja criação foi publicada em despacho a 23 de setembro de 2024.
De facto, bullying é um termo que, de tanto abordado, entrou corriqueiramente no vocabulário de cada um, o que tem contribuído para uma maior consciência da população para a problemática subjacente, mas também para uma certa banalização daquilo que efetivamente significa, parecendo aplicar-se a situações vistas como normais na relação entre crianças, jovens e adultos. Nesse sentido, é sempre importante relembrar que os comportamentos de bullying são uma forma de abuso – por se darem numa dinâmica em que existe desequilíbrio na relação de poder entre o autor e a vítima do comportamento e em que existe intenção de causar dano – traduzida em comportamentos agressivos de cariz físico, verbal e/ou socio emocional que se dão de forma reiterada e direcionada a um indivíduo percebido como mais vulnerável. A estes acrescenta-se a possibilidade do cyberbullying, que remete para o mesmo tipo de comportamentos através da internet. Não sendo uma forma de abuso que acontece exclusivamente na escola e entre crianças e jovens, podendo envolver adultos e qualquer outro contexto, a verdade é que o bullying é um fenómeno que ocorre maioritariamente em ambiente escolar.
Como qualquer forma de abuso, o bullying tem impacto negativo significativo e potencialmente duradouro em quem o experiencia como vítima, mas também para os agressores – cujo comportamento abusivo merece também ser abordado de forma compreensiva e não meramente punitiva.
Todos estes fatores são suficientes para justificar e saudar a abordagem política em curso relativamente ao tema, aguardando-se com expetativa a partilha pública dos dados obtidos, recomendações propostas e plano para a sua implementação abrangente e que inclua prazos para execução e resultados esperados (sobretudo numa escola pública com as limitações sobejamente conhecidas, mas cuja explanação não constitui o âmbito deste texto).
Não deixa, porém, de ser interessante refletir sobre como parecemos continuar a remeter o que acontece em ambiente escolar à Escola, como se o que cada criança é e faz não fosse reflexo das suas características individuais em interação com os meios em que se move e experiencia. Quando o espaço para a tolerância, a compreensão e a moderação que considerávamos estabelecido se parece voltar a reduzir – tanto a nível individual como social e político – pode ser o momento para refletirmos, a propósito da temática do bullying, sobre o papel do adulto enquanto educador e do Estado como concretizador de um ideal de Educação – e que é a Educação se não o veículo para a sociedade desejada e por vir?
Uma das dimensões importantes do educador na relação com o bullying é o da contenção, enquanto capacidade de oferecer um espaço seguro, emocional e fisicamente, a crianças ou jovens para as apoiar na compreensão e gestão das suas emoções e/ou vivências. Outra é a modelagem, enquanto capacidade de se constituir como referência na gestão de emoções e conflitos, demonstrando consistentemente pelas suas ações e atitudes autocontrolo, empatia e respeito pelo outro, independentemente das suas características ou história individual.
Partindo daí, porque educar deve ser um ato da consciência, procuremos proactivamente – indivíduos, sociedade e instituições, incluindo forças políticas – ser contentores e modelos para as crianças e jovens que nos rodeiam, qualquer que seja o contexto. Metade do caminho estará feito.
Coordenador Nacional para a Salvaguarda Infantil das Aldeias de Crianças SOS